Servidores do Iema criticam proposta de Casagrande que simplifica processos de licenciamentos
Os servidores do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) voltam a alertar para o “risco de desmonte” do licenciamento ambiental no Estado, após o governo Renato Casagrande (PSB) enviar à Assembleia Legislativa o Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 34/2025, que flexibiliza os procedimentos. A matéria está prevista para ser votada nesta semana.
A Associação de Servidores do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espírito Santo (Assiema) aponta, em nota, “um grave retrocesso na política ambiental capixaba”. O projeto abre brechas para que qualquer empreendimento, inclusive os de médio e alto impacto, possa receber licenciamento simplificado, sem avaliação técnica prévia e com menos controle público.

O projeto modifica artigos da Lei 1.073/2023, especialmente na definição e no alcance das modalidades de licenciamento. Entre as mudanças, altera definições da Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), uma categoria de licença automática, concedida sem análise técnica prévia, mediante simples declaração do empreendedor. Pela legislação atual, ela já havia sido ampliada para permitir enquadramento de empreendimentos de médio impacto, o que a Assiema já classificava, em 2023, como grave retrocesso. A nova proposta elimina qualquer “recorte de porte ou potencial poluidor degradador”, o que permite a facilitação para qualquer tipo de empreendimento.
Para a associação de servidores ambientais, isso cria “uma perigosa brecha para que qualquer empreendimento possa ser enquadrado em procedimento simplificado”. A Assiema aponta que o projeto também amplia o uso da Licença Ambienta Simplificada (LAS) e não coloca limites claros para atividades que poderão ser enquadradas nessa modalidade.
Além disso, amplia o rol de atividades que podem ser completamente dispensadas de licenciamento, ao definir que isso pode ocorrer quando o impacto é considerado “não significativo” ou em “casos de calamidade”, nos termos da regulamentação futura. A Assiema alerta que esse tipo de definição genérica abre espaço para interpretações que fragilizam a política ambiental.
O texto propõe ainda a criação da Licença Ambiental Especial (LAE), destinada a “empreendimentos estratégicos”, para permitir que atividades com impacto significativo, inclusive aquelas que exigem rigorosos estudos ambientais, tenham um rito específico, mais flexível, a ser detalhado em regulamento futuro.
Outra alteração afeta a estrutura dos estudos técnicos exigidos, como o Estudo de Impacto Ambiental/ Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima); Estudo de Conformidade Ambiental (ECA); Relatório de Controle Ambiental (RCA) e Plano de Controle Ambiental (PCA), ao permitir substituições conforme decisão da autoridade licenciadora, inclusive na regularização de empreendimentos já instalados.
O fim de critérios de porte e potencial poluidor para LAC e LAS é apontado como um dos pontos mais graves pelos servidores. Para a entidade representativa, isso compromete a rigidez necessária para avaliar impactos antes da instalação da atividade.
A maioria das mudanças depende de decretos posteriores, o que, segundo os servidores, significa que a Assembleia estaria delegando ao Executivo a possibilidade de flexibilizar normas sem novo debate legislativo. A criação da LAE, específica para empreendimentos “estratégicos”, é vista com desconfiança pelos servidores, que temem que o termo seja usado de forma ampla para liberar projetos de grande porte com menos rigor.
O Executivo alega que a mudança é para “revisar conceitos e definições estabelecidos na lei para “tornar os processos mais céleres e melhor alinhados ao entendimento das autoridades licenciadoras capixabas”. Casagrande afirma que a lei de 2023 foi uma “proposta inovadora” e que as novas alterações “não fragilizam o preceito básico do direito ambiental brasileiro”, previsto no artigo 225 da Constituição.

