‘O monitoramento do desastre exige mais do que um contrato comercial de trabalho’
"O monitoramento do desastre exige mais do que um contrato comercial de trabalho. Essa rescisão leva uma insegurança ao poder público e à sociedade, isso precisa ser discutido".
O posicionamento, do professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e membro da coordenação-geral da Rede Rio Doce Mar (RRDM), Alex Bastos, repercute o anúncio feito pela Fundação Renova no último dia 30 de setembro, de querer rescindir o contrato estabelecido em 2018 com a RRDM para executar o Programa de Monitoramento da Biodiversidade Aquática (PMBA), no âmbito das ações de reparação e compensação dos danos advindos do crime da Samarco/Vale-BHP contra o Rio Doce em novembro de 2015."O rompimento da Barragem de Fundão disparou um alarme mundial na indústria da mineração e na questão do tratamento do rejeito. Não dá pra seguir uma receita de bolo de outros desastres. É preciso uma forma de abordar o problema, de entendimento e de busca solução totalmente novas", explana.
A decisão de rescindir foi tomada unilateralmente pela Fundação Renova e anunciado repentinamente ao Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) e algumas instituições envolvidas no acompanhamento do contrato e na governança das ações de reparação e compensação, cuja instância soberana é o Comitê Interfederativo (CIF) e suas Câmaras Técnicas.
Na ocasião, analistas ambientais do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), membros da CTBio, chamaram atenção para a necessidade de respostas técnicas por parte da Renova, focadas na complexidade do programa em questão, e não apenas em justificativas jurídicas para uma mera quebra de contato, com a Fundação tentou argumentar durante a discussão.
Foi chamada atenção também para a estranha coincidência de datas, em que a decisão foi anunciada logo após a publicação, pela CTBio, da Nota Técnica nº 15, onde os analistas aprovaram o primeiro relatório anual da RRDM, que apontou os nexos causais entre alguns dos problemas ambientais estudados e o crime de 2015.
"Foram estabelecidos vários critérios pra verificar o nexo causal com confiança. Utilizamos dados que nossos laboratórios já tinham antes do desastre. Também coletamos material da própria barragem e, quando a lama estava se aproximando da Foz, levamos equipe e coletamos material dez dias antes, cinco dias antes, no dia que chegou, alguns dias depois ...", relata.
Os primeiros nexos causais, conta, já estão sendo comprovados. "Não ainda em tudo o que a gente avaliou, mas em alguns aspectos específicos, já foi possível sim comprovar. E a CTBio reconheceu isso", narra Alex Bastos, citando as elevações dos níveis de ferro, cádmio e cromo.
"Obrigação moral"
Em paralelo, as coordenações da RRDM – que envolve 28 universidades e outras instituições de pesquisa públicas de diversos estados e 500 profissionais – estão às voltas com a intimação dada pela Renova para que seja apresentado um calendário para a entrega do banco de dados e finalização do segundo relatório anual de atividades, cujo prazo original seria o final deste ano, além de pensar em possibilidades de continuidade do trabalho caso a rescisão seja concretizada.
"Estamos na expectativa do que a CTBio e o CIF irão decidir", diz Alex Bastos. "A gente se sentiu na obrigação moral de iniciar o monitoramento ambiental ainda em 2015, bem antes do acordo de cooperação. O próprio reitor [Reinaldo Centoducatte, à época] colocou os órgãos da Ufes à disposição pro Iema e vários grupos se mobilizaram pra entender o que estava acontecendo no Rio Doce. E mesmo que o contrato seja rescindido, nos sentimos na obrigação de continuar o trabalho, dada sua importância pra sociedade. É um movimento natural de quem trabalha com meio ambiente e é servidor público", descreve.
Uma visão pública e de escuta e diálogo transparente com as comunidades atingidas, enfatiza o coordenador, é o grande diferencial do acordo de cooperação em curso: "realmente abranger vários aspectos do desastre e não só a qualidade técnica".
"Desde o início, a gente sempre conversa com a comunidade, e a Nota Técnica diz isso, fala da qualidade do trabalho, reconhece que tem coisas pra melhorar, mas mostra que o mais importante é o contexto de se trabalhar num acordo de cooperação, que dá credibilidade e independência e garante esse espaço pra dialogar melhor com os diferentes atores e a sociedade", pondera.
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