Movimento cobra solução após Justiça liberar reativação da ETE Mariricu

“Se falarem, de novo, em fazer a céu aberto, nós vamos parar a pista. Uma, duas, três, quatro vezes…toda vez que feder, a gente vai fechar a pista. Imagina uma sexta-feira no horário de pico, das 17h30 às 19h, a entrada de Guriri fechada?”. A afirmação é do morador Patrick Barbosa Alves, que participa do movimento SOS Guriri, formado por moradores de Guriri Sul e Mariricu, em São Mateus, no norte do Estado. As comunidades serão diretamente impactadas pelo projeto de reativação da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Mariricu, no modelo de lagoas abertas que, segundo o grupo, atenderia principalmente o Loteamento Kajuzal, no Bosque da Praia, enquanto a população da ilha ficará com o ônus do mal cheiro, o risco ambiental e a desvalorização.
Elaborado na década de 2000, o projeto original previa nove lagoas, mas apenas três foram construídas. Segundo os moradores, a obra foi abandonada e o entorno foi ocupado, de forma que atualmente existem casas a menos de 150 metros das lagoas. A comunidade critica a eficiência real do sistema, estimada em 40%, e alerta para o risco de emissão de gases tóxicos e contaminação do solo e da água.
Para o grupo, o modelo de lagoas está tecnicamente ultrapassado e é incompatível com o perfil urbano de Guriri, reforça Patrick. Ele acrescenta que a alternativa adequada seria uma estação compacta, coberta e desodorizada, com maior investimento inicial, mas menor impacto ambiental e urbanístico, e alinhada ao Marco do Saneamento. Os moradores cobram que o prefeito Marcus da Cozivip (Podemos) cumpra o compromisso assumido com a comunidade de convocar, nesta semana, uma reunião para ouvir a comunidade, antes de qualquer intervenção no terreno da ETE.
“O que queremos é o que está de melhor no mercado. Não queremos retrocesso”, enfatiza Patrick. “Em 2032, esse modelo vai estar ultrapassado, quando passar a valer o Marco do Saneamento, aí depois vai ter que gastar de novo o dinheiro do contribuinte?”, critica. A pressão se intensificou nas últimas semanas, com a realização de uma reunião na própria comunidade, com a presença dos vereadores Professora Valdirene (PT), Isamara da Farmácia (União) e Cristiano Balanga (PP), que foram até a ilha após receberem uma nota de repúdio protocolada pelos moradores na Câmara Municipal.
No documento, o grupo afirma que reativar o sistema no modelo de lagoas abertas representaria um “grave retrocesso ambiental, social e urbanístico” e colocaria o município “na contramão do desenvolvimento sustentável”, enquanto outras cidades capixabas, como Vila Velha e Cariacica, na Grande Vitória, e Linhares e Barra de São Francisco, no norte e noroeste do Estado, caminham para eliminar definitivamente essa tecnologia.
A implementação do projeto foi autorizada em acórdão da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado (TJES) de agosto deste ano, do qual a comunidade só tomou conhecimento recentemente. O relator, desembargador Robson Luiz Albanez, considerou que se trata de “saneamento básico” e que a ETE Mariricu está em estado de “inoperância por omissão administrativa”, acatando o recurso movido pelo Loteamento Kajuzal, que havia perdido na primeira instância e buscava a reativação da ETE para poder interligar o esgoto do empreendimento.
O desembargador afirma que “o Poder Judiciário pode determinar a implementação de políticas públicas de saneamento básico quando evidenciada a omissão do Executivo e a violação de direitos fundamentais, sem ofensa ao princípio da separação dos poderes”. Para os moradores, o problema não é a ideia de retomar o funcionamento da ETE, mas sim o risco real de que o acórdão seja agora instrumentalizado para reativar o modelo antigo, de lagoas a céu aberto, conhecido popularmente como “penicão”.
“A maioria do povo de Guriri não sabe o que é ‘pinicão’. As pessoas ligam e perguntam, quando mostramos uma foto, ficam de queixo aberto. Pinicão é uma piscina construída que vai encher de água e dejetos, misturados com uma bactéria que vai comer essa matéria orgânica. Mas se tiver cinco, seis dias de chuva, essa bactéria morre. Aí dá espuma, cria lodo e fedor”, alerta. Patrick observa que a preocupação é agravada pela má qualidade dos serviços prestados pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE).

“Eu abro a torneira, a água sai amarela. O abastecimento está precário, às vezes fica até 30 dias sem chegar água para a caixa. Se o SAAE não consegue nem tratar a água, como é que vai dar conta do esgoto? As únicas pessoas que vão se beneficiar são os donos de loteamento, que vão jogar os efluentes direto para cá”, avalia, em referência aos empreendimentos, que segundo o movimento, não querem assumir o custo de construir sua própria estação de tratamento.
O movimento SOS Guriri argumenta que a inviabilidade da ETE Mariricu no modelo de lagoas abertas foi apontada em estudos técnicos anexados pelo Ministério Público do Estado (MPES) no processo. Além disso, indicam que o Rio Mariricu é um dos pontos de maior uso recreativo e esportivo no litoral norte capixaba. Os moradores afirmam que lançar efluente com baixa eficiência de tratamento destruiria um ativo econômico real. “Imagina só, receber 60% de esgoto. A eficiência do ‘pinicão’ é essa. Se estiver funcionando tudo, ele trata 60%. Se não, qualquer avaria, ele só trata 40%”.
Patrick reforça que a mobilização local não descarta novas ações diretas, caso o movimento não seja ouvido pela gestão municipal. “Não aceitamos lagoa a céu aberto. Vamos parar tudo”, reforça. O movimento quer a reunião antes de qualquer obra, além de transparência sobre os projetos que estão na mesa e discussão de alternativas, com participação direta na decisão, conclui a liderança.

