quarta-feira, dezembro 24, 2025
28.9 C
Vitória
quarta-feira, dezembro 24, 2025
quarta-feira, dezembro 24, 2025

Leia Também:

‘Luz que mata’: postes e refletores ameaçam tartarugas na Serra

Instituto cobra da prefeitura cuidados para preservação de espécies em extinção

Enquanto para muitas pessoas a iluminação pública é sinônimo de segurança e conforto, para as tartarugas marinhas pode representar morte. O alerta é feito por Claudiney Rocha, presidente do Instituto Brasileiro de Fauna e Flora (Ibraff), que aponta impactos severos no ciclo reprodutivo, especialmente durante o período de desova e nascimento dos filhotes.

A presença de luz artificial, afirma, interfere diretamente na orientação natural dos filhotes, que deveriam seguir em direção ao mar logo após o nascimento. “Qualquer iluminação artificial em qualquer praia já causa problema. Quando o filhote nasce, ao invés de ir para o mar, ele vem ao contrário. Com isso, acabam morrendo todos”, afirma Claudiney, que é técnico em Meio Ambiente e Veterinária, e atua há mais de duas décadas na proteção desses animais no litoral do município.

A luz artificial, especialmente postes altos e refletores voltados para a faixa de areia, deixam os filhotes vulneráveis à desidratação, atropelamentos e a predadores. O problema não afeta apenas os recém-nascidos. As fêmeas adultas também são impactadas: praias excessivamente iluminadas podem afastá-las no momento da desova ou provocar o abandono dos ninhos.“Se a praia estiver muito iluminada, as mães acabam sendo afugentadas ou até fazendo uma desova perdida, indo para o mar sem completar o processo”, explica.

Ibraff

De acordo com o presidente do Ibraf, todas as espécies de tartarugas marinhas pertencem ao gênero Quelônio e estão ameaçadas de extinção. No litoral da Serra, a única espécie que realiza desova de forma regular é a tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta), também conhecida como careta-careta. Ainda assim, o litoral capixaba é visitado por todas as espécies de tartarugas marinhas. “Já tivemos registros pontuais de desova de tartaruga-de-couro, tartaruga-verde, tartaruga-oliva e até da tartaruga-gigante. Mas isso é algo isolado. Quem desova mesmo aqui é a cabeçuda”, relata.

Somente neste ciclo reprodutivo, iniciado em setembro e que se estende até março, já foram registrados mais de 90 ninhos ao longo do litoral da Serra, com maior concentração nas praias de Jacaraípe e Praia Mole, áreas também bastante frequentadas por moradores e turistas.

Além da iluminação artificial, Claudiney chama atenção para outros impactos ambientais que afetam diretamente a sobrevivência das tartarugas marinhas. Um dos principais é o lixo descartado incorretamente no ambiente costeiro. “Das tartarugas que a gente encontra mortas, 100% têm resíduos no trato intestinal”, afirma.

A ocupação desordenada das áreas costeiras e a destruição da vegetação de restinga também são apontadas como fatores críticos. A retirada da restinga, explica, provoca processos erosivos, reduzindo a faixa de areia – justamente o espaço necessário para a desova. “Quando você mexe na vegetação, perde faixa de areia. E é ali que a tartaruga se reproduz. Vai perdendo área reprodutiva”, ressalta.

Na Serra, o problema é agravado pelo fato de que, apesar dos 23 quilômetros de litoral, muitas praias possuem faixas de areia estreitas. “Se continuar mexendo sem estudo, essa faixa diminui ainda mais, e os bichos vão migrar para outros locais, causando desequilíbrio ecológico”, pontua.

Em relação à iluminação, a Prefeitura da Serra firmou um acordo para mitigar os impactos ambientais. Os refletores instalados voltados diretamente para a praia passaram a ser desligados a partir das 21 horas, medida que vem sendo cumprida pelo município, como reconhece Claudiney. No entanto, ele ressalta que o problema ainda não foi totalmente solucionado. A iluminação instalada no topo dos postes do lado da calçada continua interferindo no comportamento das tartarugas. “Mesmo desligando os refletores da praia, essa luz no topo do poste ainda atrapalha tanto os filhotes quanto as mães”, completa.

A principal reivindicação das entidades ambientais é que a prefeitura reveja o modelo de iluminação pública, rebaixando os pontos de luz para a altura intermediária dos postes e reduzindo o alcance luminoso sobre a faixa de areia. “A solução é simples: abaixar essa iluminação. Acreditamos que isso vai trazer uma resposta ambiental muito melhor”, afirma.

Além da atuação do poder público, ele reforça que a participação da população é fundamental para a conservação das tartarugas marinhas, pois a Tartaruga Verde (Chelonia mydas) tem o nosso litoral como área de alimentação e são as principais vítimas de lixo deixado na natureza. Entre as orientações estão não deixar lixo na praia, não fazer fogueiras ou churrasqueiras diretamente na areia, não trafegar ou estacionar veículos sobre a restinga, e jamais tocar ou interferir nos ninhos. “São cuidados simples, mas que fazem toda a diferença. A conservação depende de todos nós”, convoca.

O monitoramento oficial das desovas no litoral da Serra é realizado pelo Instituto de Pesquisa e Reabilitação de Animais Marinhos (Ipram), com apoio de instituições parceiras, como o Ibraf. A atuação também envolve a Polícia Militar Ambiental, Guarda Municipal e guarda-vidas, especialmente para coibir crimes ambientais, como a violação de ninhos. “Muita gente não sabe, mas mexer em ninho é crime ambiental. Está previsto no artigo 29 da Lei de Crimes Ambientais. Caçar, apanhar ou molestar qualquer animal da fauna silvestre ou migratória é crime”, reforça Claudiney.

Ele defende que proteger as tartarugas marinhas é também preservar o equilíbrio dos ecossistemas costeiros e garantir que futuras gerações ainda possam testemunhar esse ciclo milenar da natureza. No nosso comunicado à população, nas redes sociais, chamamos esse problema de “luz que mata. Para muitos, símbolo de vida, e esperamos que não continue sendo sinônimo de morte para esses animais”.

Mais Lidas