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Pescadores denunciam impactos da operação ‘ship to ship’ no porto de Praia Mole

Projeto anunciado pelo governo do Estado como “prioritário” é imposto sem diálogo

Sindamares

Tratado como “prioritário” pelo Governo Casagrande (PSB), o projeto de implantação de um terminal de granéis líquidos para operação “ship to ship” – transferência de petróleo entre navios em mar aberto — no Porto de Praia Mole, localizado entre Vitória e Serra, ameaça intensificar o processo de degradação ao longo dos 420 quilômetros da costa capixaba. O alerta é do coordenador estadual e nacional do Movimento dos Pescadores e Pescadoras, Nego da Pesca, que denuncia a falta de consulta à comunidade sobre o empreendimento e destaca os perigos de contaminação e danos irreversíveis ao ambiente marinho.

O projeto, avaliado em R$ 340 milhões, será operado pela Blue Terminals, do grupo Zmax, e promete movimentar até 14 milhões de toneladas de petróleo por ano — o equivalente a 100 milhões de barris. O governo justifica a iniciativa como estratégica para ampliar a competitividade logística capixaba, gerar empregos e aumentar a arrecadação de royalties, mas para os pescadores artesanais da região, a história contada pela gestão e pela empresa entra em contradição com a realidade dos impactos ambientais e sociais que eles acumulam na pele há décadas no litoral do Estado.

“Já temos 11 portos, e existe previsão para 27. Praticamente o nosso litoral está todo loteado”, destaca Nego da Pesca. Além do aumento do tráfego marítimo, ele aponta que cada novo empreendimento implica obras de dragagem, despejo de rejeitos no mar e alteração profunda dos ecossistemas costeiros, atingindo diretamente os estoques pesqueiros e, consequentemente, a subsistência das comunidades tradicionais.

Apesar da promessa de que o novo terminal trará geração de empregos e dinamização da economia local, os pescadores citam a experiência vivida em regiões como Barra do Riacho, em Aracruz, no norte do Estado, como contraexemplo. “Chega um crescimento desordenado, muitas pessoas de fora, e o município não tem estrutura de segurança, saúde e educação para receber. Depois da obra, os empregos de qualidade ficam com quem vem de fora, e para a comunidade sobra os problemas sociais, exploração sexual, criminalidade e abandono”, enumera Nego da Pesca. Ele observa que esse ciclo – promessas de desenvolvimento seguidas de marginalização das populações locais – é recorrente nos grandes projetos industriais capixabas.

Na avaliação do representante dos pescadores artesanais, a aposta do Estado em mais um megainvestimento de óleo e gás repete um modelo de desenvolvimento concentrador, que agrega riquezas a poucos grupos econômicos enquanto amplia a vulnerabilidade social das comunidades impactadas.

Outro ponto central das críticas é a violação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante a povos e comunidades tradicionais o direito à consulta prévia, livre e informada sobre qualquer projeto que afete seus territórios. “Quem chegou até nós não foi o governo, foi a empresa. E não para perguntar se concordamos, mas para dizer o que já está acontecendo. Isso não é consulta, é imposição”, critica o pescador.

Arquivo Pessoal

Ele informa que uma reunião está marcada para o dia 22 de setembro, na Paróquia São Pedro, em Jacaraípe, Serra, com a participação de pescadores de diferentes regiões impactadas. Apesar da convocação, a comunidade cobra do Estado a discussão do projeto por meio de uma audiência pública.

Para além dos impactos econômicos e sociais, há o risco direto de poluição, pois a operação amplia o perigo de vazamentos, contaminação da água e danos irreversíveis à fauna marinha, explicou. Nego da Pesca recorda que os pescadores já convivem com a herança do crime da Samarco/Vale-BHP, que completa dez anos em novembro próximo. “Até hoje o Rio Doce continua trazendo rejeitos para o litoral, nada foi feito para prevenir. Se já não conseguimos recuperar o que perdemos, como aceitar mais um projeto de risco?”, questiona.

A preocupação é que a costa capixaba, já pressionada por portos, plataformas de petróleo e poluição industrial, atinja um ponto de não retorno. “O que será de nós sem um ambiente saudável? Nós somos guardiões da natureza, dependemos dela para viver e alimentar a população. E o governo insiste em nos ignorar”, pontua.

Diante desse cenário, os pescadores se mobilizam para desenvolver uma cartografia participativa da costa capixaba, em parceria com universidades e entidades como o Conselho Pastoral dos Pescadores. A ideia é mapear territórios, áreas de pesca e impactos acumulados, criando um protocolo de consulta que fortaleça a defesa dos direitos das comunidades. “Estamos falando de soberania alimentar. O peixe que colocamos na mesa do brasileiro pode deixar de ser seguro. Já não temos certeza da qualidade do que pescamos, de tanta contaminação. Precisamos garantir que as futuras gerações possam viver desse mar”, defende a liderança.

O debate expõe o modelo de desenvolvimento que o Espírito Santo decide priorizar. De um lado, o governo celebra R$ 340 milhões em investimentos, a ampliação dos royalties e um papel estratégico na logística do petróleo. De outro, pescadores, comunidades tradicionais e ambientalistas denunciam a repetição de um ciclo de destruição socioambiental, que amplia desigualdades e ameaça a continuidade de modos de vida.

“Quando o governo fala em desenvolvimento, a quem ele está se referindo? Às comunidades que vivem do mar, que preservam os territórios, ou aos grupos econômicos que lucram e vão embora?”, questiona Nego da Pesca. O desafio, segundo ele, é inverter a balança que hoje se inclina para o capital, para que pese em favor da vida, da natureza e da justiça social.

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