Sexta, 17 Mai 2024

Porto Central: população local alertou sobre irregularidades no processo

Porto Central: população local alertou sobre irregularidades no processo
Não surpreende que o projeto do Porto Central, em Presidente Kennedy (litoral sul do Estado), que começou como mero objeto de especulação imobiliária, tenha sido alvo de mais de 40 pedidos de revisão e esclarecimentos por parte do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que ainda reprovou o seu Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima). Desde o início do processo, a população local alerta sobre irregularidades e descaso da empresa TPK Logística - o Porto de Roterdã é parceiro no empreendimento.
 
No documento do Ibama, há críticas sobre os  leiautes apresentados, aos trechos que  fazem menção ao Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) do Espírito Santo, aos aspectos ambientais e aos pontos referentes às populações tradicionais e área social.  Para o órgão, faltam argumentos fundamentados, o que impede a avaliação adequada sobre a viabilidade ambiental do empreendimento.
 
O documento também aponta a contrariedade sobre a posse do terreno onde o empreendimento será instalado. O Ibama pede que se esclareça a titularidade do empreendimento e as possíveis desapropriações necessárias para sua implantação, já que, enquanto o documento afirma que a área dispensa desapropriações por ser uma área livre pertencente a "proprietários interessados a se associarem ao grupo de empreendedores do projeto", os documentos referentes à audiência pública do empreendimento remetem a outro cenário.


Na ocasião, um participante afirmou que parte da área pretendida para o empreendimento é de propriedade da empresa Predial Itabirana que, de acordo com o relato, não foi consultada sobre a implantação do porto. Disse, ainda, que o Decreto de Utilidade Pública para desapropriação onde há o Loteamento Cidade Balneária Solimar, estaria com vícios, o que motivou ação judicial questionando a validade do ato.
 
O relatório do Ibama também identificou conflitos entre a área do empreendimento e 16 processos em tramitação no Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), requerendo autorização para pesquisa. Caso o empreendimento seja atestado como ambientalmente viável, ressalta o órgão, o empreendedor deverá solicitar bloqueio provisório dessas áreas no DNPM. Também é possível conferir no relatório do Ibama que, dos 27 profissionais listados como componentes da equipe multidisciplinar responsável pela elaboração do EIA/Rima do porto, cinco não constam como regulares no Cadastro Técnico Federal (CTF). O Ibama pede a regularização desses profissionais.
 
Sem fundamentação
 
Com relação aos leiautes apresentados, um dos pontos justificados como diferencial para a escolha do projeto é relacionado a questões de segurança da navegação e das estruturas a serem implantadas, o que para o Ibama não deveria ser um diferencial, mas um item comum em todas as alternativas. O relatório observa discrepâncias entre o volume de dragagem, o tamanho do canal artificial principal e a existência ou não do aterro hidráulico em cada uma delas. 
 
A equipe do Ibama também recomendou que o novo leiaute deve ser formulado de forma que o canal artificial se mantenha a uma distância segura da linha de costa que alcança a porção oeste da Área Diretamente Afetada (ADA) do empreendimento, que se encontra sob forte influência do lençol freático. A respeito da descrição da vegetação natural da área, o Ibama pede revisão e padronização das terminologias utilizadas, afirmando que "toda essa diversidade terminológica confunde o leitor do diagnóstico de vegetação e demanda grande esforço para compreensão das informações apresentadas". 
 
"Equivocadamente, as vantagens e desvantagens citadas para as diferentes alternativas tecnológicas abordam principalmente as questões operacionais e econômicas. As vantagens e desvantagens de cada alternativa em relação aos aspectos ambientais, que deveriam ser o foco do EIA, foram deixados em segundo plano, o que dificulta ou até impossibilita a seleção da melhor alternativa", considera o relatório. 
 
Zoneamento
 
O Ibama também pede a revisão e a análise aprofundada dos trechos do documento que se referem ao ZEE do Estado. O Ibama afirma que "percebe-se que o texto está desatualizado e que houve uma grave falha do coordenador do estudo na integração das informações".



Ainda há contradições no fato de que, enquanto o litoral de Presidente Kennedy foi classificado no estudo como ZEE 4, o Ibama teve acesso ao ZEE do Estado e confirmou que, na verdade, a região é classificada como ZEE 2, descritas como áreas que pressupõem condições de gerenciar empreendimentos de maior porte e causadores de maiores impactos socioambientais, mas com ambientes mais vulneráveis e maior necessidade de prevenção e mitigação de impactos.
 
Além disso, será necessário esclarecer a área terrestre real do empreendimento, que ora é apresentada como ocupante de 1.500 hectares, ora de 1.732,72 hectares; e o nível de intervenção sobre o Ribeirão das Neves. O Ibama não considerou possível, ainda, estabelecer uma correlação entre a área proposta para a Área de Influência Direta (AID) do meio físico na porção continental do empreendimento e o alcance dos impactos avaliados, porque a extensão da maioria deles não pode ser realizada com base na avaliação de impactos apresentada.
 
