quarta-feira, novembro 5, 2025
30.9 C
Vitória
quarta-feira, novembro 5, 2025
quarta-feira, novembro 5, 2025

Leia Também:

‘Nunca haverá indenização nem reparação justas’

MAB denuncia impunidade e continuidade do crime da Samarco-Vale/BHP após 10 anos

“Nunca haverá indenização justa nem reparação justa, pois nada trará de volta as vidas que se foram. Nós repudiamos o que a Justiça fez em não culpar as empresas pelos crimes contra a vida. A vida humana faz parte do meio ambiente, porque ela vive na natureza, e eles não se responsabilizaram por essas vidas”. A crítica de Varner Santana Moura, coordenadora estadual do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e integrante do Conselho Federal de Participação Social da Bacia do Rio Doce (CFPS Rio Doce), reflete sobre os dez anos que se passaram desde o 5 de novembro de 2015, data do maior crime socioambiental da história do Brasil e um dos maiores do mundo, cometidos pelasmineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton.

MAB

Quando a barragem de Fundão, em Mariana (MG), rompeu, despejando cerca de 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério na bacia do Rio Doce, o que se seguiu foi uma cadeia de danos e injustiças sociais de proporções catastróficas, cujas consequências ainda ecoam desde Minas Gerais até o litoral capixaba, descreve a representante do MAB. A organização lidera atos em Belo Horizonte (MG) e Colatina, no noroeste do Estado, para marcar uma década de impunidade das mineradoras responsáveis e denunciar a continuidade do crime diante da lentidão das ações de reparação, abandono e novas violações no curso da repactuação, que redefiniu os termos da reparação sem a participação das populações afetadas.

Varner alerta que a falta de responsabilização criminal representa um precedente perigoso, que posterga a devida justiça para os atingidos, incluindo 19 vítimas fatais, incluindo um feto no útero materno. “Neste novembro se completa um ano que as empresas foram absolvidas, na primeira instância, o que é algo bem vergonhoso para o judiciário brasileiro”, acrescenta Heider Boza, também na coordenação do MAB sobre a impunidade das empresas no processo criminal.

Ele observa que, após quase nove anos de investigação, executivos, engenheiros e a própria empresa privada responsável pelo licenciamento foram “absolvidas por falta de provas” e a gravidade se aprofunda com a atuação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6). “Esse mesmo tribunal que violou o nosso direito à participação [no novo acordo de repactuação], violou a PNAB [Política de Direitos dos Atingidos por Barragens], ele também agora segue, vamos dizer assim, postergando essa decisão [do processo criminal]”, analisa. Mesmo com os governos assumindo a execução da reparação, após o acordo de repactuação, homologado em novembro de 2023, “na essência, os responsáveis pelo crime seguem inocentados”, completa.

Heider relembra como a atuação da Fundação Renova – criada pelas mineradoras Samarco, Vale e BHP para gerir a reparação – buscou omitir os impactos do crime, por meio da judicialização dos estudos, como forma de postergar ações urgentes. A abrangência do crime, que atingiu dezenas de municípios, ainda não foi totalmente mapeada, com reivindicações surgindo até no sul da Bahia, afirma. “Foi comprovado por estudos que a contaminação chegou no sul da Bahia, inclusive nos corais do arquipélago de Abrolhos”.

Reprodução

Em nota, o MAB denuncia as violações enfrentadas por milhares de atingidos que ainda não tiveram suas vidas restauradas minimamente. “Existem mais de 200 mil pedidos de reconhecimento de atingidos negados ou ignorados, e territórios inteiros seguem fora do acordo de repactuação”, sustenta.

Heider considera que os desafios persistem em diversas frentes. “Há muitos grupos não reconhecidos, em especial no Espírito Santo, como os pescadores de Vitória que, apesar de estarem na área atingida, seguem sem reconhecimento”, pontua. Dentro das áreas já reconhecidas, o problema é a dificuldade de acesso à reparação, muitas vezes devido à “dificuldade de comprovar seus danos ou pela falta de meios de comprovar os seus danos”, avalia.

