Feiras, debate e lançamento de pesquisa marcam ações em municípios capixabas
Em um cenário em que o sistema alimentar é dominado por monoculturas, longas cadeias de distribuição e uso intensivo de agrotóxicos, a 21ª Semana do Alimento Orgânico (SAO) convida a população a refletir sobre o que consome, de onde vem sua comida e quais práticas estão envolvidas em sua produção. O evento é promovido pela Comissão da Produção Orgânica do Espírito Santo (CPOrg-ES).
A abertura, em Vitória, será no próximo dia 24, com um café da manhã na Feira Orgânica do Barro Vermelho, às 7h. No dia 29, haverá uma live com a professora e nutricionista Elaine de Azevedo, autora do livro Alimentos Orgânicos e apresentadora do podcast Panela de Pressão, e o pesquisador Paulo César Aguiar Júnior, que defendeu neste ano sua tese de doutorado sobre a geografia dos agrotóxicos no Espírito Santo. Além disso, será divulgada uma nova edição da pesquisa comparativa de preços entre produtos orgânicos e convencionais em feiras e supermercados da Grande Vitória.
Como tem destacado Elaine de Azevedo, a alimentação é um ato político. Ao comprar direto de quem produz, o consumidor faz um pouco do papel do Estado: apoia a agricultura familiar, valoriza minorias e pode contribuir para um sistema alimentar mais justo. Diferente do modelo impessoal e industrializado que domina o sistema alimentar atual – com alimentos processados, cultivados em larga escala, uso intensivo de venenos e transportados por longas distâncias -, a alimentação orgânica propõe outra lógica: a da relação.
A coordenadora da CPOrg-ES, Erenilda Schuina, reforça o papel das feiras como espaços de conscientização: “Se você não é visto, não é lembrado. E quando se conhece o trabalho, você se sente parte da história, muito mais à vontade para escolher aquele produto. Atrás dele tem proteção de nascente e do solo, família capacitada para produzir e melhora do meio ambiente. Sem os nossos consumidores, nós somos nada”, destaca.

Segundo ela, a estrutura de produção atual afasta as pessoas do processo de cultivo e dificulta a valorização da agricultura. “O tempo que a gente leva pra plantar, irrigar, colher, preparar a muda…tem muita dedicação. E quando o consumidor conhece esse processo, a valorização é outra. Graças a Deus, temos muita gente com essa consciência”, compartilha.
Outra ação prevista para a 21ª edição da SAO será o relançamento da pesquisa de preços da Secretaria da Agricultura (Seag), com apoio da CPOrg-ES e do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper). O último levantamento, realizado em 2024, mostrou que em 20 dos 25 produtos analisados, os alimentos orgânicos vendidos nas feiras tinham preços menores do que os convencionais nos supermercados. A divulgação da nova edição busca combater a ideia de que orgânico é necessariamente mais caro. “Às vezes, o preço na feira é até mais barato que no supermercado”, reforça Erenilda.
A auditora fiscal federal agropecuária do Ministério da Agricultura no Estado, Sara Hoppe Schröder, destaca que a política pública deve ampliar o acesso a esses alimentos. Ela aponta a importância de pressionar governos para que cumpram a exigência legal de destinar pelo menos 30% das compras públicas de alimentos à agricultura familiar e, sempre que possível, à produção orgânica.
“As compras governamentais – via Programa de Aquisição de Alimento (PAA), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e Compra Direta de Alimentos (CDA), aqui no Espírito Santo – são fundamentais para incentivar pequenos agricultores a se regularizarem como produtores orgânicos. Mas muitos municípios ainda não adotam essas políticas, e o próprio Estado não cumpre os 30%. [na aquisição de alimentos sem venenos]. Isso faria muita diferença”, pontuou.

Em nível nacional, movimentos em defesa da agroecologia denunciam a omissão do Ministério da Agricultura na implementação do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara). Criado há mais de uma década, o Pronara foi elaborado pela Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO) como parte do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo). No entanto, jamais foi implementado. Pressões políticas e interesses ligados ao setor do agronegócio travaram o processo, especialmente após o impeachment de 2016.
Tendo como um dos pilares da campanha para a presidência o combate à fome, Lula recriou a CNAPO, o que permitiu a retomada das discussões em torno do Pronara, no entanto, o atual secretário de Defesa Agropecuária, Carlos Goulart – ex-diretor do Departamento de Sanidade Vegetal e Insumos Agrícolas no governo Bolsonaro – se posicionou contra o programa, que segue travado dentro do Ministério da Agricultura. Entre 2019 e 2022, o Brasil bateu recordes de liberação de venenos agrícolas, com mais de 2,1 mil novos produtos registrados.
No ano passado, o Pronara foi excluído do Plano Nacional de Agroecologia (Planapo), apesar da pressão da sociedade civil e movimentos em defesa da produção orgânica e agroecológica. A censura do Mapa ao Pronara levou a substituição de funcionários, incluindo a coordenadora de Agroecologia e Produção Orgânica no Ministério, Virgínia Lira.
No Espírito Santo, a falta de prioridade com o setor também se fez notar dentro da Seag, onde o alto escalão da pasta, comanda pelo secretário Enio Bergoli, chegou a afirmar que “a agricultura orgânica é demodé”, ao justificar a falta de atendimento às pautas da CPOrg-ES.
Ainda assim, a resistência dos agricultores, apoio dos consumidores e eventos como a SAO mantêm viva a agroecologia como prática cotidiana e política. “Ser agroecológico não é só estar na roça. Eu posso contribuir em qualquer lugar: economizando água, reutilizando resíduos, reduzindo o consumo. A reflexão que queremos provocar é essa: o que eu estou consumindo? Como estou contribuindo para o mundo em que vivo?”, convoca Erenilda.
Atualmente, 32 feiras orgânicas e agroecológicas estão em funcionamento no Estado, assim distribuídas: Vitória (21), Vila Velha (3), Serra (3), Cariacica (2), Colatina (1), Nova Venécia (1) e Montanha (1).
Contaminações no Estado
Em março deste ano, o pesquisador Paulo César Aguiar Junior falou, no programa Entrevista do Século, da TV Século, sobre os principais tipo de contaminações encontradas no Espírito Santo, onde acontecem e como podem atingir os humanos por meio da água ou dos alimentos. As informações são resultado da sua tese “Geografia dos agrotóxicos no Espírito Santo e conexões patogênicas”.