ProPesca lançado pelo governo do Estado é criticado como “insuficiente” e “sem diálogo”
Lideranças do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) se reuniram com representantes da Secretaria Estadual de Agricultura e Pesca (SEAG) e da Secretaria de Estado para Assuntos de Reparação (SERD), na última sexta-feira (27), para discutir o andamento das políticas públicas voltadas à reparação dos danos causados pelo crime socioambiental da Samarco/Vale-BHP, que atingiu a bacia do Rio Doce e o litoral capixaba.
Foi a segunda rodada de diálogo entre o governo e comunidades pesqueiras atingidas. A principal crítica das lideranças é que o programa ProPesca – lançado como parte do acordo de repactuação – não contempla de forma adequada a realidade das comunidades e foi formulado sem participação efetiva dos pescadores impactados.
Segundo Marcus Thadeu Barbosa, o Zeca, da coordenação nacional do MAB no Espírito Santo, o movimento se comprometeu a apresentar um planejamento estruturado, com base no ProPesca, mas cobrando a inclusão direta dos atingidos no processo decisório, principal reivindicação ao lado das demandas por mais infraestrutura e fomento para os pescadores. “O ProPesca, na nossa visão, é insuficiente. Ele não dá conta da reparação da pesca e também não teve participação popular real na sua criação. Teve consulta, mas isso não é participação”, afirmou.

Zeca pontua que, da forma como está, o ProPesca se concentra em ações como monitoramento e fiscalização, enquanto os principais desafios da pesca artesanal estão na falta de infraestrutura, preço abusivo do diesel, atravessadores que controlam os valores pagos pelos pescados, e ausência de investimentos em estaleiros, áreas de beneficiamento e abastecimento de água. “A gente quer alavancar a pesca artesanal como profissão digna, que dê retorno ao pescador. Hoje, sem estrutura, muitos saem para o mar sem condições básicas”, relatou.
O dirigente estadual do MAB, Rômulo Araújo, complementa que as propostas do programa foram feitas com base em demandas levantadas nas comunidades, mas os objetivos traçados acabam distantes do contexto real dos pescadores. “Quando falam em fiscalização, por exemplo, não é para a pesca artesanal. Quem precisa ser fiscalizado são os grandes barcos e empresas”, aponta.
Rômulo também chamou atenção para a priorização de instituições acadêmicas e órgãos ambientais na formulação do programa, em detrimento das próprias comunidades: “Parece mais voltado à produção acadêmica do que à reparação de fato. A universidade foi ouvida, mas o social e a educação ambiental crítica ficaram de fora”, observou.
As lideranças reforçam que a maioria das medidas previstas é direcionada à pesquisa científica, e não à reconstrução da cadeia produtiva da pesca artesanal. “O que precisamos é garantir a continuidade da pesca, a tradicionalidade, o modo de vida, a cultura, a renovação da frota, financiamento a estaleiros, fábrica de gelo, saúde e educação nas comunidades”, enumerou Rômulo.
Uma nova reunião entre governo e o MAB foi agendada para ocorrer em até quinze dias. Nesse período, o MAB pretende visitar comunidades atingidas para consolidar propostas e um planejamento construído de forma coletiva. “Vamos apresentar algo concreto, mas queremos saber também o que o governo de fato pode assumir. Não queremos que esse diálogo vire uma série de reuniões vazias”, ressaltou.
O tema começou a ser debatido entre o movimento e as secretarias no último mês de maio, quando os atingidos também discutiram com o governo estadual os impactos do rompimento da barragem sobre a agricultura familiar capixaba. As demandas referentes à agricultura serão debatidas em uma nova reunião, marcada para a próxima sexta-feira (5), como parte do processo de construção coletiva de propostas para a reparação dos danos socioeconômicos causados pelo crime.
Na ocasião, as lideranças já denunciaram que os pescadores seguem sem acesso à reparação justa, e que o programa ProPesca, elaborado sem a escuta adequada das comunidades, não responde às necessidades urgentes do setor. O MAB também alertou para a ausência de investimentos em infraestrutura básica para manutenção da atividade pesqueira tradicional. A exclusão dos atingidos da construção das políticas de reparação também foi apontada como um dos principais entraves para que o acordo de repactuação represente, de fato, justiça socioambiental.
“Estamos conseguindo trabalhar com a Searg e a Serd. Agora, é seguir acompanhando de perto a implementação do ProPesca e garantir que ele seja redesenhado com base na realidade das comunidades atingidas”, enfatizou Zeca.