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Lula garante participação social na execução do Novo Acordo do Rio Doce

Demanda é cobrada por atingidos há quase dez anos e consta em carta entregue ao presidente

Ricardo Stuckert/PR

Quase uma década após o crime da Samarco/Vale/BHP e as sucessivas denúncias sobre violações e exclusão dos atingidos na condução das ações de reparação, o presidente Lula se comprometeu com “a transparência e a participação social” na execução do Novo Acordo do Rio Doce em visita a Linhares, no norte do Estado, nesta sexta-feira (11), quando oficializou o início do Programa de Transferência de Renda (PTR). “Cada centavo será fiscalizado e os projetos e investimentos serão acompanhados de perto pela sociedade civil, com mecanismos de governança compartilhada e conselhos participativos”, garantiu.

Um dos pilares do novo acordo, estimado em R$ 170 bilhões, o PTR prevê a destinação de R$ 3,7 bilhões para reparações ao longo de quatro anos e vai contemplar 22 mil pescadores e 13,5 mil agricultores de 49 municípios de Minas Gerais e Espírito Santo. Os pagamentos, iniciados nessa sexta, serão sempre no dia 10 de cada mês, via Caixa Econômica Federal (CEF), e em duas etapas: por até 36 meses, os beneficiários receberão um salário mínimo e meio; nos 12 meses seguintes, o valor será de um salário mínimo.

Lula afirmou que, ao assumir a Presidência em 2023, encontrou um acordo de reparação orçado em R$ 48 bilhões, considerado insuficiente. “Em dois anos conseguimos fazer com que a Vale sentasse à mesa e pagasse o que devia. A Vale tinha um presidente que nunca conversou com ninguém. Criaram uma fundação que gastou R$ 30 bilhões e vocês até hoje não sabem com o quê. Nós não íamos aceitar isso”, destacou.

Ele também criticou a postura da Vale e da Fundação Renova na condução da reparação nos anos anteriores. “A Vale era estatal e era a maior mineradora do mundo. Depois que virou essa tal de corporation, virou a 14ª. Quando muita gente cuida de um cachorro, o cachorro morre de fome. E é isso que aconteceu: um monte de acionista só esperando os dividendos, sem responsabilidade nenhuma”.

O novo acordo prevê investimentos e ações de reparação com R$ 49 bilhões sob responsabilidade do governo federal. Entre as medidas, estão a indenização de 300 mil pessoas; programas socioeconômicos e ambientais; recuperação da bacia do Rio Doce; reconstrução de infraestrutura; fortalecimento das políticas públicas; e inclusão produtiva.

O evento contou ainda com o lançamento de um edital para a seleção de movimentos sociais e organizações da sociedade civil para compor o Conselho Federal de Participação Social da Bacia, que vai atuar no controle do investimento dos recursos.

“Nós queríamos mais. O acordo é bom, mas pode melhorar. Tem muito agricultor familiar do litoral capixaba que ficou de fora. Tem pescador idoso sem documentação, comunidades que até hoje não foram reconhecidas, gente do turismo, do artesanato, que também foi atingida. Nós queremos protagonismo, porque somos doutores em ser atingidos e sabemos o que precisa ser feito”, avaliou o coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Heider José Boza, durante a solenidade.

Reprodução: Canal Gov

Heider apontou o longo processo de luta durante quase dez anos após o crime socioambiental da Samarco/Vale/BHP em Mariana (MG), até a criação do PTR, com origens nas mobilizações iniciadas em Brumadinho, em 2019, com mais um crime da Vale, e debatidas durante a pandemia da Covid-19 com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Se hoje o presidente está aqui em Linhares falando dos atingidos, é conquista de todo mundo que está aqui. Todo mundo colocou um tijolinho nessa construção”, completou. 

Representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) entregaram uma carta de reivindicações a Lula, reforçando críticas ao processo da repactuação conduzido sem a participação efetiva das vítimas. Heider prestou homenagem à militante Flávia Amboss, professora assassinada no atentado à Escola Primo Bitti, em Aracruz, em 2022.