Para o militante, houve um avanço no Programa de Transferência de Renda (PTR) da agricultura, onde agricultores a até cinco quilômetros da margem do Rio Doce foram reconhecidos. Contudo, essa delimitação é contestada. Ele aponta que o monitoramento chamado de “mancha de inundação”, que alcançou partes de Aracruz e Linhares, no norte do Estado, reconheceu agricultores que excederam os cinco quilômetros. No entanto, a delimitação não corresponde à realidade daquela região, o que gera novas demandas de reconhecimento em torno de áreas como a Lagoa da Aguiar, na divisa entre os municípios.

Relatos de pescadores dessa região indicam que o transbordo do Rio Doce contamina a lagoa, diminuindo drasticamente a pesca, que se tornou a única alternativa de subsistência após a contaminação do rio principal, pontua Heider.

Opressões estruturais, como o racismo e o machismo, também reforçaram as desigualdades enfrentadas pelas populações atingidas, que impediram o acesso às indenizações, analisa Varner. Ela aponta que a burocracia e as datas-limite impostas, como o cadastro até dezembro de 2021, deixaram um grande número de pessoas de fora, principalmente mulheres”. “As mulheres não eram reconhecidas nem como pescadoras, nem como agricultoras, artesãs, enfim, são muitas atingidas que foram retiradas desse processo”, reforça.

Uma conquista parcial, para a militante e representante do Conselho de Participação Social, é a destinação de R$ 1 bilhão para o Fundo das Mulheres, estabelecido no acordo de repactuação. Ela afirma, porém, que o valor é muito baixo diante da quantidade de mulheres excluídas. Por isso, a pauta do Coletivo das Mulheres do MAB é “buscar mais recursos para que o maior número de mulheres sejam atendidas e que não haja mais exclusões”, considera Varner.

Leonardo Sá

A reparação ambiental, tema central do crime, segue em um ritmo lento e frustrante, analisa a liderança. “O rio continua da mesma forma, cada dia pior. Está todo assoreado, contaminado, e a seca que atinge a região é agravada pelo entupimento do leito com rejeitos”, descreve. Na área da saúde, a situação é igualmente preocupante, relata. O MAB pressiona para que os R$ 13 bilhões destinados à saúde sejam utilizados em monitoramentos e exames de sangue específicos para rastrear a taxa de metais pesados e contaminação nas pessoas atingidas.

“Nós estamos ainda no escuro, só sabemos da existência desse recurso e que uma parte já foi destinada para a Fiocruz [Fundação Oswaldo Cruz] e para outros órgãos, mais ainda não sabemos onde exatamente vai ser aplicado, como que está sendo gerido, e como chegará até nós atingidos”, afirma Varner.

As ações do MAB em Colatina e Belo Horizonte também cobram o cumprimento dos compromissos assumidos na Carta Compromisso do Governo Federal de 2023, que prevê 13 pontos cruciais, como ampla participação, escuta e diálogo, e o financiamento de políticas públicas voltadas aos atingidos. No município capixaba, a mobilização toma as ruas com uma caminhada e um ato ecumênico de protesto, que une pessoas afetadas pelo crime, sindicatos, movimentos sociais e coletivos.

O grito dos atingidos, articulado pelo MAB, é por “tempo de avançar nos projetos de reparação”. Heider Boza faz um apelo para que os gestores “avancem nesse processo de reparação, atrasado há 10 anos”, e defende que “a década perdida não pode se tornar duas”. Para Verner, a luta é por dignidade, justiça criminal e políticas públicas que integrem o atingido ao meio ambiente recuperado, “dando um alento para o atingido que sofre há 10 anos sem recursos, gritando e chorando, e ainda não viu a luz no túnel”.

Mais Lidas