Mesmo com reconhecimento da agricultura familiar, governo federal destina maiores esforços ao agronegócio
No final do mês de maio, a presidente Dilma Roussef recebeu cerca de 40 representantes do agronegócio para um jantar no Palácio da Alvorada. Liderados pela senadora Kátia Abreu
(PMDB-TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e conhecida por sua atuação em favor do setor, o grupo teve a intenção de buscar apoio a temas como bioenergia à área de processamento de alimentos, produção de agroquímicos (agrotóxicos), máquinas e equipamentos agrícolas, como informou por meio de nota o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).
Os ruralistas ainda apresentaram, na reunião, oito supostos "desafios" do agronegócio, que são a logística, o uso de agroquímicos, açúcar e álcool, acordos internacionais de comércio, crédito tributário, questões trabalhistas, que, de acordo com o movimento, significam a perda de direitos trabalhistas; e a questão indígena, que para o movimento foi tratada pelos ruralistas como o não reconhecimento dos territórios tradicionais. Considerando esse fato, o MPA definiu, em nota, que "o governo federal, apesar de reconhecer “oralmente” a importância da agricultura familiar e camponesa, demonstra em seus movimentos concretos um apreço sem tamanho ao agronegócio, ignorando o legado nefasto deixado pelo mesmo", e questionou o que a presidente e sua equipe de governo pensam sobre a agricultura familiar.
O MPA apresenta na nota que o crescimento do setor do agronegócio no país continua deixando prejuízos no campo brasileiro e, até então, os estímulos ao setor resultaram no fato de o país ser o tricampeão mundial em consumo de agrotóxicos, além de sofrer com sérios problemas ambientais relacionados ao monocultivo, ao uso intensivo de máquinas pesadas, de isumos químicos e venenos. O desmatamento, a degradação do solo, a contaminação química de mananciais e a redução da base genética alimentar da população também são consequências desse tipo de cultivo.
O MPA também informa que, mesmo abocanhando 86% dos créditos e 76% das terras produtivas, o agronegócio produz apenas 60% do Produto Interno Bruto (PIB) agrícola e apenas 30% dos alimentos que vão pra mesa do povo brasileiro, muito menos do que o campesinato, que produz os restantes 70% da alimentação no país. O agronegócio também controla 76% das terras e, apesar dos muitos investimentos e do grande território usurpado, gera apenas 26% dos empregos no campo, enquanto, no Brasil, a agricultura familiar chega a empregar mais de 70% dos trabalhadores do campo.
Segundo o Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que levantou dados dos anos de 2006 e 2007 e foi divulgado em 2009, a agricultura camponesa emprega no Brasil 12,3 milhões de pessoas no campo, o equivalente a 74,4% de todos os empregos gerados na área rural, em oposição ao agronegócio, que emprega apenas 25,3% dos trabalhadores do campo, cerca de 4,2 milhões de pessoas. Além disso, 84,4% dos estabelecimentos da agricultura familiar ocupam apenas 24,3% do território campesino brasileiro, enquanto 15,6% dos estabelecimentos que representam o agronegócio utilizam 75,7% das áreas ocupadas no campo.
O agronegócio é um modelo que faz amplo uso de agrotóxicos, maquinário agrícola e monocultivos intensivos, visando apenas ao lucro e às exportações, o que transforma os investimentos públicos, que supostamente seriam para suprir o déficit alimentar da população, em capital privado. Se todas essas terras fossem destinadas à agricultura camponesa e familiar, como consideram os dirigentes do MPA, mais pessoas seriam empregadas e assentadas no campo.
"Por tudo isso, defendemos que o reconhecimento da agricultura familiar e camponesa deve se transformar em ação concreta dos governos federal e estaduais", afirmam, acrescentando que, para a estruturação dos pequenos produtores são necessárias políticas estruturantes que tenham como base ações como a reforma agrária, créditos sem a mediação bancária, políticas de seguro agrícola e garantia de compra e de preços mínimos à aquisição de produtos da agricultura familiar.
Divulgado no primeiro semestre deste ano, um levantamento realizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI), em parceria com a organização internacional Christian Aid, alerta para os baixos investimentos do governo federal nos programas destinados à compra e distribuição de alimentos produzidos na agricultura familiar. Embora os investimentos institucionais para a compra de alimentos por meio do PAA tenham aumentado mais de dez vezes entre os anos de 2003 e 2013, a Organização das Nações Unidas (ONU) avaliou que este número equivale a apenas 0,0004% do PIB do País. Ainda de acordo com o levantamento, a aquisição de alimentos significou apenas 4% dos 4,4 milhões de estabelecimentos da agricultura familiar e, quando esses indicadores são levados às 1.200 comunidades dos quilombolas e dos mais de 200 povos indígenas, eles se tornam praticamente invisíveis.
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