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Moradores cobram transparência sobre obras de nova orla em Vila Velha

Ciclovia e calcação previstos para Ponta da Fruta podem aumentar erosão e impactar restinga

Angelita Zanotti

Moradores do bairro Ponta da Fruta, em Vila Velha, cobram transparência e participação pública efetiva na elaboração do plano de requalificação da orla no trecho sul do município, onde está prevista a implantação do calçadão e ciclovia que integrarão o bairro da Praia da Costa à Nova Ponta da Fruta. Apesar de o investimento envolver alteração física de território sensível, contendo restinga, conectividade ecológica e áreas frágeis sujeitas à erosão, a comunidade afirma que não teve acesso ao projeto, nem foi convidada a debater alternativas para o traçado, bem como medidas mitigadoras, parâmetros de proteção ou mesmo o nível de impermeabilização que será adotado.

A moradora e bióloga Angelita Zanotti lembra que participou de espaços de construção da revisão do Plano Diretor Municipal (PDM), em articulação com o Fórum Popular da cidade, que defendeu a necessidade de reconhecer zonas de proteção e de construir diretrizes com base na leitura de realidade territorial. O grupo produziu cartilhas mapeando as cinco regiões do município, identificando áreas ambientais e de interesse econômico, e defendendo processos participativos como premissa.

Ela aponta que o problema está na lógica de fazer primeiro e mostrar depois. “Antes de apresentar proposta de alargamento, de calçadão, de ciclovia, alguém chamou a comunidade? Não. Os moradores não conseguem ver realmente o projeto. A mudança não vamos conseguir frear, mas tem que ser feita junto com a proteção ambiental verdadeira. Não é fingir que está fazendo”, defende.

A preocupação principal é dupla, destaca: impacto e governança. O impacto envolve restinga, fauna, dinâmica costeira e risco de erosão, temas técnicos que exigem estudos de traçado e alternativas locacionais. A governança envolve o direito da comunidade saber o que será feito antes de ser concretado. O plano municipal, segundo a gestão de Arnaldinho Borgo (sem partido), prevê a urbanização e interligação de 32 quilômetros de orla, incluindo drenagem, pavimentação, calçadão, ciclovia e equipamentos públicos.

PMVV

A prefeitura afirma que a obra da nova orla de Ponta da Fruta abrange 6,5 quilômetros entre Nova Ponta da Fruta e Interlagos, com contrato de R$ 28,5 milhões, com recursos do município e do Governo do Estado. Informa, ainda, que a rede tronco de drenagem está mais de 95% executada, que ruas foram pavimentadas, meios-fios instalados, e que já teve início a base para execução de calçadão e ciclovia em trechos como a Avenida Atlântica.

A informação institucional não detalha, entretanto, qual é a solução projetada especificamente para o trecho que passa dentro de áreas onde hoje existe restinga, lagoas e conectividade ecológica, nem indica quando ou como a sociedade civil será convidada a conhecer o desenho definitivo antes da obra consolidar a forma final.

O arquiteto Heliomar Venâncio, também morador, reforça essa lacuna do processo. “Nós não somos contra. Não posso falar pelo bairro, falo por mim. Mas desde que não passe por dentro da restinga. Uma ciclovia é um meio de mobilidade urbana muito inteligente. Interligar Vila Velha inteira é interessante. Mas a população não viu esse projeto e ele tem que ser discutido com a comunidade. Ainda é achismo. O governo municipal falou que vai fazer uma ciclovia, mas não disse como”, pontua.

A preocupação, segundo os moradores, é que se repita o que ocorreu em Jacaranema, onde a impermeabilização avançou sobre a restinga e só depois que estava pronto a população viu o resultado. “Ali eu achei que foram muito ‘peitudos’. Como é que conseguiram fazer aquilo? Cortaram no meio. Foi porque o local era muito escondido. Foram fazendo, fazendo, e quando viram, estava pronto. Aqui não pode ser assim”, alerta.

Para os moradores, o plano de requalificação da orla, se feito sem debate, pode acabar reproduzindo a mesma lógica de “decisão a portas fechadas”, ignorando os instrumentos de planejamento que o próprio município deveria adotar e que a sociedade civil já tentou qualificar no processo do PDM.

Angelita destaca que a região abriga fauna variada e que a restinga funciona como barreira natural, proteção contra erosão e amortecimento de eventos extremos. Ela cita capivaras, teiús, aves de rapina, gaivotas e espécies marinhas que circulam entre lagoas e mar. Outro ponto criticado pela bióloga é a poda da restinga pela prefeitura, prática que considera tecnicamente incorreta. Para ela, retirar vegetação ou impermeabilizar áreas aumenta a vulnerabilidade ambiental. “A restinga é o cabelo da praia. Se tiver mar bravo e a vegetação estiver suprimida, engole tudo. O mar está subindo. Não é achismo, é tendência global”, reforça.

Os moradores argumentam que as decisões urbanísticas, se mal planejadas, podem comprometer a função ecológica que protege o próprio tecido urbano onde vivem. Além disso, lembram que áreas como Morada do Sol já apresentam problemas de alagamento. “Tudo alaga ali, inclusive Barra do Jucu. Então você vai impermeabilizar mais?”, questiona Angelita. “Não era nem para ser asfalto, e sim calçamento”, defende.

Como observa Heliomar, a falta de transparência torna-se parte do impacto, pois sem clareza sobre o desenho do projeto, moradores, técnicos e pesquisadores ficam impedidos de propor ajustes de traçado, soluções verdes, drenagem sustentável, ciclovias que não precisem cortar restinga e, principalmente, encontrar alternativas menos impermeabilizantes.

O arquiteto pondera que a obra tem potencial de gerar benefícios reais, como a mobilidade ativa, integração territorial, lazer público, mas pode, por outro lado, replicar erros já registrados no litoral capixaba, como a erosão acelerada, areia na pista, perda de restinga, conflitos com fauna e compromissos futuros de manutenção caros ao erário. “É muito importante conversar com a comunidade. Nós gostamos muito do isolamento do bairro, apesar de ser bem populoso, é muito tranquilo. Nosso apelo é que ouçam a comunidade”, reitera.

Ao incorporar o debate do PDM, a pauta dos moradores de Ponta da Fruta faz um alerta que vai além do bairro. Eles descrevem que o Espírito Santo tem vivido, nos últimos anos, uma sequência de grandes projetos estruturais à beira-mar defendidos como “modernização”, mas sem pactuação prévia sobre o modelo de desenvolvimento que se quer para a frente costeira. No sul de Vila Velha, onde ainda restam fragmentos importantes de restinga e vazios urbanos não densificados, a pergunta que fazem é: o município vai consolidar o último trecho de orla com base em natureza ou concreto?

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