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Projeto do distrito industrial de Ferraço prevê danos socioambientais

Iniciativa tende a repetir problemas de outra área industrial de Cachoeiro, diz especialista

Um estudo prévio elaborado pela Prefeitura de Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Estado, aponta impactos socioambientais negativos esperados com a implantação do Distrito Industrial de Pacotuba, projeto tratado como prioridade pela gestão do prefeito (atualmente licenciado) Theodorico Ferraço (PP) e apoiado pelo Governo do Estado. Há, inclusive, quem aponte o risco de que o empreendimento repita os problemas socioambientais do Distrito Industrial de São Joaquim, implantado no município nos anos 1990.

Redes Sociais

O estudo está entre os documentos encaminhados pela gestão do prefeito em exercício Júnior Corrêa (Novo) para a Câmara de Vereadores, em resposta aos questionamentos sobre o projeto de lei que autoriza empréstimo de R$ 50 milhões para viabilizar a implantação do novo distrito industrial

Os arquivos só foram encaminhados no último dia 16, já durante a realização da sessão em que o projeto da operação de crédito foi aprovado por ampla maioria. Não foram realizadas audiências públicas para debater a proposta abraçada por Ferraço. O estudo é assinado pelo engenheiro agrônomo Rogério Ribeiro do Carmo, secretário de Desenvolvimento Econômico de Cachoeiro.

A área prevista no distrito de Pacotuba, às margens da rodovia ES 482, possui, aproximadamente, 100 alqueires, o que corresponde a 4,6 milhões de metros quadrados. O terreno é formado por pastagens, com um pequeno fragmento de vegetação nativa ciliar, sendo cortado por um “recurso hídrico” que “vem ressaltar o caráter de sustentabilidade que se quer imprimir ao distrito industrial, com recomposição da vegetação ciliar, respeito às APPs [Áreas de Preservação Permanente] prevista no Código Florestal e harmonização ambiental com a presença das empresas”.  

O documento aponta a possibilidade de atração de empreendimentos de diversos ramos industriais, como têxtil, calçadista e de rochas ornamentais. Entretanto, “a implantação de distritos industriais, embora traga benefícios socioeconômicos, está também associada a impactos ambientais negativos, que podem ocorrer nas fases de planejamento, implantação e, principalmente, operação. Os impactos positivos devem ser otimizados. Os negativos podem e devem ser mitigados e/ou compensados”, diz o texto.

Entre os impactos previstos, estão a supressão de vegetação e compactação do solo durante as obras, bem como a fragmentação dos habitats da fauna local. O “recurso hídrico” identificado terá que ser transposto para a abertura de vias de acesso, o que pode afetar a qualidade e quantidade de água locais, e também é esperado que haja alterações na dinâmica da drenagem natural, necessitando planejamento para se implantar a drenagem pluvial. Esse tipo de empreendimento também implica descaracterização paisagística, com mudanças no relevo.

Theodorico Ferraço com equipe da prefeitura, em visita ao local onde será instalado o distrito industrial. Foto: Redes Sociais

Outro ponto identificado é o aumento de ruído com as obras de implantação. Também haverá um aumento da poluição atmosférica, tratada como “desprezível” para a população vizinha devido ao distanciamento, mas “significativo” para os limites internos. Há, ainda, o risco de contaminação do solo por combustíveis e óleos, em caso de transbordamento, extravasamento ou derrame.

Do ponto de vista socioeconômico, o estudo cita como possíveis impactos negativos o aumento da demanda por serviços públicos (água, esgoto, transporte, saúde); pressão sobre a habitação e o uso do solo urbano; e conflitos fundiários e desapropriações. A análise também menciona medidas mitigadoras, e cita ainda os ganhos esperados com a geração de emprego e renda.

“O projeto minimiza o impacto gerado no campo ambiental e social em prol do discurso do desenvolvimento. Quando se analisa a questão socioambiental, é comum verificarmos nesse tipo de iniciativa que o discurso de desenvolvimento fica circunscrito a grupos distintos daqueles que tendem a suportar os passivos ambientais cotidianos”, analisa Tauã Verdan, mestre e doutor em Ciências Jurídicas e Sociais e pós-doutor em Políticas Sociais e Sociologia Política, professor da Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim (FDCI).

Tauã é autor de um artigo acadêmico sobre o Distrito Industrial de São Joaquim, criado em 1992 em Cachoeiro a partir de um decreto de Theodorico Ferraço, quando estava em seu segundo mandato como prefeito. “Distritos industriais, de modo geral, têm um impacto direto sobre o meio ambiente, com geração e agravamento de poluição atmosférica e hídrica, supressão ou alteração sensível da vegetação nativa e diminuição da fauna local”, comenta o professor universitário.

