Domingo, 28 Abril 2024

Reportagem especialPobres pulmões

Reportagem especialPobres pulmões


Foi infinito enquanto durou. A boa avaliação que no geral pode-se conferir à série de audiências públicas sobre o pó preto capitaneada pelo deputado estadual Cláudio Vereza (PT) não a livrou no entanto do veredicto: não vai adiantar nada. A ninguém surpreende o fato de que a longa jornada de discussões no plenário não vá redimir os pulmões capixabas das nuvens nocivas da Vale e da ArcelorMittal. 
 
Um paradoxo? Sim. Foi bom. Entidades civis de variegadas extrações expuseram seus motivos; governo e empresas, idem (aqui, empresas = Vale e ArcelorMittal). A sociedade civil transpareceu suas insatisfações, mas governo e empresas não pareceram dispostos a mitigá-las.
 
Daí a gente evoca a desculpa basilar dessas audiências. A justificativa que o propositor Vereza ofereceu para realizar uma série de discussões no lugar de uma certamente constrangedora, para governo e empresas, Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), é que outras CPI’s para investigar a poluição do ar em Vitória foram instaladas e... “não deram em nada”, como o próprio deputado falou na primeira audiência da série.
 
Mas fontes ouvidas pela reportagem não mostraram o mais vago e fugidio lume do entusiasmo quanto aos efeitos práticos da série de Cláudio Vereza. O sentimento é unânime: as discussões foram tão ricas quanto estéreis. A vã esperança do petista quanto à CPI é a mesma quanto a sua jornada de audiências. Que coisa.
 
Uma CPI também seria recebida com descrença por setores da sociedade civil. No último encontro, realizado quarta-feira (13), um representante externou ao microfone um pessimismo indiferente com uma possível CPI. Complacente, disse que ela seria apenas palanque para os deputados que se reuniriam em torno. Uma fonte acha o mesmo: a CPI seria outra porta para o nada. 
 
Só que uma das últimas frases da última audiência pública saiu de Eraylton Moreschi Júnior, do grupo SOS Espírito Santo Ambiental. Moreschi concluiu suas considerações finais numa cobrança elegante ao deputado petista: “Talvez por acreditarmos em Papai Noel, insistimos na CPI”. Antes, Vereza associara fé em CPI à fé em Papai Noel.
 
O lirismo nataliano de Moreschi fala por si: até o fim as entidades ambientais cobraram a instalação da CPI do Pó Preto. Na primeira, realizada dia 11 de setembro, a SOS Espírito Santo Ambiental exibiu um vídeo em que logo na abertura lia-se o questionamento: “Dessa vez, o vídeo começava com um questionamento: “CPI do pó preto... Por que não?”. 
 
O poder de polícia de uma CPI pode aprofundar inúmeras questões que permanecem nebulosas para os meros mortais da sociedade civil. O que explica a ausência de fiscalização por parte dos órgãos públicos ambientais (como o Instituto Estadual de Meio Ambiente - Iema)? Dissemos ausência: seríamos complacentes se falássemos em negligência. E que critérios norteiam o processo de emissão de licenças? 
 
Vereza manteve-se inflexível. “Quero ver falarem numa CPI igual falaram aqui”, defendeu-se na quarta-feira. A sociedade civil cumpriu seu papel, comparecendo e se manifestando, ao contrário da Assembleia Legislativa. Nem a bancada do partido do deputado prestigiou as audiências. Genivaldo Lievore e Lúcia Dornellas fizeram aparições breves. De novo, a Assembleia mostrou que não respira o mesmo ar que o resto da ilha de Vitória.
 
Uma CPI, além de suas atribuições investigatórias, também pode indicar corpo técnico para realização de perícias, solicitar e reunir documentos, ouvir testemunhas junto às poluidoras e órgãos públicos e ainda, diferente do que argumentou o deputado, pode convocar representantes da sociedade como entidades ambientais e associações de moradores. 
 
