Sábado, 20 Abril 2024

Quilombolas realizam retomada de território no norte do Estado

angelim3_divulgacao Divulgação

As mais de 70 famílias da comunidade de Angelim III, no Sapê do Norte, região quilombola entre Conceição da Barra e São Mateus, realizam um processo de retomada de seu território tradicional, hoje ocupado em grande parte pelo monocultivo de eucalipto e cana-de-açúcar. Desde a madrugada do última dia 11, os moradores ocupam uma área de cerca de 50 alqueires utilizada pela empresa Suzano (ex-Fibria e Aracruz Celulose).

Os moradores têm trabalhado em mutirão na área, que deve ser dividida entre todos da comunidade para moradia e plantio.

"Hoje a comunidade vive num espaço muito pequeno, que não comporta as famílias que lá moram. São famílias que estão voltando para a comunidade depois desse ciclo de quilombolas saindo para os grandes centros em busca de trabalho e estudo. Hoje esse fluxo se inverteu, muito se aposentaram ou ficaram desempregados nas cidades, e têm no quilombo um porto seguro, não pagam aluguel e conseguem tirar a subsistência da roça, onde se planta abóbora, mandioca, milho, se produz farinha e beiju, se tem galinhas, toda produção dentro da comunidade permite também a geração de renda", explica Selma Dealdina, liderança oriunda de Angelim III, que hoje é secretária executiva da Coordenação Nacional de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).

Selma considera que a área é pequena e cabível de negociação com a empresa para garantir a reprodução cultural, social, econômica e religiosa da comunidade. "Não podemos esperar a titulação do governo federal, que é na verdade um desgoverno. Desde a campanha, Jair Bolsonaro disse que não titularia nenhuma terra. Durante anos a reforma agrária vinha se arrastando e após o golpe só piorou", reclama a dirigente quilombola sobre a não demarcação de terras indígenas nem titulação de territórios quilombolas ou construção de assentamentos rurais.

"Não tem como ficar de braços cruzados esperando que alguém vá fazer alguma coisa de bom para nós". Ela aponta o sucateamento do Instituto Nacional de Colonização de Reforma Agrária (Incra), servindo aos interesses da bancada ruralista do Congresso Nacional, que é contra as questões indígenas, quilombolas e da agricultura familiar. "Desde janeiro a Conaq tenta uma audiência com o Incra em Brasília, mas não há interesse do atual governo nem em conversar", lamenta.

Segundo Selma, a situação que alia as dificuldades de sobrevivência diante da tomada do território por grandes empresa e a falta de perspectivas diante do governo federal, responsável pela titulação das terras já reconhecidas como quilombolas, levou a comunidade de Angelim III à retomada. Ela aponta que a ocupação do território tem entre os motivos a recuperação de seis nascentes e rios que foram secos pelo monocultivo de eucalipto. "Precisamos recuperar as nascentes, porque precisamos do território para subsistir, para continuar existindo e resistindo", declarou.

Moradora de Angelim III, Miryan Fontoura conta que a empresa começou a plantar eucalipto no entorno sem consultar a comunidade, invadindo a área das nascentes. "Nossa água era transparente, não precisava nem de cisterna, servia para beber e tomar banho. Com o passar do tempo, a água se transformou em lodo, começou a ficar vermelha, parecia que tinha ferrugem, hoje não serve mais para beber. Em 2018 o rio chegou a secar totalmente", relata Miryan.

Desde então, a comunidade realizou mutirões e plantou bananeiras em volta da cabeceira das nascentes, como forma de reter água e recuperar a fonte. Porém, do outro lado, a poucos metros, a empresa segue plantando eucalipto, árvore que prejudica as nascentes. "Tentamos fazer acordo, mas não conseguimos. Solicitamos à empresa que recuasse com os eucaliptos a ao menos 30 metros de distância da nascente, mas até hoje nada foi resolvido. Então resolvemos fazer por conta própria, porque não respeitaram nosso direito e acabaram com nossa água, destruíram nosso lazer. Hoje somos rodeados por eucalipto", relata a moradora.

Selma Dealdina pontua que a retomada é feita apenas por quilombolas da comunidade e suas famílias. "Não estamos loteando, não estamos invadindo nada, e sim retomando o que é nosso por direito e ancestralmente", alega. Ela pontua que a comunidade conhece o modo de operar da empresa e espera que haja retaliações e processos, mas que a população está determinada e não vai recuar. "Estamos desde o dia 11 e ficaremos até a vitória final".

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