Ambiental
 
Em geral, o Ibama solicita a avaliação e descrição mais detalhada dos cursos d'água e áreas alagáveis na ADA do empreendimento, visando uma quantificação mais precisa das Áreas de Proteção Permanente (APPs). Entre estas, o Córrego do Arroz foi mencionado, mas não considerado no cálculo total destas áreas, "o que potencialmente indica que o quantitativo de APPs dessa porção da ADA está subestimado".



Além de indicar que não existem unidades de conservação na área de influência do empreendimento, o que dispensa a solicitação de autorização dos órgãos gestores das unidades, não foram apresentadas as distâncias entre as unidades de conservação e a área de influência direta do empreendimento.
 
O Ibama também enumerou que "uma das deficiências do EIA foi justamente a avaliação de impactos sobre os corpos d'água, especialmente na porção oeste do empreendimento (área úmida), de modo que não foi possível por esta equipe técnica analisar a extensão e a importância desses impactos". Como medidas mitigadoras para os processos erosivos, o Ibama classificou que foram propostas, quase que na totalidade, ações genéricas. Também não foram descritas ou representadas em mapa as áreas de influência direta marinha, que deveriam considerar áreas de pesca e rotas de embarcações pesqueiras.
 
O diagnóstico de oceanografia apresentado também foi considerado "claramente insuficiente", e o Ibama afirmou que este deve ser refeito, uma vez que, a contragosto do que era solicitado no Termo de Referência do empreendimento, não foi apresentada a caracterização do regimes de ondas, marés e correntes, incluindo variações sazonais e as inter-relações entre elas.



Com relação ao Plano de dragagem, o Ibama afirma que não foram localizadas plenas informações a respeito das escavações da parte terrestre, além de faltar esclarecimento sobre os métodos utilizados para calcular os volumes de dragagem e escavação.
 
Além disso, o impacto da instalação do porto na existência de populações de mamíferos, que dependem de grandes áreas de habitat para manter populações viáveis, foi classificado de natureza negativa, incidência direta, ocorrência imediata, abrangência local, duração temporária, irreversível e forte magnitude. Entretanto, a equipe considerou que a abrangência do impacto não pode ser considerada como somente local, uma vez que, como o projeto prevê a supressão da vegetação e consequente perda de habitat, esse impacto deve ser considerado permanente. "Destaca-se que a porção do litoral do ES onde se localiza a Praia das Neves possui extrema importância biológica e é considerada Área Prioritária para a Conservação".
 
Apesar de o EIA/Rima do empreendimento considerar baixa a probabilidade de risco de abalroamento de mamíferos e quelônios marinhos, e afirmar que essa área não é importante para as desovas de tartarugas, a equipe do Ibama julga justamente o contrário. 
 
Populações tradicionais



Sobre a atividade pesqueira no balneário, que será amplamente impactada pela construção do porto, o Ibama solicitou a visualização das áreas que abrigam tal atividade com sobreposição do mapa de instalação e operação do Porto Central, com descrição dos locais de restrição de uso, definindo em quais dessas áreas a restrição será temporária e em quais dessas áreas a restrição será permanente. "Essas áreas, somadas, impactam significativamente a atividade da pesca artesanal, não só pela restrição da pesca, como também, muitas vezes, por serem estabelecidos em áreas de importante produtividade, os chamados “pesqueiros”, gerando conflitos de uso devido à baixa autonomia da pesca artesanal, cujos pescadores não são capazes de fazer longos deslocamentos para outros locais de grande produtividade".
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O Ibama também requer a inclusão das comunidades pesqueiras que, na audiência pública, questionaram sua ausência na documentação. Por conta da deficiência nas informações sobre essas comunidades, o Ibama considerou que os impactos relacionados nos estudos a respeito do conflito e dos impactos à atividade pesqueira não poderiam ser analisados de forma adequada.
 
Apesar de ter sido apontado pelo empreendedor que nos municípios que fazem parte da Área de Influência Indireta (AII) e da AID, historicamente, viviam índios das etnias Puris, Goitacazes e Boitocudos, não se registrou a existência de Territórios Indígenas já estabelecidos ou em processo de reconhecimento, e também não foi identificada a existência de sambaquis, referências que deverão ser feitas, conforme indicação do Ibama, estendendo a área de abrangência, também, às comunidades quilombolas com territórios reconhecidos ou em processo de reconhecimento, a fim de identificar os conflitos de uso.
 
Social
 
Já com relação ao Núcleo Urbano, local onde os trabalhadores da obra deverão ficar alojados, o Ibama julga que a localização "não parece ser a mais indicada", uma vez que está projetado para as proximidades do empreendimento da Ferrous e os trabalhadores sofrerão os impactos diretos desse empreendimento, sobretudo com relação ao material particulado e à emissão de ruídos.



Por fim, recomenda uma avaliação criteriosa sobre o abastecimento de água, fonte de energia e efluentes, levando em consideração a viabilidade ambiental desse núcleo, e solicitando a apresentação de documentos como a outorga do órgão gestor para a captação de recursos hídricos e o detalhamento dos sistemas de abastecimento e de transmissão de energia, além do planejamento para tratamento de efluentes. Esses documentos sequer foram apresentados.
 
Também não foram apresentadas diversas medidas mitigadoras como, por exemplo, relacionadas aos ruídos emitidos na fase de operação e aos impactos associados à atividade de dragagem.

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