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Parklog reacende conflitos com pescadores e comunidades locais

Plano estratégico ignora moradores, que alertam para riscos sociais e ambientais

O governo Renato Casagrande (PSB) divulgou o Plano Estratégico Parklog BR/ES como o maior investimento em infraestrutura da história do Estado, com previsão de R$ 12,3 bilhões em aportes públicos e privados, para consolidar o Espírito Santo como referência no setor portuário, logístico e industrial. Mas, enquanto o discurso oficial promete modernização, empregos e integração regional, as comunidades denunciam que o projeto repete um histórico de falta de diálogo e “desenvolvimento desordenado”, que ignora os impactos sociais e ambientais, deixando às margens justamente os que vivem e preservam os territórios.

O programa envolve 10 municípios no norte e noroeste capixaba – Aracruz, Serra, Linhares, Colatina, João Neiva, Ibiraçu, Fundão, Jaguaré, Marilândia e Sooretama – e se apoia em uma “Aliança Cooperativa” entre setores portuários, logísticos, industriais e governamentais.

Para Manoel Bueno dos Santos, o Nego da Pesca, coordenador do Movimento de Pescadores e Pescadoras (MPP), o Parklog é uma continuação da degradação já causada por empreendimentos anteriores. “Barra do Riacho [Aracruz] já está bastante impactada pela Suzano [ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria] e Jurong. Com esses outros empreendimentos, cada dia que passa aumenta ainda mais a destruição”, ressalta.

Arquivo pessoal

O plano reforça a centralidade de Aracruz como “cidade-âncora” do projeto. No município, além do complexo já formado pelo Portocel e Nutripetro, está em construção o Porto Imetame, que será preparado para receber navios de grande calado, com a primeira atracação prevista ainda para este ano. A presença, desde 2023, de uma Zona de Processamento de Exportação (ZPE) privada, que atende a interesses do empresariado, complementa esse cenário. A medida oferece incentivos fiscais para atrair indústrias de exportação, por 20 anos.

No evento de lançamento do Parklog, no Palácio Anchieta, o prefeito de Aracruz, Dr. Coutinho (PP), assinou o decreto que inicia a revisão do Plano Diretor Municipal (PDM), alinhando o ordenamento urbano da cidade às diretrizes do projeto. Embora a última revisão ampla do PDM tenha ocorrido em 2020, apenas cinco anos depois o documento volta a ser alterado, desta vez para adequar a legislação de parcelamento do solo e uso do território à expansão industrial e portuária. 

Herval Nogueira, morador de Barra do Riacho e integrante da Campanha Nem um Porto a Mais, avalia que essa ação reforça a subordinação do planejamento urbano aos interesses privados. “A soberania popular está sendo substituída pelos interesses corporativos”, declara. Ele reforça que as comunidades não têm voz nos processos. A história da expansão industrial em Aracruz, que inclui a mudança de poligonais para favorecer a então Aracruz Celulose e a concessão de licenças ambientais à Imetame sem os devidos estudos completos, revela um padrão de práticas que prejudicam as comunidades locais. 

Acervo Pessoal

A trajetória do porto da Imetame é marcada, entre os muitos desmandos, pela cessão, em 2016, de R$ 70 milhões de financiamento, por meio do Fundo do Desenvolvimento e Participações do Estado (Fundepar-ES), que é operado pelo Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes). A instalação do porto da Imetame na margem direita do Rio Riacho, voltado para atender a Petrobras, e do porto da Nutripetro na margem esquerda, destinado às plataformas de petróleo, tem agravado a perda dos espaços de pesca e lazer da comunidade. Além disso, o licenciamento ambiental da primeira fase do porto da Imetame foi envolto em polêmicas, especialmente após a autorização, em 2014, para o desmatamento de 11 mil hectares de restinga, decisão tomada pelo Conselho Regional de Meio Ambiente (Conrema).

Herval relembra que, em 2018, a comunidade se posicionou contra a expansão do terminal em uma audiência pública, mas que essa participação não surtiu efeito, pois as decisões já estavam praticamente definidas antes da conclusão das análises técnicas. Segundo ele, nem mesmo as normas que beneficiariam a população eram respeitadas, enquanto o governo estadual, a empresa envolvida e autoridades locais já comemoravam o progresso do projeto, deixando a comunidade sem acesso a informações técnicas completas sobre os possíveis impactos.

Nego da Pesca também destaca a ausência de diálogo com as comunidades, que dependem diretamente do meio ambiente para sua subsistência e não são consultadas antes que as licenças ambientais sejam liberadas. “O governo esquece que existimos”, desabafa, ressaltando que o contato com as empresas só ocorre após a aprovação dos projetos, quando já é tarde demais para influenciar as decisões.

O programa estruturante é organizado em oito diretrizes estratégicas, seis pilares e 30 ações prioritárias. Entre elas, estão a revisão do PDM de Aracruz, a elaboração de planos diretores em João Neiva e Ibiraçu, a compatibilização da criação da nova Área de Proteção Ambiental (APA) do Rio Doce com a expansão do Parklog, e a implementação de um terminal urbano e rodoviário de integração.

