“PL da Devastação” teve apoio da maioria da bancada capixaba e foi alvo de protestos no Estado

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou nesta sexta-feira (8), com 63 vetos parciais, o Projeto de Lei nº 2.159/2021, aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 17 de julho, que flexibiliza regras para o licenciamento ambiental no Brasil. Apontada como “PL da Devastação”, a proposta é criticada por cientistas, movimentos sociais, entidades sindicais e representantes das populações tradicionais, que pediam veto integral ao projeto, considerado um dos maiores retrocessos da política ambiental brasileira.
Dos dez deputados que compõem a bancada federal do Espírito Santo, apenas dois votaram contra a proposta: Gilson Daniel (Podemos) e Helder Salomão (PT). Outros quatro parlamentares votaram a favor: Da Vitória (PP), Evair de Melo (PP), Amaro Neto (Republicanos) e Messias Donato (Republicanos). Três deputados estavam ausentes: Jack Rocha (PT), Paulo Foletto (PSB) e Dr. Victor Linhalis (Podemos). Já Gilvan da Federal (PL) estava afastado do mandato – ele reassumiu nesta semana.
Apesar das pressões, Lula optou por vetar apenas parte dos mais de 400 dispositivos do texto aprovado pelo Congresso Nacional. Para recompor parte dos dispositivos vetados, Lula editou uma Medida Provisória e encaminhou ao Congresso um novo projeto de lei com urgência constitucional. A MP trata da Licença Ambiental Especial (LAE), voltada a empreendimentos estratégicos. Embora a nova modalidade tenha sido mantida, o governo vetou a proposta de licenciamento em fase única, garantindo que o processo inclua todas as etapas de avaliação técnica.
Entre os principais vetos presidenciais, está a restrição do uso da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) apenas para obras de baixo impacto ambiental. O trecho aprovado pelo Congresso previa a aplicação da LAC para empreendimentos de médio potencial poluidor, o que incluía modalidades por autodeclaração, sem análise técnica prévia. Com o veto, empreendimentos com risco elevado, como barragens de rejeitos ou estradas em áreas sensíveis, não poderão se valer desse mecanismo. “Evita que empreendimento de risco relevante realizem licenciamento simplificado sem análise técnica adequada”, justificou o Planalto.
Entre os trechos mais problemáticos mantidos, está a criação da nova modalidade de Licenciamento Ambiental Especial (LAE), voltada a projetos considerados estratégicos. Apesar do veto ao dispositivo que permitia que esse tipo de licenciamento ocorresse em fase única, o simples reconhecimento dessa nova modalidade, segundo ambientalistas, abre precedentes para flexibilizações futuras.
Outro ponto de forte crítica era a ampliação do uso da LAC, que permite o licenciamento automático por meio de autodeclaração, sem vistoria técnica prévia. O governo vetou o uso para empreendimentos de médio impacto ambiental, mantendo-a restrita a casos de baixo impacto. Esse veto foi considerado fundamental para impedir que projetos de risco – como barragens de rejeitos, grandes obras viárias e mineradoras – pudessem ser autorizados sem fiscalização, o que contrariaria inclusive decisões anteriores do Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, como a LAC continua em vigor para algumas situações, o modelo de autolicenciamento ainda segue como possibilidade.
No caso das atividades agropecuárias, o governo vetou o dispositivo que permitia dispensar o licenciamento ambiental por meio de autodeclaração, além de impedir que empreendedores fossem isentados de apresentar documentação sobre o uso da água e do solo. Outro ponto vetado foi a dispensa de licenciamento para produtores com Cadastro Ambiental Rural (CAR) ainda não analisado. Com os vetos, apenas produtores com CAR validado poderão ser dispensados, o que reforça a importância da avaliação técnica.