“Ela era do MAB. Saiu de casa para trabalhar e não voltou. Deixou um legado. Escreveu esse livro aqui, fruto do doutorado dela, sobre a luta dos atingidos. Presidente, eu queria entregar esse livro com muito carinho. Gostaria que o senhor lesse”, pediu Weber, citando Imprensados no tempo da crise – a gestão das afetações no desastre da Samarco (Vale e BHP Biliton) e a crise como contexto no território tradicionalmente ocupado na foz sul do Rio Doce.

Ricardo Stuckert/PR

O prefeito de Linhares, Lucas Scaramussa (Podemos), também reforçou durante a cerimônia a necessidade de ampliar os critérios e reconhecer os excluídos. “Temos produtores de cacau premiados internacionalmente, pescadores e pescadoras ainda não reparados. A cidade está unida em busca de soluções para todos que foram vítimas desse grande crime”, declarou, ao pedir recursos para as 14 obras cadastradas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal.

Além de Lula, participaram da comitiva federal os ministros Márcio Macedo (Secretaria-Geral da Presidência), Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário), André de Paula (Pesca e Aquicultura) e o advogado-geral da União, Jorge Messias, e o secretário nacional de Assistência Social, André Quintão.

Márcio Macedo, Jorge Messias e Renato Casagrande com o presidente Lula – Foto: Ricardo Stuckert/PR

Paulo Teixeira destacou o esforço para reabrir o acordo e ampliar as ações. “Não se trata apenas de renda. Vamos reconstruir a economia dos pequenos agricultores, indígenas, quilombolas, pescadores. Ainda há muito a ser feito. E se alguém ficou de fora, há canais abertos para inclusão, como o e-mail [email protected]”, prometeu, mencionando a abertura de um escritório permanente do MDA em Linhares.

A agricultora Ana Paula Ramos, sócia fundadora da associação Mulheres do Cacau, trouxe o testemunho de quem perdeu o direito à terra limpa. “Sou de Regência, brinquei no Rio Doce. Hoje meu filho não tem esse privilégio por causa da contaminação pelos metais pesados. Não podemos plantar nem comer o que pescamos. Sofremos uma violência muito grande, tiraram de nós o maior pertencimento, que foi a terra”, afirmou. Para ela, agricultores familiares e pescadores artesanais foram os mais impactados pelo crime. “Essa renda não nos faz sonhar, mas garante o básico para que possamos, a partir daí, pensar um pouco além”, destacou.

Luta por protagonismo

Na carta entregue ao presidente, o MAB denuncia que o novo acordo foi fechado sem a participação das comunidades atingidas, excluídas da mesa de negociação. Por isso, o movimento exige protagonismo na execução das políticas de reparação. Além da defesa da participação social, a carta traz propostas concretas e amadurecidas ao longo de anos de organização nos territórios. Entre elas, estão os planos de reconstrução da pesca e da agricultura familiar, a criação de um programa de educação e formação para os atingidos – com alfabetização de adultos, cursos de capacitação e formação em segurança de barragens -, um plano voltado à saúde com vigilância popular e parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e ações específicas para as mulheres atingidas, com solicitação de recursos próprios. 

Ricardo Stuckert/PR

A carta traz ainda um conjunto de propostas relacionadas ao direito à água e à energia, que vão desde filtros e cisternas até painéis solares e descontos em tarifas públicas. Todos esses planos, afirma o MAB, foram construídos coletivamente e precisam ser discutidos em mesas específicas com os ministérios responsáveis. Outra reivindicação apresentada é a criação de um Ministério dos Atingidos e de um Fundo Nacional dos Atingidos, como instrumentos de efetivação da Política Nacional dos Atingidos por Barragens (PNAB), sancionada em 2023. Para o movimento, o governo federal tem agora o dever de transformar essa lei em política viva, com orçamento, estrutura e alcance em todo o país. 

Além disso, o movimento reforça a a exigência de reconhecimento das comunidades ainda deixadas de fora da reparação, como pescadores e comerciantes de áreas urbanas impactadas, trabalhadores da cadeia da mineração, agricultores do litoral norte capixaba e do sul da Bahia, e diversas comunidades tradicionais que seguem invisibilizadas pelos critérios atuais.

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