Multinacionais GS Inima e Acciona vencem leilão para PPP em 43 municípios

Duas gigantes do setor de saneamento venceram, nesta terça-feira (17), o leilão realizado na B3, em São Paulo, para assumir a operação do esgotamento sanitário em 43 cidades do Espírito Santo. O processo é parte das duas Parcerias Público-Privadas (PPPs) estruturadas pela Companhia Espírito-Santense de Saneamento (Cesan), que, ao longo de 30 anos, devem movimentar cerca de R$ 7 bilhões. O modelo de concessão adotado permite que a estatal mantenha o controle tarifário, mas transfere à iniciativa privada as atividades de operação, manutenção e ampliação dos sistemas.
Na prática, como aponta o Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Espírito Santo (Sindaema-ES), a concessionária arca com os investimentos iniciais e com parte das obras, enquanto as multinacionais passam a receber pelos serviços em cidades que já contam com ampla cobertura, como Vitória, Aracruz e Guarapari.
A licitação foi dividida em dois blocos. O Lote A, com investimento total anunciado de R$ 1,08 bilhão e custo operacional estimado em R$ 3,85 bilhões, inclui a Capital, Vitória, além de outras 34 cidades. O Consórcio GS Inima Brasil – Forte Ambiental, representado pela Terra Investimentos, apresentou a melhor proposta, com preço unitário de R$ 3,51 por metro cúbico de esgoto. Já o Lote B, com investimento de R$ 399,6 milhões e custo de operação de R$ 1,39 bilhão, foi arrematado pela Acciona Agua S.A.U. do Brasil, que ofereceu tarifa de R$ 4,28 por metro cúbico.
O governador Renato Casagrande (PSB) celebrou a contratação como “um marco em direção à universalização do serviço até 2033 e defendeu que a modelagem da PPP garante responsabilidade fiscal e evita polarizações improdutivas”. “São quase R$ 7 bilhões de investimentos e a garantia de que o Espírito Santo será um dos primeiros estados a atingir a universalização do saneamento”, afirmou. Os benefícios da parceria para a garantia da meta também foram destacados pelo presidente da concessionária, Munir Abud: “estará contratada e será batida, colocando nosso Estado como um dos primeiros a universalizar a região metropolitana em nosso país”, discursou.
No entanto, para as entidades que acompanham o setor, o projeto repete um modelo já testado em outras regiões do Brasil com resultados negativos. Para o Observatório Capixaba das Águas e do Meio Ambiente, o processo marca a consolidação de um modelo de concessões que avança sob a lógica da regionalização forçada e da concentração dos serviços nas mãos de poucos grupos privados. O risco é tornar o saneamento um setor cada vez mais regulado pela lógica do lucro – e cada vez mais distante da garantia do direito humano à água e ao esgoto tratados, criticam entidades sindicais e movimentos sociais, que denunciam perda de controle estatal, aumento de tarifas e esvaziamento da Cesan enquanto empresa pública.
“A privatização do serviço de esgotamento sanitário no Estado é o fracasso da Cesan enquanto empresa pública”, ressaltou o diretor do Sindaema, Fábio Giori, em vídeo anunciando que o sindicato não compareceria ao leilão e orientava os trabalhadores a boicotarem o evento. Ele alertou ainda que a iniciativa privada não investe em cidades que não dão lucro, o que compromete a equidade do acesso aos serviços.

A presidente do Sindaema, Wanusa Santos, aponta que a Cesan possui condições técnicas e financeiras de universalizar o saneamento no Estado: “É uma balela, é uma PPP de manutenção de esgoto e não de grandes investimentos. Por exemplo, Vitória, Capital, já está praticamente universalizada, faltando pouquíssimas obras. A Cesan tem condição de universalizar o sistema de esgotamento sanitário do nosso Estado e não está fazendo, porque quer entregar à iniciativa privada, para que o saneamento seja agora uma questão de lucro e não de interesse social”, aponta.
Entre as três empresas que apresentaram propostas, duas — Aegea Saneamento, que não venceu o leilão mas já opera a PPP dos municípios de Vila Velha, Serra e Cariacica, na Grande Vitória; e a GS Inima Brasil, braço da multinacional sul-coreana GS Inima – fazem parte do oligopólio que concentra o controle da maioria dos contratos de privatização do saneamento no país, conforme apontado pelo Instituto Mais Democracia.
