Ministério Público vai buscar responsabilização de quem construiu na APA

A mobilização de moradores e lideranças comunitárias de Guarapari, na região metropolitana do Estado, conseguiu frear o avanço recente de ocupações irregulares dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) de Setiba, no entorno do Parque Estadual Paulo César Vinha. Foram realizadas mais de 100 remoções no espaço, em uma ação conjunta da Prefeitura de Guarapari, do Ministério Público do Estado (MPES) e do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), e o órgão ministerial garantiu que vai buscar a responsabilização de quem ocupou o espaço ilegalmente.
A iniciativa do do MPES foi informada em reunião nessa quinta-feira (18) com Lúcio Lopes, integrante do Conselho Interativo de Segurança e Defesa Social da Região Norte de Guarapari (Consenorte) e do Conselho Gestor do Parque Estadual Paulo César Vinha. O Consenorte, que reúne associações de moradores de bairros como Setiba e Santa Mônica, se preparava para ingressar com uma ação civil pública para cobrar providências de órgãos ambientais e autoridades, diante do que classificam como omissão e lentidão do poder público. Entretanto, recuou, tendo em vista a mobilização do órgão ministerial. “A conversa no Ministério Público foi muito boa. Muitas vezes, somos mal compreendidos pelas pessoas. O invasor acha que pode fazer o que bem entender”, comenta Lúcio.
As remoções no entorno ocorreram após a realização de uma reunião do Conselho Gestor, que contou com ampla mobilização popular. A iniciativa surgiu em meio a denúncias de supressão de vegetação e abertura de terrenos na região do loteamento Recreio de Setiba, área já marcada por um histórico de embargos ambientais e disputas judiciais. Segundo lideranças, cercas, construções de alvenaria e ligações clandestinas de energia foram identificadas no local, em áreas sobrepostas ao parque e à APA.
De acordo com relatos e denúncias protocoladas em órgãos ambientais, a devastação da vegetação nativa e a multiplicação de barracos se intensificaram no último mês de agosto na zona de proteção ambiental. “Nós vemos relatórios, denúncias e até vistorias, mas não há ação de campo que impeça o avanço das invasões. A cada semana surgem novas cercas e construções. Isso precisa de resposta imediata, caso contrário a região vai ser transformada”, relata.
Além da degradação ambiental, ele alerta que ocupação desordenada na entrada de Setiba ameaça o principal cartão-postal da região, e pode trazer uma transformação social negativa. “Se não houver controle, o bairro pode se transformar rapidamente, sem infraestrutura e serviços públicos, e com impactos diretos na segurança”, destaca.
De acordo com o Conselho Norte, a situação é agravada pelo fato de algumas das pessoas envolvidas estarem comercializando lotes de forma ilegal, inclusive com relatos de participação de figuras públicas locais. As denúncias já foram encaminhadas ao Ministério Público e ao Iema.

Décadas de disputas
O terreno com as ocupações corresponde ao chamado Loteamento Recreio de Setiba, localizado ao lado do Parque Estadual Paulo César Vinha. O local foi embargado ainda na década de 1980, após ser alvo de desmatamento para abertura de ruas que comprometeram o ecossistema alagado típico da região. Em 1986, o então Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), equivalente ao atual Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), notificou a empresa Conterra Construções e Terraplanagens para interromper as obras. Apesar disso, a empresa obteve liminar favorável e retomou os trabalhos, que foram novamente barrados após recurso do Ministério Público Federal (MPF) e do IBDF.
Dois anos depois, em 1988, a Conterra e a JJ Empreendimentos e Participações voltaram a abrir clareiras no terreno, o que levou a um novo embargo, desta vez por órgão estadual. O MPF ajuizou uma ação civil pública contra as empresas, exigindo a paralisação definitiva do desmatamento e a recuperação da área.
Em 1990, foi criado o Parque Estadual Paulo César Vinha, com cerca de 1,5 mil hectares de restingas, lagoas, dunas e áreas de Mata Atlântica. A unidade de conservação tem como objetivo proteger os ecossistemas costeiros e suas espécies ameaçadas. Ao redor do parque, a APA de Setiba funciona como zona de amortecimento, ajudando a reduzir os impactos das atividades humanas no entorno.
Após uma longa batalha judicial, em 2000 foi proferida sentença determinando a interrupção do loteamento, a restauração dos danos ambientais e o pagamento de indenização. Apesar de recursos, a decisão transitou em julgado, obrigando os responsáveis a cumprir as medidas. Mesmo com a decisão definitiva, as invasões não cessaram.
Em 2024, o MPF pediu à Justiça Federal que intimasse 28 donos de imóveis construídos irregularmente no Recreio de Setiba para desocupar e recuperar a área. O órgão argumentou que a preservação é essencial, pois trata-se de uma Zona de Proteção Especial Natural (ZPEN) inserida dentro da APA de Setiba, considerada um ecossistema de transição entre o litoral e a Mata Atlântica — ambos sob forte pressão e risco de extinção.
Além disso, o MPF requereu que as empresas responsáveis pelo loteamento pagassem R$ 1 milhão em indenização por danos ambientais. O valor poderia ser revertido em forma de doação do terreno para uso como zona de amortecimento do Parque Estadual Paulo César Vinha, de modo a criar uma barreira natural contra impactos negativos na unidade de conservação. Para o órgão, a recuperação da área é urgente. “A desocupação é necessária para que haja a recuperação do ecossistema, que está em vias de extinção”, apontou em manifestação judicial.
A situação se arrasta há quase 40 anos, mas, segundo os conselheiros, nunca houve uma resposta firme e duradoura do poder público. Para eles, a omissão facilita a ação de grileiros e loteadores clandestinos. Especialistas já apontaram que a ocupação irregular compromete diretamente o equilíbrio ambiental, afetando cursos d’água, fragmentos florestais e espécies da fauna e flora típicas da região.
Para o Conselho Norte, esse histórico reforça a necessidade de ação firme do poder público. “É um problema que se arrasta há décadas e, se não houver uma resposta agora, ficará ainda mais difícil de reverter. Estamos falando de áreas protegidas que têm valor ambiental e turístico para toda a região”, reitera Lúcio Lopes.