Uma CPI também poderia exigir a presença do Ministério Público Estadual (MPES), cuja ausência sentiu-se ao longo da série de audiências. O órgão se fez presente à quarta audiência. De resto, figurou na primeira, por meio de representante na dramatização audiovisual da Vale.
 
Se com as audiências Vereza esperava abrandar o calor da pressão pela CPI, conseguiu. Mas dissipá-la por completo, não. Ao longo da série ficou mais que claro que o dispositivo mais confiável para investigar a poluição do ar de Vitória causada pela Vale e ArcelorMittal é a comissão parlamentar de inquérito.
 
Por cobranças das entidades, a única medida mais palpável que sairá das audiências é a produção de um relatório reunindo as principais propostas apresentadas para o combate à poluição. Por ora é apenas isso ao que parece. E quando ele ficar pronto, qual será o próximo passo? 
 
Ao longo dos cinco encontros, é redundante dizer que os principais alvos de quem zela pela própria saúde e bem-estar foram a Vale e a ArcelorMittal. As poluidoras não só sentiram a pressão da sociedade civil, como também o preparo desta para debater o assunto. Mas Vale e ArcelorMittal reagiram de forma diferente à mobilização civil.
 
A Vale comportou-se de forma completamente diferente da Arcelor. Esta expôs sua culpa e responsabilidade, embora não tenha apresentado alternativas e/ou medidas para se redimir. A Vale, por sua vez, em nenhum momento assumiu sua responsabilidade. Desde a primeira audiência, quando afrontou o plenário com um filme publicitário de nove minutos, a mineradora insistiu naquele discurso de sustentabilidade que já dá aquela bocejante preguiça. 
 
A estratégia bem pensada, o discurso bem amarrado e as palavras bem escolhidas já não surtem o mesmo efeito de mobilização de sentimentos em favor de um discurso específico de sustentabilidade, responsabilidade social e compromisso ambiental. Letras mortas, porém belas e airosas.
 
Entre os dias 11 de setembro, data da primeira audiência, e 13 de novembro, quando se realizou a última, o nome da Hyundai Steel foi enunciado algumas vezes em função do enclausuramento total da cadeia de produção, método para controle de poluição aplicado pela siderúrgica sul-coreana. Mais de uma vez as entidades ambientais propuseram o enclausuramento total das operações na Ponta de Tubarão.
 
Vale e Arcelor, claro, rejeitaram a proposta. E ficou por isso mesmo, o que corrobora a sensibilidade geral de que, um, a série de audiências não produzirão medidas concretas contra a poluição, e, dois, a série foi uma estratégia de Vereza, atento também às inflamações das Jornadas de Junho, para abrandar a pressão pela CPI do Pó Preto, e, três, a Assembleia continuará tratando as poluidoras com mãos afáveis.
 
Cerca de 40 pessoas compareceram à última sessão da série, em que se discutiu outras fontes emissoras.  
 
João Paulo Lamas, coordenador do programa Despoluir da Federação das Empresas de Transporte (Fetransportes) fez uma intervenção brevíssima. Vitor José Macedo Queiroz Lima, do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon) apenas se colocou à disposição para questionamentos. O diretor-geral do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), Carlos Lopes, foi embora às 20h; o encontro se iniciara às 19h.
 
A série de audiências públicas propostas por Cláudio Vereza terminou como começou: como uma iniciativa isolada - sem o prestígio da bancada do PT, muito menos o da Comissão de Meio Ambiente da Casa - com os mesmos questionamentos às empresas, as mesmas respostas, o mesmo embate entre a cobrança pela CPI do Pó Preto versus a, digamos, obstinação de Vereza. 
 
Se a Assembleia já provou ser terreno hostil para CPI’s da poluição, como argumenta o deputado, por que seria generosa com audiências, em que há debate, mas não há investigação, fiscalização, perícias e oitivas? O que impede o Papai Noel de descer pelas chaminés de Tubarão?

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