Sexta, 03 Mai 2024

Para comunidade pesqueira, Nutripetro é o projeto mais nocivo à Barra do Riacho

Para comunidade pesqueira, Nutripetro é o projeto mais nocivo à Barra do Riacho

Uma das áreas pesqueiras mais ricas, sobretudo por sua abundância dos peixes conhecidos como Pescadinhas, no município de Aracruz, no norte do Estado, será devastada pelo Terminal Multimodal Capixaba (TMC), empreendimento logístico do grupo paulista Ambitec, que compõe o cenário ameaçador para a região. O governo o Estado cogita a implantação de cerca de 20 terminais portuários ao longo da costa capixaba. A maioria deles, longe dos centros urbanos, usurpa áreas de populações tradicionais, sobretudo dos pescadores; áreas de proteção ambiental e de relevância paisagística.



O TMC, mais conhecido como porto da Nutripetro, empresa da Ambitec, tem planejado um calado de 14 metros de extensão e um ramal ferroviário, sendo que a rodovia ES 010 corta a área. Granéis, granito, cargas gerais e operações offshore de apoio a plataformas de petróleo estão entre as atividades que devem ser desenvolvidas pelo terminal. O porto ainda não possui nenhuma das licenças requeridas pelos órgãos ambientais para o início das obras, mas a área onde ele supostamente será instalado já foi limpa.



A ocupação territorial preocupa os pescadores locais, que já anunciam que são contra o projeto. No ano passado, um abaixo-assinado foi enviado aos Ministérios Públicos Federal e Estadual, além de Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) e às autoridades competentes. O documento pede a anulação da audiência pública anterior que, segundo o presidente da Associação de Pescadores da Barra do Riacho e Barra do Sahy, Vicente Buteri, foi realizada em um local distante e de difícil acesso para os pescadores e a comunidade em geral. Os pescadores requerem que seja realizada uma nova audiência destinada às comunidades da Barra do Riacho, local que será diretamente impactado pela instalação do porto.



“Só a ponte que será construída vai acabar com o manguezal, com a área onde hoje há a prática do surf e com uma pequena reserva de árvores”, retrata Vicente, que também afirma que o Plano Diretor Municipal (PDM) do município não permite uma instalação do tipo, e de tal tamanho, no local. Com convicção, o pescador afirma que o porto da Nutripetro é “o pior projeto da Barra do Riacho”. Será invadida uma área pesqueira de extrema riqueza que, como ele mesmo retrata, entre os meses de setembro e janeiro “tira o pescador da miséria”, devido à abundância de animais marinhos. “Se esse projeto entrar, queremos uma indenização à altura dos danos. Disso não abrimos mão. Chega de projetos que não valem a pena!”, protesto o pescador.



Cerca de 400 pessoas, entre pescadores, mantenedores de uma atividade tradicional, e seus familiares, serão banidos do local, além de terem seu sossego perturbado, como aponta Vicente, pelo grande tráfego de veículos automotores na região, o que não acontece atualmente. Vale lembrar que os povos e comunidades tradicionais são protegidos pelo Decreto Federal nº 6040, de 7 de fevereiro de 2007. Sobretudo no inciso I de seu Artigo 3º, que estabelece que entre seus objetivos  específicos está “garantir aos povos e comunidades tradicionais seus territórios, e o acesso aos recursos naturais que tradicionalmente utilizam para sua reprodução física, cultural e econômica”; e no inciso IV, que também traça como um objetivo específico da legislação “garantir os direitos dos povos e das comunidades tradicionais afetados direta ou indiretamente por projetos, obras e empreendimentos”.



O discurso de desenvolvimento de fachada é habitual nas empresas que já se instalaram no Estado prometendo  empregos e progresso, mas gerando concentração de renda, crescimento desordenado da malha urbana e degradação ambiental. Para os pescadores, os empregos que serão gerados no processo de instalação dos portos no norte do Estado não compensam os danos ambientais, já que não oferecem empregos que possam abrigar os moradores das comunidades do entorno nas etapas do projeto posteriores às instalações primárias.



Os mesmos pescadores, aliás, já foram anteriormente prejudicados pela instalação de outro empreendimento portuário na região, o Estaleiro Jurong. Desde janeiro de 2012, quando o empreendimento se instalou na localidade, os pescadores são impedidos de realizar suas atividades. As famílias da região perderam toda a sua área de pesca com a instalação do estaleiro. A área, que antes tinha uma rica biodiversidade e ampla disponibilidade de lagostas, camarões e diversos outros animais marinhos, hoje se encontra completamente devastada. A exclusão de área pesqueira e a instalação de estruturas do empreendimento sem qualquer compensação/indenização prestada aos pescadores são apenas alguns fatores que afetam diretamente as comunidades locais. Até mesmo a navegação no entorno foi impedida com a instalação do quebra-mar.

 

O Estaleiro Jurong de Aracruz (EJA) é um empreendimento da Jurong do Brasil, empresa que recebeu apoio dos órgãos públicos para garantir sua participação no processo de licitação de empresas construtoras de sondas e navios de perfuração para a Petrobras.

Tartarugas ameaçadas

Não somente a comunidade de pescadores está ameaçada, mas também um trabalho de mais de 30 anos realizado pela base do Projeto Tamar, em Regência, no município de Linhares, na mesma região, pode ser prejudicado.

 

A área de desova, que ocupa 150 quilômetros de planície costeira, localizada entre as regiões de Regência, em Linhares, e Itaúnas, em Conceição da Barra, é a única área de desova regular das tartarugas-gigantes, ou tartarugas-de-couro, em todo o litoral brasileiro. Nas duas últimas temporadas de desova, o Projeto Tamar registrou flagrante de 29 e 30 tartarugas, respectivamente, que usaram o local para se reproduzir. Antes, a expectativa anual era de apenas entre 4 e 12 indivíduos. Além disso, cerca de 240 filhotes de tartaruga-gigante já foram devolvidos ao mar nesta temporada. O número anual de ninhos na região também aumentou. Joca Thomé, coordenador Nacional do Projeto Tamar, dá certeza de que esses bons indicativos são resultados do trabalho de proteção realizado pelo Tamar há mais de 30 anos na região.

 

Joca também aponta que, se os portos que estão projetados para a região realmente forem instalados, vão prejudicar a desova e, consequentemente, a manutenção da espécie, além de gerar a exclusão de outros animais, como as baleias e os pequenos peixes e outros animais apreciados na culinária que, atualmente, são fonte de sustento de pescadores da região. Alterando o habitat natural e prejudicando a locomoção das tartarugas até a área, a construção desses megaempreendimentos podem pôr fim ao longo trabalho do projeto, que apenas começou a dar bons resultados. A ocupação desordenada do litoral traz malefícios às populações de tartarugas como o aumento do tráfego marinho, a mudança na dinâmica das praias e a iluminação artificial. O Projeto Tamar considera que os fundeios construídos nos portos geram extensas áreas de exclusão de pesca, limitando mais ainda os pescadores a poucas áreas, próximos aos estuários e reservas.

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Sábado, 04 Mai 2024

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