Movimento defende ação civil pública para barrar projeto de obras turísticas e urbanísticas

Moradores e ambientalistas em defesa da preservação da unidade de conservação do Morro do Moreno se articulam para provocar instituições de Justiça, em especial o Ministério Público Federal (MPF), na tentativa de barrar as obras turísticas e urbanísticas anunciadas pelas gestões de Renato Casagrande (PSB) e Arnaldinho Borgo (sem partido). Eles denunciam um processo de privatização em curso, marcado pelo cercamento de áreas, controle de acesso e intervenções feitas sem transparência ambiental.
“Tem setor privado interessado em lucrar com o espaço. Essa obra não é só da prefeitura, não foi inventada pelo gestor. Há uma articulação entre o público e o privado. E isso significa privatizar para lucrar”, critica o representante do Fórum Popular de Vila Velha, Nilton Coelho, integrante do movimento Preserve Moreno. “Nosso foco é impedir dano ambiental e manter o espaço acessível”, ressalta.
As intervenções anunciadas incluem pavimentação, instalação de mirantes, cafeterias, banheiros e degraus de concreto – itens classificados pelo movimento como de alto impacto ambiental e incompatíveis com o regime de proteção integral previsto na legislação do Monumento Natural (Lei Municipal nº 399/2006), que é a classificação do Morro do Moreno.
Outro ponto criticado é o uso de Licenciamento Simplificado para autorizar intervenções consideradas de grande porte. Segundo o analista ambiental Raphael França, também integrante do Preserve Moreno, esse tipo de licenciamento é destinado, em regra, a atividades de baixo impacto. Ele integra uma equipe de juristas, biólogos, engenheiros e ativistas que produz boletins quase diários, distribuídos nas redes sociais, com análises de documentos oficiais, como planos de manejo, laudos ambientais, imagens de satélite e modalidades de licenciamento, e suas implicações sobre a área.
O grupo tem como principal objetivo buscar providências no MPF, responsável por investigar irregularidades e danos a unidades de conservação de proteção integral, para requerer uma ação civil pública. “Neste momento, o destino do Morro do Moreno está nas mãos do MPF. Se o órgão, após a devida investigação, aceitar essa atrocidade com o Monumento Natural, entendemos que nada mais poderá parar essa obra”, afirma Raphael.
Ele reforça que o formato das intervenções é incompatível com o uso permitido em Monumentos Naturais, categoria em que só são autorizadas atividades de uso indireto, como trilhas e contemplação, de acordo com a Lei 9.985/2000 (SNUC), que impede urbanização e prevê proteção integral de ecossistemas relevantes. Além disso, destaca a ausência de documentos essenciais, como Laudo Geotécnico,Laudo de Ruído, projeto de drenagem e plano de esgotamento sanitário.
O boletim mais recente publicado pelo grupo aponta que o projeto envolve “extensa supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente (APP), terraplanagem de grande volume em encostas íngremes e alteração profunda da paisagem e ecossistema”, qualificando-o como “inequivocamente, um empreendimento de alto impacto ambiental”. Nessas situações, aponta que a legislação exige um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o respectivo Relatório de Impacto Ambiental (Rima), processos que incluem audiências públicas e análises técnicas detalhadas.
Há também preocupação com a instabilidade de encostas, agravada pela terraplanagem, o que pode colocar moradores e visitantes em risco, configurando potencial violação ao Art. 54 da Lei 9.605/98, que trata de crime por poluição ambiental. Além da falta de consulta pública compatível com a magnitude da obra, contrariando o SNUC, o grupo considera que o letreiro estilo “Hollywood” previsto pelo projeto descaracterizaria a paisagem natural, violando princípios do direito urbanístico.
No mês passado, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) acolheu recurso da prefeitura contra ação movida pelos herdeiros da família Aguiar, proprietários de área de quase 252 mil m² na região, e autorizou a continuidade das obras. A relatora, desembargadora Eliana Junqueira Munhós Ferreira, sustentou que impedir as intervenções violaria o “interesse público primário” e apontou incompatibilidade lógica entre o pedido de indenização por “desapropriação indireta” e a tentativa de barrar as obras.
O movimento lembra que essa decisão não avaliou o mérito ambiental, e a própria relatora reconhece que os proprietários não utilizavam a área por ser “local de preservação ambiental”. “O problema não é posse, é legalidade ambiental”, reforça Raphael, que avalia que ainda há espaço para novas ações.
O Diário Oficial de Vila Velha publicou, recentemente, quatro decretos assinados pelo prefeito declarando utilidade pública, para fins de desapropriação, de lotes pertencentes à família Aguiar. Os terrenos, entre 300 m² e 315 m², seriam destinados à “construção de estruturas de apoio ao visitante” e à implantação da sede e do portal do Monumento Natural Morro do Moreno (Mona). Em todos os decretos, o prefeito autoriza a Procuradoria Geral a ingressar com ações judiciais e a pedir imissão provisória na posse caso não haja acordo amigável.
A decisão do TJES favorável à prefeitura ocorreu após duas derrotas da gestão de Arnaldinho na primeira instância. Na mesma semana, o juiz Marcos Antônio Barbosa de Souza, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Vila Velha, havia mantido o embargo às obras após pedido de reconsideração do município. Ele modulou a liminar para permitir apenas ações “estritamente necessárias à segurança” e a realização de estudos técnicos, proibindo todas as demais obras previstas no contrato ligado ao projeto turístico, por configurarem “ocupação material indevida antes da regular desapropriação”.
O projeto turístico e urbanístico, estimado em R$ 10 milhões, prevê pavimentação de cerca de 730 metros da via principal de acesso ao topo, construção de portaria, sanitários, sala administrativa, depósito, estacionamento e espaço de educação ambiental. O plano inclui ainda sete mirantes com vistas panorâmicas para a Baía de Vitória, o Convento da Penha e a orla de Vila Velha.
O conjunto de edificações contempla um receptivo na Rua Xavantes, com sala administrativa para a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, setor para operação de um futuro sistema funicular, sala de enfermaria, área de estar, bilheteria, sanitários acessíveis, copa de apoio e iluminação pública em LED. No topo, será construída uma cafeteria e área de apoio coberta. Prefeitura e governo do Estado afirmam que as trilhas atuais não serão alteradas.