A Acciona, por sua vez, é uma gigante espanhola com operação em dezenas de países e venceu seu primeiro leilao na área de saneamento no último ano: a licitação da Sanepar (Companhia de Saneamento do Paraná) para a concessão dos serviços de esgotamento sanitário em 48 municípios das microrregiões Oeste e Centro-Leste do estado do Paraná, no Sul do Brasil.
“É um processo que apresenta uma série de problemas, a começar pela falta de transparência da Cesan”, alerta Merci Pereira Fardin, coordenador do Observatório e assessor do Sindaema. Ele aponta incoerências nos valores anunciados para os investimentos – que variam de R$ 1,3 bilhão a R$ 2,2 bilhões – e a ausência de informações claras sobre o estágio atual das obras já realizadas pela Cesan nos 43 municípios. “Pode ser que muitas dessas cidades já estejam praticamente universalizadas, o que significa que os investimentos privados anunciados estariam superdimensionados”, critica.
Ele também chama atenção para os impactos financeiros à própria Cesan, que seguirá com a responsabilidade de finalizar obras em andamento, ao mesmo tempo em que perderá receitas significativas. “Estamos entregando a operação e parte da arrecadação a uma empresa privada, num momento em que a Cesan passa por dificuldades financeiras. Isso é grave”, avalia.
Para o Observatório, a privatização segue a lógica de transferir responsabilidades estratégicas para grandes conglomerados econômicos, esvaziando o papel do Estado e transformando o saneamento em mercadoria, em um modelo que tende a aumentar as desigualdades, priorizando o lucro empresarial em detrimento da justiça social.
Merci destaca que, no último mês de maio, a procuradora-geral do Estado, Luciana Merçon, reforçou como a adoção de modelos como as micro-regiões e as PPPs tem sido impulsionada por pressões e exigências do mercado financeiro, sobretudo de empresas multinacionais, e por uma diretriz de redução do financiamento público às companhias estaduais, durante a apresentação dos resultados de sua pesquisa sobre o processo de regionalização do saneamento, transmitida pelo Youtube.
Dados do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) reforçam que o Espírito Santo enfrenta problemas estruturais no setor de saneamento básico: em 31 municípios capixabas, a maior parte da população ainda vive sem coleta de esgoto, e mais de 60 estão abaixo da média estadual. Para os críticos da PPP, a solução passa pelo fortalecimento da infraestrutura pública, e não pela sua entrega ao mercado.
Marcos legais
A decisão da Cesan está alinhada às diretrizes do novo marco regulatório do saneamento básico, instituído pela Lei 14.026/2020, que incentiva a busca por parcerias com a iniciativa privada. Desde o Governo Temer (MDB), em 2016, o governo federal vem tentando alterar o marco regulatório do saneamento no Brasil. O primeiro foi instituído em 2007, por meio da Lei 11.445/07, que estabeleceu metas de universalização e financiamentos para o saneamento público, um avanço significativo, considerando que anteriormente essa responsabilidade recaía apenas sobre os estados, que frequentemente não possuíam recursos suficientes para investir no setor.
Em 2016, o governo Temer tentou modificar esse marco regulatório, com o objetivo de facilitar ainda mais a entrada da iniciativa privada no setor. Apesar de a tentativa não ter sido concretizada à época, em 2020, a Lei 14.026 foi sancionada, alterando significativamente as diretrizes. A presidente do Sindaema, Wanusa Santos, destaca que o marco regulatório de 2020 priorizou a privatização em detrimento da universalização. Essa legislação determinou que as concessões de saneamento, cuja titularidade pertence aos municípios, deveriam ser renovadas com companhias estaduais ou licitadas para a iniciativa privada.
No cenário nacional, outros estados já adotaram modelos de privatização. Em Alagoas, no Nordeste, foi feita a concessão plena, enquanto em Santa Catarina e Paraná, no Sul, o modelo de PPP foi adotado. O modelo de concessão plena, que retira totalmente o controle estatal sobre a gestão da política pública de saneamento, ocorreu com a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), em São Paulo, no Sudeste, e a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), no Rio Grande do Sul.
Até 2026, a Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto projetou que os serviços de água e esgoto serão operados por empresas privadas em 50% das cidades brasileiras até 2026. Atualmente, as concessões já atendem 30% dos municípios.