Renova executou apenas 17% das ações previstas, avalia rede de pesquisadores
Apenas 17%. Pesquisa realizada pela Rede interinstitucional ComRioComMar verificou que a Fundação Renova executou até o momento apenas esse índice das ações previstas nos 41 programas estabelecidos no Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) firmado em março de 2016 com a União, os governos do Espírito Santo e Minas Gerais, e autarquias ambientais federais e estaduais com o objetivo de garantir a compensação e reparação dos danos decorrentes do rompimento da barragem de Fundão, de propriedade da Samarco/Vale-BHP, ocorrido em Mariana/MG em cinco de novembro de 2015.
"A maioria das ações ainda está no estágio de diagnóstico. É uma demora muito grande na execução dos serviços e um desrespeito aos direitos dos atingidos", afirma a doutora em Sociologia Euzeneia Carlos, professora de pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), onde coordena o Núcleo Participação e Democracia (Nupad), e coordenadora do Eixo Sociedade Civil na Rede de Pesquisa ComRioComMar de Apoio a Recuperação da Bacia do Rio Doce.O estudo mostrou que nem mesmo o programa de cadastro dos atingido, que é o ponto de partida para o processo de reparação e compensação, foi executado, pois apenas 49% dos 63,3 mil pedidos feitos até abril último haviam sido cadastrados, segundo levantamento da Ramboll Consultoria, contratada pelo Ministério Público Federal (MPF) para analisar a efetividade do trabalho da Renova e cujos relatórios foram analisados pela rede ComRioComMar. E entre os cadastrados, o tempo de espera para o recebimento do cartão de auxílio financeiro emergencial foi, em média, de 228 dias para 75% dos cadastrados, segundo a Fundação Getúlio Vargas, também contratada pelo MPF.
Tecnologia social
A Rede ComRioComMar é formada por pesquisadores de ciências humanas oriundos da Ufes, Universidade de São Paulo (USP), do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ), Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e Centro Brasileiro de Pesquisa e Planejamento (Cebrap), com apoio financeiro de editais públicos de fomento à pesquisa e à inovação (Chamada CAPES-FAPEMIG-FAPES-CNPq-ANA nº 6/2016).A pesquisa foi realizada entre julho de 2018 e julho deste ano em comunidades de cinco municípios capixabas: Linhares, São Mateus, Colatina, Serra e Vitória, com apoio de 21 organizações locais, entre sindicatos, associações, cooperativas e movimentos sociais.
Ao todo, nos diferentes ciclos de discussões e votação, foram formuladas cerca de 400 propostas, apoiadas por cerca de 24 mil votos. Entre elas, quatro grandes temas se destacaram: Trabalho, Renda e Infraestrutura (32% dos votos); Água e Meio Ambiente (25%); Saúde (20%); e Reconhecimento e Indenizações (14%).
TsunamiEcoando um termo ouvido por uma das moradoras que participou da pesquisa, a D. Rosa, de Povoação, Euzeneia Carlos afirma que o crime da Samarco foi como um tsunami que devastou as comunidades. "Basta ver que os modos de vida hoje foram completamente afetados. Todos os processos de impacto social e econômico que aconteceram após o rompimento da barragem de Fundão não existiam antes" avalia, ressaltando que os impactos estão longe de serem sanados, já que, passados quase cinco anos, uma parte ínfima das ações estabelecidas no grande acordo com os poderes públicos foi de fato executada.
'Dividir para conquistar'
Nesse sentido, o projeto teve como principal objetivo contribuir com a capacidade de ressonância das vozes dos atingidos, influenciando o processo de decisão em favor das comunidades, extrapolando a esfera da pesquisa acadêmica, sob a perspectiva de uma intervenção social.No final de agosto, o compilado de propostas coletadas ao longo de dois anos foi apresentado virtualmente para representantes dos governos estaduais e municipais, além da Defensoria Pública e Ministério Público. "O objetivo foi não só coletar opiniões, mas fazer chegar essas propostas às autoridades", salienta, chamando atenção para o baixo comprometimento também dos gestores municipais e estaduais, já que as poucas ações que foram executadas carecem de articulação com as políticas públicas existentes nos territórios. "Embora os poderes públicos tenham assumido responsabilidade por meio do TTAC e outros acordos, não há essa articulação", observa.
Os questionamentos sobre Água e Meio Ambiente (25% dos votos) estão principalmente em torno da preocupação com o acesso à água segura e saneamento, semelhante ao que foi pontuado no primeiro grupo. "Mesmo a Fundação Renova dizendo que a água está própria, há uma percepção de insegurança em relação à qualidade da água. E isso não é gratuito, porque essas pessoas estão passando por problemas de saúde, que podem sim ter relação com o contato com a água. Desde doenças de pele e estomacais até questões de saúde mental que passam pela depressão, dependência de álcool e outras drogas, violência doméstica", descreve.
Com relação à Saúde (20% dos votos), Euzeneia lembra que a área é uma das políticas públicas de maior capilaridade na sociedade, devido à existência do Sistema Único de Saúde (SUS), mas é uma das menos presentes nos programas de compensação e reparação do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), sobretudo saúde mental."Há um programa de apoio à saúde física e mental no TTAC, mas ainda está no nível de elaboração dos planos municipais, na fase diagnóstico, como estão 87% das ações estabelecidas no Acordo. É urgente investir nos postos de saúde das comunidades, em repasses de recursos para o SUS", aponta.
A realidade, portanto, é bem diferente da que foi percebida pelo governador Renato Casagrande (PSB), conforme ele relatou na última segunda-feira (21), a respeito de uma visita feita à Foz do Rio Doce, em Regência, Linhares, em meados de setembro. "O Rio Doce já é um rio que está morrendo por si só, independente do desastre. O desastre de Mariana veio pra dar mais uma pancada na situação do Rio Doce", declarou.
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