Para isso, prevê construção e operação de novas conexões entre o Parklog e a região produtora de grãos do cerrado e do noroeste de Minas Gerais para ampliar o corredor ferroviário que integra as áreas produtoras à Ferrovia Vitória a Minas e, por meio dela, aos portos do Estado. A estimativa é que a capacidade de transporte ferroviário ultrapasse 25 milhões de toneladas anuais.

Outro ponto do Parklog é a criação de portos secos em Colatina e Fundão,prevista para ampliar a capacidade de armazenagem e reduzir gargalos logísticos nos terminais principais, funcionando como entrepostos intermodais para cargas agrícolas, minerais e industriais. Já em Linhares, a ampliação das operações do aeroporto integra o plano de consolidar a região como polo de escoamento de produtos. O plano de ação inclui ainda o fortalecimento dos aeródromos de Aracruz e Colatina para ampliar as possibilidades de transporte de cargas e passageiros.

Nego da Pesca aponta que o projeto promove, ainda, riscos físicos, devido ao perigo diário do aumento do tráfego marítimo, que já é intenso e se tornará “imenso” com a expansão. Ele relembra um grave incidente recente, onde a colisão de um navio com uma embarcação de pesca resultou na morte de um pescador. A ameaça constante força os pescadores a adotar uma rotina de vigilância noturna para monitorar o fluxo de navios, sacrificando seu descanso e segurança.

A situação se agrava com a falta de planejamento, que provoca um ciclo de exclusão social, pontua Herval. “Quando você acelera um processo desse, onde fica a segurança dos pescadores artesanais? E essas famílias, que se sustentam pelos peixes, como é que ficam?”, questiona. Ele aponta a fragilidade da infraestrutura pública – como a saúde, já deficiente – e o aumento da violência como consequências diretas desse modelo de desenvolvimento que, segundo ele, só beneficia as grandes empresas e expulsa as populações locais de seus territórios. Para Nego da Pesca, o cenário vivido pelas comunidades é de destruição da “pequena costa capixaba”.

PMA

Estado atual

O Plano Estratégico Parklog BR/ES conta com um conjunto de frentes de obra e serviços logísticos em execução. No eixo portuário-rodoviário, o Porto Imetame avança como um dos investimentos privados listado entre os projetos “em andamento”, ao lado da Rodovia ES-115 e dos contornos viários de Aracruz, que compõem o pacote imediato de acessibilidade e escoamento. Esse binômio porto-acesso é reforçado pela malha que conecta Portocel e Barra do Riacho aos corredores federais e estaduais, formando o núcleo físico do cluster descrito no inventário de infraestrutura.

No sistema viário, além das obras em curso na ES-115 e nos contornos de Aracruz, o plano acompanha intervenções prioritárias na BR-101 e na ES-442, articulando ainda melhorias de acesso nos alimentadores BR-259, ES-010 e ES-445, incluindo a ligação entre a ES-115 e a ES-124. Na ferrovia, a ampliação da capacidade do Ramal de Piraqueaçu figura como ação prioritária, ao lado do adensamento da malha na hinterlândia do Parklog.

Essa etapa conecta com mais eficiência as cargas da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) ao sistema portuário capixaba e dialoga com a expansão do corredor de exportação de grãos do Cerrado e do Noroeste de Minas. A variante projetada promete elevar a velocidade operacional dos atuais 12–16 km/h para mais de 45 km/h, reduzir o consumo de combustível em mais de 30%, e ampliar a capacidade de transporte de 10 milhões para acima de 25 milhões de toneladas anuais – ganhos que, de acordo com o governo, se refletirão em competitividade, emissões e confiabilidade de janela nos portos.

O plano prevê ainda a ampliação das operações no Aeroporto de Linhares, com estímulo ao uso dos aeródromos de Aracruz e Colatina, alinhando a malha aérea ao papel do Parklog como plataforma multimodal e de serviços de alto valor agregado. Ainda estão em implantação estruturas de apoio, como instalações para chegada de veículos de carga e serviços de uso comum voltados a apoio portuário, inovação e atendimento ao usuário. Em paralelo, o Parklog organiza a implantação de um Terminal Urbano-Rodoviário de integração, além de uma “circular interportos” — preferencialmente com ônibus elétricos — para conectar áreas primárias e polos de serviços.

A gestão do Plano de Ação foi iniciada em agosto de 2025, com 30 ações prioritárias distribuídas em diretrizes e pilares. Uma matriz de responsabilidades reparte tarefas entre Estado, prefeituras, portos e União. O status consolidado aponta 11 ações em andamento, 16 a iniciar, e três em fase de conclusão. Essas frentes incluem desde grandes obras de infraestrutura, como os contornos viários de Aracruz, a duplicação da ES-115 e o novo viaduto de acesso ao Portocel, até medidas que mexem diretamente no ordenamento urbano e ambiental, a exemplo da revisão de planos diretores municipais e da tentativa de compatibilizar a criação da APA do Rio Doce com a expansão do complexo portuário.

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