Domingo, 05 Mai 2024

Projetos ruralistas que ameaçam terras indígenas são inconstitucionais

Projetos ruralistas que ameaçam terras indígenas são inconstitucionais
Na audiência pública que aconteceu nessa terça-feira (13), em Brasília, foi consenso entre o jurista Dalmo Dallari e o ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) Carlos Frederico Marés, de que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000 é inconstitucional. O mesmo foi apontado em relação ao (PLP) 227/2012, nesta quarta-feira (14), em outra audiência pública. Os debates foram acompanhados por indígenas de várias regiões do país, sobretudo da Bahia, com a participação dos Tupinikins das aldeias de Aracruz, norte do Espírito Santo.
 
A PEC 215/2000 quer transferir do Executivo para o Congresso Nacional o poder da demarcação das terras indígenas. Dallari defende que o projeto relativiza os direitos territoriais desses povos, atrelando-os à demarcação, e considerou que a proposta tem três pontos de inconstitucionalidade: transfere para o Legislativo uma atribuição administrativa típica do Executivo, o que afeta a regra fundamental da separação dos Poderes; prevê a inalienação das terras somente após ratificação do Congresso quando, na verdade a Constituição já estabelece que as demarcações são inalienáveis, e atribui ao Congresso o poder de rever as demarcações já homologadas e retificar os territórios já traçados. É “escancaradamente inconstitucional”, reforçou o jurista, ameaçando recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) caso a matéria seja aprovada. 
 
O ex-presidente da Funai, Carlos Frederico Marés, fez coro às considerações de Dallari e lembrou que a Constituição consagrou aos índios o princípio do direito originário e que os direitos desses povos são anteriores a qualquer outro, por serem eles os primeiros e naturais donos da terra. 
 
O argumento foi reforçado ainda pela fala de Sonia Guajajara, integrante da direção nacional da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Ela disse que com a transferência de atribuição ao Congresso, as terras passarão diretamente às mãos do agronegócio, sem qualquer cuidado ao meio ambiente. “Os índios são responsáveis por preservar o meio ambiente, qualquer levantamento mostra que onde tem terra indígena a floresta está preservada”, retratou.
 
Já em relação ao também polêmico PLP 227/2012 que, além de permitir concessões a latifundiários de terras demarcadas em áreas de fronteira, define como atividades de "relevante interesse da União" projetos desenvolvimentistas, como dutos, estações logísticas, empresas extrativistas e grandes latifúndios nas terras indígenas, sem consulta prévia, foi tratado por Kleber Luiz Santos, também da Apib, como uma afronta aos indígenas e uma forma de usurpar seus direitos constitucionais. Kleber denunciou que a maioria dos projetos em tramitação no Congresso não é discutida com esses povos. "O Estado brasileiro ainda tem uma grande dívida em relação à demarcação das terras indígenas”, lembrou. 
 
A falta de consulta aos índios também foi criticada pelo assessor jurídico do Cimi, Adelar Cupsinski. Ele pontuou que o PLP define como de relevante interesse público da União atos dos municípios, dos estados e até interesses particulares. A posição contrária ao PLP foi reforçada pelo representante da Associação de Missões Transculturais Brasileiras (AMTB), Cassiano Batista da Luz, que definiu não só esse, mas os demais projetos que atacam os índios como “manobras que visam mudar o processo de demarcação de terras indígenas”. Ele contrariou a visão de que no Brasil "existe muita terra para poucos índios", apresentando que 46% dos terrenos agrícolas estão nas mãos de 1% de latifundiários.
 
Carta
 
Nessa terça-feira (13), foi divulgada uma carta pública do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas na Bahia (Mupoiba), a principal entidade componente dos protestos pelos direitos dos índios realizados em Brasília. Segundo informações da Agência Brasil, 150 índios, componentes de 16 aldeias do país, ocuparam a área externa do Palácio do Planalto na manhã desta terça-feira, com reivindicações sobre as áreas de regularização fundiária; saúde indígena; projetos de sustentabilidade; construção de escolas indígenas, e fortalecimento da Funai.
 
A carta classifica a solicitação de parecer da Embrapa para a demarcação de terras como "uma clara manobra para inviabilização da demarcação das Terras Indígenas", e acrescenta que o pedido de paralisação das demarcações no pará e no Rio Grande do Sul, feitos pela Ministra Gleisi Hoffman ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, "mostra a verdadeira face deste governo com a questão indígena".
 
Os índios cobram posicionamento urgente da presidenta com relação à demarcação e regularização de terras, além de melhorias na saúde e na educação, direitos que ficam restritos devido à indefinição jurídica dos territórios indígenas. 
 
Além da revogação da PEC 215/2000 e do PLP 227/2012, os índios querem o arquivamento imediato da PEC 038/1999 – que além de condicionar as demarcações ao Senado, determina que esses territórios e as unidades de conservação ambiental terão de respeitar o limite máximo de 30% da superfície de cada estado, e a revogação imediata da Portaria 303 da Advocacia Geral da União (AGU), que está suspensa até a publicação dos embargos declaratórios do caso Raposa Serra do Sol.  

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