Ele defende que o projeto elaborado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), sob gestão do ex-deputado Felipe Rigoni (União), “aprimora a regulamentação e a adequação à legislação federal”, especialmente a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (15.190/2025), oriunda do Projeto de Lei (PL) 2159/21, conhecido como o “PL da Devastação”, que trata das regras gerais do licenciamento ambiental.
Contudo, os servidores avaliam que as mudanças não corrigem os problemas da lei de 2023 e ainda ampliam riscos ambientais e reduzem a capacidade técnica do Estado de avaliar e controlar empreendimentos potencialmente poluidores.
Os servidores reforçam que o problema vem do modelo criado em 2023 e aprofundado agora, pelo PLC 34/2025, por isso voltam a cobrar que primeira lei seja integralmente revogada, por trazer dispositivos que comprometem a capacidade técnica e enfraquecem a política ambiental capixaba, e ressaltam que não se pode “admitir mais nenhum retrocesso que coloque em risco os instrumentos da política ambiental em nosso Estado”.
A associação recorda que existe outro projeto em tramitação, o PLC 04/2025, apresentado pela deputada Iriny Lopes (PT), que propõe a revogação dos “itens mais danosos” da lei de 2023. A nota critica o fato de que, ao contrário das propostas do governo, esta “ainda não foi apreciada” pela Assembleia. Os servidores se organizam para pressionar a Assembleia e pedir a suspensão da tramitação. “Conclamamos os servidores do Iema e toda a sociedade capixaba a se somarem nessa luta!”, convocam.
Vetos derrubados
Apontado por ambientalistas como o maior retrocesso ecológico das últimas décadas, o “PL da Devastação” recebeu 59 vetos do presidente Lula (PT), como o objetivo de impedir a volta de dispositivos considerados de alto risco ambiental, como a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) para empreendimentos de médio impacto, a redução de consultas obrigatórias a povos indígenas e quilombolas, o enfraquecimento do Conama e a flexibilização da proteção da Mata Atlântica.
Segundo o governo, os vetos buscavam preservar salvaguardas ambientais mínimas e evitar que obras fossem liberadas sem estudos adequados, uma preocupação reforçada pelo Ministério do Meio Ambiente ao lembrar que estruturas como as barragens de Mariana e Brumadinho – crime da Samarco/Vale-BHP e da Vale – se enquadrariam na classificação intermediária que poderia ser autorizada via autolicenciamento.
No entanto, o Congresso derrubou 52 desses vetos, com apoio da maioria da bancada capixaba. Apenas quatro deputados defenderam a manutenção dos vetos: Gilson Daniel (Podemos), Helder Salomão (PT), Jack Rocha (PT) e Paulo Foletto (PSB). Os demais, Amaro Neto (Republicanos), Da Vitória (PP), Dr. Victor Linhalis (Podemos), Evair de Melo (PP), Gilvan da Federal (PL) e Messias Donato (Republicanos), votaram pela derrubada, em aliança com a articulação da bancada ruralista e de setores empresariais que alegavam necessidade de “destravar obras” e dar “segurança jurídica” aos investimentos. No Senado, o único capixaba a votar pela derrubada foi Magno Malta (PL), enquanto Fabiano Contarato (PT) estava presente, mas não teve voto registrado, e Marcos do Val (Podemos) não participou.
A bancada capixaba já havia se dividido meses antes, na votação que aprovou o texto-base: dos dez deputados federais, apenas Gilson Daniel e Helder Salomão votaram contra; Da Vitória, Evair de Melo, Amaro Neto e Messias Donato foram favoráveis; Jack Rocha, Paulo Foletto e Dr. Victor Linhalis não votaram; e Gilvan da Federal estava afastado. A decisão, tomada uma semana após a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), onde o Brasil reafirmou compromissos ambientais globais, foi classificada pelo Observatório do Clima como “o maior retrocesso ambiental da história”.
‘Gestão autoritária’
A mobilização dos servidores do Iema contra a Lei 1.073/2023 começou ainda em 2023 e se intensificou ao longo de 2024, com protestos públicos, notas técnicas e a entrega de um manifesto ao governador Renato Casagrande. Em abril de 2024, durante o lançamento do Licenciamento Ordinário no Iema Digital, os servidores compareceram com cartazes e formalizaram ao governo um documento que denunciava “gestão autoritária”, inconstitucionalidades na nova lei e o que classificaram como um processo de “desmantelamento das ações de controle, fiscalização e conservação ambiental”, agravado desde a nomeação de Felipe Rigoni para a Seama.

O manifesto descrevia o secretário como alguém sem diálogo com o corpo técnico, “uma afronta à sociedade capixaba” e alinhado a setores interessados na exploração do sal-gema, além de destacar episódios como a concessão de exploração econômica dos parques estaduais, a reestruturação do Iema sem escuta interna e a autoria do chamado “PL da Destruição”, aprovado pela Assembleia mesmo sendo, segundo os servidores, “perverso, excludente, mal redigido e incompatível com normativas federais”.
A mobilização incluía ainda o pedido de revogação integral da lei e a destituição imediata de Rigoni, considerados passos urgentes para restabelecer a legalidade, a participação pública e a proteção ambiental no Espírito Santo.

