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Pesquisas apontam impactos do pó preto em ambientes marinhos

Estudos com material coletado em Vitória documentaram efeitos em peixe e ostras

Leonardo Sá

Dois artigos científicos divulgados nos últimos meses documentam os efeitos em abientes aquáticos da exposição ao material particulado atmosférico (PM₁₀) lançado pelas poluidoras Vale e ArcelorMittal, localizadas na Ponta de Tubarão, em Vitória. Os estudos tiveram como base análises em laboratório com as espécies Centropomus parallelus, o peixe robalo, e Crassostrea rhizophorae, a ostra. Os resultados apontam que o pó preto se acumula no organismo dos animais, e, no caso do robalo, o consumo humano para crianças de até dez anos pode causar problemas de saúde.

Os artigos foram publicados na revista internacional Marine Pollution Bulletin, uma das mais conceituadas da área. Entre os autores estão diversos pesquisadores ligados a um projeto de pesquisa realizado desde 2020, com recursos do Fundo de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), sobre a contaminação ambiental do material particulado atmosférico.

No caso do robalo, o peixe foi submetido por 96 horas à exposição ao pó preto coletado na Ilha do Boi, em Vitória, em março de 2021. Nesse teste, não foram verificados riscos ao consumo humano. Apesar disso, também foram feitas análises com peixes coletados em campo, em seus próprios habitats, que identificaram o risco para crianças de até dez anos.

“O risco é por causa do alto nível identificado de arsênio e mercúrio, principalmente em períodos mais secos. Na baía de Vitória, especificamente, há um risco para crianças por causa do alto nível de mercúrio. No teste de laboratório, não acusou essa situação, talvez porque o período de exposição tenha sido muito curto”, explica Mariana Carvalho, que estudou o assunto durante o seu curso de mestrado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), sendo a autora principal do artigo sobre robalo.

Segundo Mariana, as análises apontaram que, no músculo vermelho do robalo, houve um alto nível de carbonilação de proteínas e de uma enzima chamada acetilcolinesterase. A alteração na enzima tem efeitos diretos nas contrações musculares dos peixes, prejudicando a movimentação. “Em casos mais sérios, isso pode atrapalhar a forma como o animal captura alimento, como foge de predadores, como se acasala, porque passa a não ter tanto controle do músculo”, explica.

No caso da carbonilação de proteínas, isso significa que os metais do pó conseguiram induzir a uma reação irreversível. “Isso pode ser perigoso, porque a proteína perde a sua função, levando a um desequilíbrio nas células musculares do animal”, acrescenta a pesquisadora. No caso do músculo branco, também foram verificadas interações com os metais que podem levar a alterações prejudiciais nas células.

O estudo também quantificou a presença de 18 metais no músculo do animal. “O músculo não é um tecido que deve ter acumulação de poluentes, porque, geralmente, esses poluentes vão para o rim e para o fígado para serem excretados pelo animal. Mas quando acumula no músculo, a gente entende que o animal não conseguiu mais lidar com essa carga de metais”, afirma Mariana.

No caso da ostra, a exposição ao pó preto foi por um período de 30 dias, passando depois por um período de mais um mês sem estar exposto, como forma de verificar se voltaria ao normal após o contato com o contaminante. Após a análise, verificou-se que oito metais se acumularam, e apenas dois foram parcialmente eliminados.

O estudo identificou que os níveis de toxicidade da célula e do genoma das ostras aumentaram significativamente. Isso estava diretamente relacionado à presença de metais como níquel, ferro e vanádio. Não foram verificados riscos no consumo humano no caso dos animais expostos em laboratório, mas não foram feitos testes com ostras coletadas em campo.

O pó preto depende do vento e da umidade para se dispersar. Na atmosfera, consegue atingir grandes distâncias, mas, lentamente, parte do material cai na água. No caso dos ambientes marinhos, o sal, ao interagir com os metais, ajuda na dispersão do pó. Dentro da água, esse pó se sedimenta no fundo, ou então fica disponível nas colunas d’água, o espaço entre a superfície e o fundo.

“No caso dos peixes, eles entram em contato com a água pelas brânquias, por causa da respiração, ou quando vão ingerir algum alimento, facilitando a absorção desses metais presentes na água. As ostras também absorvem o pó principalmente pelas brânquias”, explica a pesquisadora.

Alterações no ecossistema

O que esses estudos em laboratório indicam é que a presença do pó preto, ao impactar na saúde dos animais marinhos, pode gerar impactos em cadeia nos ecossistemas. O robalo, por exemplo, é considerado um animal “topo de cadeia”, por não possuir muitos predadores, devido a suas características.

“As alterações podem prejudicar a locomoção do animal, suas funções vitais básicas, causar problemas para conseguir acasalar, para buscar comida e abrigo, bem como a fuga de outros predadores. Então, a nível sistêmico, pode causar um desequilíbrio da população”, comenta Mariana.

No caso da ostra, é considerador um organismo filtrador, e muitos peixes e crustáceos se alimentam dela. Os metais acumulados na ostra podem ser transmitidos para os animais que a consomem. Com a dificuldade de filtração da água, diminui a capacidade de sobrevivência.

O nível dos impactos socioambientais do pó preto nos ambientes marinhos ainda precisará ser verificado em etapas mais avançadas de pesquisa. Mas, a considerar os resultados de laboratório, o desequilíbrio na população de peixes, além de prejudicar o meio ambiente, pode afetar cadeias produtivas, como no caso das atividades de pesca.

Problemas nas células humanas

Em julho, outro artigo do mesmo projeto de pesquisa apontou que o pó preto causa danos irreversíveis em células do pulmão dos seres humanos. De acordo com as análises, em apenas uma hora de exposição, nanopartículas foram encontradas no citoplasma e no núcleo das células. As células formavam vesículas para isolar os contaminantes, mas não conseguiam eliminar toda a toxicidade.

“A célula tem capacidade de armazenar esse material em vesículas, que são como bolsas, e deixar de uma forma que não fique em contato com tudo que é importante. Mas, acima de determinadas concentrações, houve morte celular. É como se a célula dissesse: tem tanta sujeira aqui, que eu prefiro morrer”, explica a bióloga Iara da Costa Souza, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), uma das autoras da pesquisa.

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