Ainda que o distrito industrial venha a ser instalado em região mais afastada, a alguns quilômetros dali, a população do distrito de Pacotuba sofre todos os anos com a vulnerabilidade a enchentes, tendo em vista a proximidade com o Rio Itapemirim. A Comunidade Quilombola de Monte Alegre também fica em Pacotuba. 

Região onde será instalado o Distrito Industrial. Foto: PMCI

Além disso, o projeto de Distrito Industrial em Pacotuba demandará investimentos ainda mais elevados do que os previstos até agora. Entre os documentos enviados para a Câmara, há também um levantamento realizado pela BRK Ambiental, concessionária dos serviços de água e esgoto de Cachoeiro – que tem mantido uma relação conflituosa com a administração municipal – sobre o sistema de esgotamento sanitário e abastecimento de água necessário para o empreendimento.

O sistema deverá contemplar: 68 lotes comerciais; 514 lotes industriais, 300 unidades residenciais; uma unidade de serviços e lazer; uma escola técnica; shopping center; parque solar; heliporto; torre de telefonia; e um clube. O custo total para a implantação é estimado em R$ 128,3 milhões, a ser dividido em etapas, conforme o empreendimento for avançando.

Nos documentos da Prefeitura de Cachoeiro, são apresentados os estudos de impacto financeiro do empréstimo de R$ 50 milhões, mas não há informações detalhadas, em números, sobre o retorno econômico esperado com o novo distrito industrial.

São Joaquim

A maioria das empresas que ocupam a área do Distrito Industrial de São Joaquim é do ramo de rochas ornamentais. Ainda hoje, além dos passivos ambientais, a região tem problemas relacionados à infraestrutura deficiente. 

“Isso é uma consequência de projetos de desenvolvimento industrial que não são levados a cabo. Geram passivos ambientais e sociais, mas não são concluídos. E que podem ser agravados em novos empreendimentos, caso não haja planejamento, acompanhamento e transparência”, alerta Tauã.

Redes sociais

De acordo com o professor universitário, os passivos ambientais encontrados em São Joaquim correspondem à poluição atmosférica e sonora, com aumento da concentração de alguns elementos ou compostos no ar respirado; contaminação de recursos hídricos; e comprometimento da qualidade da região habitada.

Na primeira década dos anos 2000, a população local tentou frear a proposta de instalação de um aterro sanitário em São Joaquim, que passaria a receber resíduos sólidos de diversos municípios do sul do Espírito Santo. 

Na época, técnicos da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) apontavam que a localidade era propensa a enchentes em períodos chuvosos e que, devido à geografia do lugar, o chorume derivado do aterro poderia ser levado pelas águas e contaminar rios e córregos da região. A possibilidade de o lixo atrair animais também era um fator apontado, tendo em vista a proximidade com o aeroporto da cidade, havendo o risco de acidentes.

Após embates jurídicos, acabaram prevalecendo os argumentos de ganhos econômicos – projeto ajudaria a reduzir os custos de transporte do lixo para outras cidades e haveria geração de Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), além do fato de um aterro sanitário ser considerado uma alternativa “mais sustentável” do que os lixões tradicionais. A Central de Tratamento de Resíduos (CTRCI) foi inaugurada em 2013, durante o segundo mandato do então prefeito Carlos Casteglione (PT). A unidade é administrada pelo Grupo Lara, empresa que também é responsável pelo aterro sanitário de Vila Velha.

O caso de São Joaquim foi destacado no Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça Socioambiental e Saúde no Brasil, um projeto da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “O desenvolvimento, que é uma das principais promessas que os grandes investimentos trazem, torna-se justificativa para o comprometimento do acesso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, no tocante a populações em situação de vulnerabilidade, sub representadas politicamente e com pouca expressividade no tecido participativo da cidade”, comenta Tauã.

Comparando com o novo Distrito Industrial de Pacotuba, Tauã assevera: “Analisando o histórico de situações similares e a própria realidade de São Joaquim, acredito que há uma tendência de repetição de situações de injustiça socioambiental”.

Século Diário solicitou esclarecimentos à Prefeitura de Cachoeiro sobre medidas planejadas para evitar impactos socioambientais e a respeito de estimativas de retorno financeiro esperadas com o distrito industrial, mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.

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