Apenas quatro deputados foram a favor de manter os vetos do governo Lula

O Congresso Nacional derrubou, na noite dessa quinta-feira (27), 52 dos 59 vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto que flexibiliza regras de licenciamento ambiental no Brasil, texto que vem sendo apontado por ambientalistas como o maior retrocesso ecológico das últimas décadas e que ganhou o apelido de “PL da Devastação”. A maioria dos parlamentares capixabas votou contra os vetos, abrindo caminho para que dispositivos mais permissivos voltem a valer, sob o argumento da necessidade de destravar obras e dar “segurança jurídica” a investimentos. A decisão fortalece setores privados, especialmente do agronegócio.
Os favoráveis à manutenção dos vetos apontaram preocupação com as consequências ambientais e afirmaram que a decisão fragiliza a proteção de biomas, aumenta o risco de desastres e ameaça direitos de povos tradicionais. Apenas quatro deputados do Estado se alinharam ao governo e às organizações ambientalistas ao votar pela manutenção dos vetos: Gilson Daniel (Podemos), Helder Salomão (PT), Jack Rocha (PT) e Paulo Foletto (PSB).
Já Amaro Neto (Republicanos), Da Vitória (PP), Dr. Victor Linhalis (Podemos), Evair Vieira de Melo (PP), Gilvan da Federal (PL) e Messias Donato (Republicanos) foram contrários, acompanhando a articulação da oposição e de setores empresariais que defendem a simplificação dos licenciamentos e a descentralização das regras ambientais.
A sessão juntou a Câmara e o Senado, e o único voto capixaba pela derrubada dos vetos partiu de Magno Malta (PL). Fabiano Contarato (PT) e Marcos do Val (Podemos) não registraram seus votos.
A votação foi marcada pelo esvaziamento do plenário e por uma disputa política que se desenrolava há semanas. Apesar de tentar convencer parlamentares a manter pelo menos parte das salvaguardas assinadas por Lula, o governo enfrentou resistência de uma articulação liderada pela bancada ruralista. Setores econômicos pressionaram pela derrubada integral dos vetos, alegando que o licenciamento atual é “burocrático”, “lento” e responsável por “travar obras” consideradas estratégicas para o desenvolvimento.
Com a queda dos vetos, volta a valer a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), modalidade de autolicenciamento para empreendimentos de médio impacto, em que o empreendedor assume a responsabilidade pelo cumprimento das normas ambientais sem necessidade de apresentar estudos prévios detalhados. Essa modalidade havia sido vetada por Lula por representar, segundo o Ministério do Meio Ambiente, risco real de liberar obras sem avaliação adequada de impactos, especialmente em áreas sensíveis. Organizações ambientais lembram que estruturas como as barragens de Mariana e Brumadinho, relacionados a dois graves crimes ambientais registrados no País, se enquadrariam nessa classificação intermediária, o que, segundo elas, reforça o temor de que tragédias semelhantes possam se repetir.
O texto aprovado também transfere da União para os estados e o Distrito Federal a definição dos parâmetros ambientais do licenciamento, limita atribuições do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), e reduz a consulta obrigatória a povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais afetadas por grandes empreendimentos. Outro ponto que retomou vigência após a derrubada dos vetos é o dispositivo que retira a Mata Atlântica do regime especial de proteção para supressão de floresta nativa, abrindo brechas para que áreas do bioma sejam desmatadas com menos exigências legais do que as atuais.
Movimentos sociais e ambientalistas criticam a iniciativa do presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (União-AP), de escolher deliberadamente votar o licenciamento em um momento politicamente sensível, uma semana depois da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), realizada em Belém (PA), onde o Brasil reafirmou compromissos de combate ao desmatamento e de redução de emissões. Alcolumbre, no entanto, se defendeu em entrevista à Agência Brasil, afirmando que a pauta estava travando outras deliberações e que “há regiões inteiras aguardando que o Congresso finalize essa discussão para que grandes projetos saiam do papel, gerando empregos, renda e crescimento econômico — sempre com responsabilidade ambiental”.

Após a derrubada dos vetos, o governo Lula tentou evitar a derrota apresentando 28 destaques para tentar manter trechos específicos dos vetos, mas todos foram rejeitados, por 295 a 167 votos na Câmara e 52 a 15 no Senado. A única vitória parcial do Planalto foi o adiamento da análise de sete vetos que tratam do Licenciamento Ambiental Especial (LAE), modalidade criada pelo próprio projeto. Lula vetou o dispositivo que previa licenciamento em “fase única”, e, para compensar, editou a Medida Provisória 1308/2025, mantendo a modalidade, mas exigindo que o processo siga as etapas tradicionais de avaliação ambiental, ainda que com equipes especializadas para acelerar as análises. O relator da MP é o deputado Zé Vitor (PL-MG), e o prazo para votação se encerra na próxima sexta-feira (5).
A MP editada pelo governo já está em vigor, mas precisa ser aprovada pelo Congresso até a data-limite, caso contrário, perde a validade. A medida reorganiza pontos do novo marco e, embora mantenha a criação do licenciamento especial, impede que ele ocorra de forma monofásica. Em vez disso, exige todas as etapas tradicionais do licenciamento ambiental, como análise técnica, definição de condicionantes e acompanhamento, e prevê equipes exclusivas no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e nos órgãos estaduais para dar celeridade ao processo. Há ainda a expectativa de que setores contrários acionem o Judiciário para contestar a constitucionalidade de trechos específicos.
O Observatório do Clima, rede de 161 organizações, classificou o resultado como “o maior retrocesso ambiental da história”, afirmando que a queda dos vetos pode esvaziar os instrumentos de prevenção de danos ambientais existentes desde a Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981.
Considerada uma das maiores ofensivas contra a política ambiental brasileira desde a Constituição de 1988, a proposta tramitava desde 2004 e foi aprovada pela Câmara pela primeira vez em 2021, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), sob intensa articulação da bancada ruralista e de setores ligados ao agronegócio. No Senado, foi relatada inicialmente por Kátia Abreu (PP-TO), mas sua aprovação se deu sob a condução da senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura de Bolsonaro.
Após receber 54 votos favoráveis e 13 contrários no Senado, em maio deste ano, o texto retornou à Câmara para análise das 32 emendas aprovadas, das quais 29 foram incorporadas ao texto final. A matéria foi aprovada em julho deste ano, por 267 votos favoráveis e 116 contrários. Dos dez deputados que compõem a bancada federal do Espírito Santo, apenas dois votaram contra: Gilson Daniel (Podemos) e Helder Salomão (PT). Outros quatro parlamentares votaram a favor: Da Vitória (PP), Evair de Melo (PP), Amaro Neto (Republicanos) e Messias Donato (Republicanos). Três deputados estavam ausentes: Jack Rocha (PT), Paulo Foletto (PSB) e Dr. Victor Linhalis (Podemos). Gilvan da Federal (PL) estava afastado do mandato.

