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Sem licença, obra é embargada em Jacaraípe após denúncias de moradores

Comunidade acionou Ministério Público por impactos em área de desova de tartarugas

Felipe Lacerda

A Prefeitura da Serra embargou as obras de contenção iniciadas pelo Governo do Estado na Curva da Baleia, em Jacaraípe, após notificações sobre a ausência de licenciamento ambiental. Os serviços, que começaram há uma semana, foram paralisados depois de uma ação conjunta entre a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma) e o Ministério Público Estadual (MPES), que cobrou providências diante das denúncias de irregularidades na intervenção.

Moradores de Jacaraípe já tinham acionado o órgão ministerial e vinham pedindo a suspensão imediata da obra do Departamento de Edificações e de Rodovias do Espírito Santo (DER-ES), que instalava grandes blocos de concreto semelhantes a peças de Lego em um trecho reconhecido historicamente como área de desova de tartarugas marinhas.

O grupo é formado por representantes da comunidade, integrantes do Instituto de Pesquisa e Reabilitação de Animais Marinhos (Ipram), geólogos e outros profissionais que acompanham impactos costeiros, além de nativos da região. Entre eles Felipe Lacerda, surfista profissional e piloto de jet ski, que nasceu na Curva da Baleia, onde sua família vive há décadas. “Passei toda minha infância aqui. Aprendi a pescar e surfar nesse pedaço de paraíso. Temos bancadas de coral com ondas perfeitas, uma vida marinha rica, pools naturais com a maré seca, peixes, tartarugas, lagostas, corais lindos. É uma praia tranquila, rasa, perfeita para famílias. Nunca tivemos problema com o mar invadindo a pista”, afirma.

Segundo ele, a justificativa oficial de contenção marítima, portanto, não se sustenta. “Aqui não tem erosão que justifique esse tipo de intervenção. Há mais de cinquenta anos a água não invade a pista. As ondas quebram lá fora, nos bancos de coral”, reforça.

As denúncias começaram quando ele e outros moradores registraram máquinas pesadas operando sobre áreas de restinga e pontos onde há ninhos recém-identificados. “Quando vi eles arrancando toda restinga onde havia desovas, isso me deixou ainda mais indignado. É crime ambiental federal”, acrescenta.

Área de desova de tartarugas demarcada no local das obras: Redes Sociais

Ele critica o modelo construtivo adotado pelo DER-ES, considerado por moradores e especialistas como uma solução antiambiental. “É inaceitável, pessoas se importam mais com blocos de concreto e dinheiro do que com uma solução totalmente sustentável”. Para Felipe, alternativas naturais seriam mais eficazes para recuperar o trecho da praia, como remoção de espécies exóticas e recomposição da restinga nativa, mas esses estudos não foram apresentados e “não dialogaram com ninguém”.

O surfista também registrou flagrantes da remoção e quebra de estruturas naturais da orla. “Quem ver os vídeos de hoje vai ficar de queixo caído com o tanto de coral que eles retiraram e quebraram ali. É de doer o coração”, lamentou. “Embargar é o primeiro passo. A partir daí, a gente pensa nos próximos. O que queremos é que retirem todos os blocos instalados e iniciem um processo de reflorestamento com vegetação nativa. Essa é a solução adequada”, aponta.

Há também referências a casos semelhantes registrados em Maceió, Alagoas, e na Praia da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, que estão sendo comparados à intervenção atual. Felipe considera que a obra representa não só um dano ambiental urgente, mas um risco de transformação irreversível da orla capixaba. “Isso é urbanização desenfreada do litoral. Daqui a pouco não tem restinga, não tem vegetação, só concreto e resorts, igual aconteceu em partes do México. Estão passando por cima de ecossistemas para correr com obra”, ressalta.

As obras na Serra foram anunciadas pelo governo Renato Casagrande (PSB) no final de 2024 e envolvem a Curva da Baleia e a Enseada de Jacaraípe. Os investimentos são de R$ 18 milhões, e o projeto de contenção marítima tem como referência, como informa o DER-ES, uma técnica holandesa de utilização de blocos de concreto.

Redes sociais

A Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Serra (Semma) afirmou, em nota, que o DER-ES “não apresentou qualquer solicitação de licença ou estudo ambiental para a execução da obra” na Curva da Baleia, o que impediu o início da análise técnica. A pasta informou que, após ser notificada pelo Ministério Público Estadual (MPES), determinou o embargo da intervenção, reforçando que “qualquer obra no litoral precisa cumprir todas as exigências legais para garantir a segurança ambiental”.

O MPES, também por nota, confirmou ter recebido denúncias sobre a intervenção e destacou que a área reúne formações coralinas e é tradicionalmente reconhecida como ponto de desova de tartarugas já protegida desde uma ação civil pública de 2016. O órgão explicou que o caso foi encaminhado ao Ministério Público Federal (MPF) porque “trata-se de possível dano ambiental em área de competência federal, cabendo ao MPF a adoção das medidas necessárias”.

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