O texto aprovado pelo Congresso também pretendia restringir a consulta prévia a povos indígenas e comunidades quilombolas apenas àqueles com territórios já homologados ou titulados, o que deixaria de fora centenas de comunidades em processo de reconhecimento. Esse dispositivo foi vetado por Lula, garantindo a obrigatoriedade de consulta também às comunidades que estão em fase de demarcação, em conformidade com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
Outro veto considerado essencial foi o que impediu que pareceres de órgãos gestores de Unidades de Conservação (UCs) deixassem de ser obrigatórios no processo de licenciamento. Sem o veto, empreendimentos poderiam ser aprovados mesmo com pareceres contrários de técnicos do ICMBio ou de gestores de parques nacionais. Agora, as manifestações desses órgãos seguem com força vinculante.
Além disso, Lula vetou o trecho que limitava as medidas compensatórias aos impactos diretos, garantindo que também os impactos indiretos – desmatamentos causados por estradas ou avanço do agronegócio – possam ser considerados no processo de licenciamento. O Planalto justificou o veto afirmando que medidas de compensação devem se aplicar sempre que houver nexo de causalidade entre a obra e os impactos ambientais, mesmo que indiretos.
Entretanto, a tentativa de transferir amplamente aos estados e municípios a definição de regras mínimas de licenciamento ambiental não foi totalmente barrada. O governo vetou a delegação ampla, mas manteve uma margem de autonomia aos entes federativos, desde que respeitem parâmetros nacionais ainda a serem definidos.
Impactos
Considerada uma das maiores ofensivas contra a política ambiental brasileira desde a Constituição de 1988, a proposta tramitava desde 2004 e foi aprovada pela Câmara pela primeira vez em 2021, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), sob intensa articulação da bancada ruralista e de setores ligados ao agronegócio. No Senado, foi relatada inicialmente por Kátia Abreu (PP-TO), mas sua aprovação se deu sob a condução da senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura de Bolsonaro.
Mais de 350 entidades assinaram um manifesto contra o projeto, entregue a parlamentares e representantes do governo. Entre os signatários estão organizações como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento Sem Terra (MST), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Observatório do Clima.
Em um posicionamento conjunto, a Comissão Tripartite Nacional – que reúne representantes dos órgãos ambientais da União, estados e municípios – também se manifestou de forma crítica ao PL 2159/2021, ressaltando riscos à estrutura federativa, à efetividade do licenciamento ambiental e ao controle institucional dos impactos ambientais. A coomissão é formada por representantes do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), além de secretarias estaduais e municipais de Meio Ambiente, com representação da Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema) e da Associação Nacional dos Órgãos Municipais de Meio Ambiente (Anamma).
Para a secretária nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos da CUT, Jandyra Uehara, os riscos vão além do campo ambiental. “O PL cria risco diplomático, pois ameaça documentos assinados pelo país, como o Acordo de Paris, a Convenção sobre Diversidade Biológica, além da Convenção 169 da OIT. O Brasil pode ser responsabilizado internacionalmente por violações aos tratados que ratificou”, afirmou.
Resistência no Estado
Movimentos sociais, sindicatos, estudantes e parlamentares organizaram atos e manifestações contra o projeto no Estado. No último dia 10 de julho, na Assembleia Legislativa, uma manifestação com o mote “Congresso Inimigo do Povo”, integrando a mobilização nacional convocada pelas frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, denunciou que o PL faz parte de uma agenda que favorece grandes corporações em detrimento dos direitos sociais e ambientais. Também foram realizadas panfletagens com o objetivo de informar a população sobre os impactos.
O “PL da Devastação” é visto como parte de um movimento mais amplo de flexibilização ambiental. No Espírito Santo, é apontada a semelhança entre o PL federal e a Lei Complementar nº 1.073/2023, apelidada de “Lei da Destruição”. que estabelece um novo modelo de licenciamento ambiental e também foi criticada por enfraquecer a fiscalização e excluir a participação das comunidades impactadas. A legislação resultou em um abaixo-assinado, mobilizado por servidores ambientais e a sociedade civil, com um pedido de exoneração do secretário estadual de Meio Ambiente, Felipe Rigoni.