Acordos bilionários firmados com multinacionais abrangem 43 cidades capixabas
O governador Renato Casagrande (PSB) assinou, nesta quarta-feira (8), dois contratos bilionários de Parceria Público-Privada (PPP) com as multinacionais GS Inima e Acciona, que assumem a execução dos serviços de esgotamento sanitário em 43 municípios do Espírito Santo. A cerimônia, realizada no Palácio Anchieta, em Vitória, contou também com a presença do vice-governador, Ricardo Ferraço (MDB), do presidente da Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan), Munir Abud, e de representantes das empresas.

O modelo de concessão adotado permite que a estatal mantenha o controle tarifário, mas transfere à iniciativa privada as atividades de operação, manutenção e ampliação dos sistemas por ao menos 25 anos, pelo valor de quase R$ 7 bilhões. O leilão para definição das empresas vencedoras foi realizado em 17 de junho na B3, em São Paulo. O processo, conduzido pela Cesan, foi dividido em dois blocos. Com a medida, todos os municípios atendidos pela companhia passam a ter a gestão do esgotamento sanitário feita por meio de Parceria Público-Privada (PPP)
O Lote A, que abrange 35 municípios e inclui a Capital Vitória, foi arrematado pelo Consórcio GS Inima Brasil – Forte Ambiental, que integra o oligopólio de empresas que concentram o controle da maioria dos contratos de privatização do saneamento no país, conforme apontado pelo Instituto Mais Democracia. No Estado, o consórcio é representado pela Espírito Santo Saneamento S.A. e já mantém outros contratos com a Cesan, como a operação da Estação de Tratamento de Água de Reúso na Serra e o projeto da usina de dessalinização em Guarapari.
O Lote B, que reúne oito municípios, ficou com a Acciona Água S.A.U. do Brasil, que estreia no mercado capixaba, mas já atua em projetos de saneamento em dezenas de países – venceu seu primeiro leilão no Brasil no último ano, com a licitação da Sanepar (Companhia de Saneamento do Paraná) para a concessão dos serviços de esgotamento sanitário em 48 municípios das microrregiões Oeste e Centro-Leste do estado do Sul do País.
De acordo com nota técnica da Cesan, as obras e serviços previstos deverão ampliar a cobertura do esgotamento sanitário, beneficiando aproximadamente 371 mil novos habitantes até 2033. No Lote A, estão previstas a construção de 34 estações de tratamento de esgoto, 847 quilômetros de rede coletora, 152 elevatórias e mais de 142 mil novas ligações de esgoto. No Lote B, estão previstas cinco estações de tratamento, 384 quilômetros de rede coletora, 67 elevatórias e 61 mil novas ligações de esgoto.
O investimento direto do Lote A foi estimado em R$ 1,08 bilhão, com custo operacional de R$ 3,85 bilhões, e a tarifa definida no leilão foi de R$ 3,51 por metro cúbico de esgoto tratado. O segundo lote teve investimento previsto de R$ 399,6 milhões, com custo operacional de R$ 1,39 bilhão, e a tarifa fixada no leilão foi de R$ 4,28 por metro cúbico.
Apesar de o governo estadual justificar a iniciativa como uma medida necessária para garantir a universalização do saneamento no Estado, o Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Espírito Santo (Sindaema-ES) avalia que o projeto repete um modelo já testado em outras regiões do Brasil com resultados negativos. O risco de concentrar os serviços nas mãos de poucos grupos privados é tornar o setor do saneamento cada vez mais regulado pela lógica do lucro e mais distante da garantia do direito humano à água e ao esgoto tratados, criticam entidades sindicais e movimentos sociais, que denunciam perda de controle estatal, aumento de tarifas e esvaziamento da Cesan enquanto empresa pública.
Na prática, o Sindaema aponta que a concessionária arcou com os investimentos iniciais e com parte das obras, enquanto as multinacionais passarão a receber por serviços em cidades que já contam com ampla cobertura, como Vitória, Aracruz e Guarapari. A presidente da entidade, Wanusa Santos, avalia que a Cesan possui condições técnicas e financeiras de universalizar o saneamento no Estado.
“É uma balela, é uma PPP de manutenção de esgoto e não de grandes investimentos. Por exemplo, Vitória já está praticamente universalizada, faltando pouquíssimas obras. A Cesan tem condição de universalizar o sistema de esgotamento sanitário do nosso Estado e não está fazendo, porque quer entregar à iniciativa privada, para que o saneamento seja agora uma questão de lucro e não de interesse social”, aponta.
Merci Pereira Fardin, coordenador do Observatório Capixaba da Água e do Meio Ambiente e assessor do Sindaema também fez um alerta para a falta de transparência e superdimensionamento dos investimentos privados anunciados, considerando que os sistemas estavam praticamente universalizados em muitas cidades que foram atingidas por contratos de PPP. Ele aponta incoerências nos valores anunciados para os investimentos e a ausência de informações claras sobre o estágio atual das obras já realizadas pela Cesan nos 43 municípios. Além disso, chama atenção para os impactos financeiros à própria Cesan, que seguirá com a responsabilidade de finalizar obras em andamento, ao mesmo tempo em que perderá receitas significativas.
Dados do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) reforçam que o Espírito Santo enfrenta problemas estruturais no setor de saneamento básico: em 31 municípios capixabas, a maior parte da população ainda vive sem coleta de esgoto, e mais de 60 estão abaixo da média estadual. Para os críticos da PPP, a solução passa pelo fortalecimento da infraestrutura pública, e não pela sua entrega ao mercado.

Marcos legais
A decisão da Cesan tem como base as diretrizes do novo marco regulatório do saneamento básico, instituído pela Lei 14.026/2020, que incentiva a busca por parcerias com a iniciativa privada. Desde o Governo Temer (MDB), em 2016, o governo federal vem tentando alterar o marco regulatório do saneamento no Brasil. O primeiro foi instituído em 2007, por meio da Lei 11.445/07, que estabeleceu metas de universalização e financiamentos para o saneamento público, um avanço significativo, considerando que anteriormente essa responsabilidade recaía apenas sobre os estados, que frequentemente não possuíam recursos suficientes para investir no setor.
Em 2016, o governo Temer tentou modificar esse marco regulatório, com o objetivo de facilitar ainda mais a entrada da iniciativa privada no setor. Apesar de a tentativa não ter sido concretizada à época, em 2020, a Lei 14.026 foi sancionada, alterando significativamente as diretrizes. A presidente do Sindaema, Wanusa Santos, destaca que o marco regulatório de 2020 priorizou a privatização em detrimento da universalização. Essa legislação determinou que as concessões de saneamento, cuja titularidade pertence aos municípios, deveriam ser renovadas com companhias estaduais ou licitadas para a iniciativa privada.
No cenário nacional, outros estados já adotaram modelos de privatização. Até 2026, a Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto projetou que os serviços de água e esgoto serão operados por empresas privadas em 50% das cidades brasileiras até 2026. Atualmente, as concessões já atendem 30% dos municípios.