Segunda, 29 Abril 2024

Sociedade civil clama por CPI em audiência pública sobre o pó preto

Sociedade civil clama por CPI em audiência pública sobre o pó preto
Nos corredores da Assembleia Legislativa, duas assessoras trocavam figurinhas. “Se prepara, porque o 'bicho vai pegar' na hora das perguntas”, disse uma a outra. E foi o que realmente aconteceu nessa quarta-feira (11), na audiência pública sobre o pó preto, após as apresentações da secretária de Estado de Meio Ambiente, Diane Rangel; do secretário de Meio Ambiente de Vitória, Cleber Guerra; do diretor-presidente do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), Tarcísio Foëger; da Vale, feita pelo gerente de Meio Ambiente Romildo Fracalossi; e do também gerente de Meio Ambiente da ArcelorMittal, Guilherme Correa de Abreu.
 
Tentando empurrar à população a ideia de que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Pó Preto não resolveria o problema da poluição do ar, o deputado Claudio Vereza (PT), presidente da Frente Parlamentar Ambientalista e propositor da audiência, foi confrontado por vários dos representantes da sociedade civil organizada que, inclusive, o convidaram, juntamente a toda a bancada petista da Assembleia, a assinarem o pedido de abertura da CPI.
 
Não houve sequer um representante de entidade externa à Casa, envolvida e atingida pelo pó preto, que não mencionasse e fizesse coro ao pedido de reabertura da comissão. Entre elas, a SOS Espírito Santo Ambiental, a Associação Nacional dos Amigos do Meio Ambiente (Anama), o Conselho Popular de Vitória (CPV) e a Associação dos Amigos da Praia de Camburi (AAPC).
 
Por que não?
 
Marco Delmaestro, representante do grupo SOS Ambiental, foi o último a palestrar, mas não menos importante. A entidade, notavelmente a mais aplaudida da noite, apresentou um de seus clássicos vídeos com fotografias e filmagens, inclusive noturnas, das emissões diárias da Ponta de Tubarão, na Praia de Camburi. Dessa vez, o vídeo começava com um questionamento: “CPI do pó preto... Por que não?”. Em seguida, a frase “o cidadão fazendo o papel do Estado”, referindo-se ao processo de fiscalização feito pelos manifestantes às poluidoras, gerou burburinho entre os presentes no plenário Dirceu Cardoso.



Ao final das imagens exibidas, a entidade pediu que o governador Renato Casagrande aja em conformidade com a legislação, assumindo o dever de proteção ao meio ambiente e à qualidade de vida do cidadão como relata, por exemplo, o Artigo 225 da Constituição Federal: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações”.
 
O painel digital apresentou pequenas falhas durante as apresentações anteriores mas, ironicamente, exatamente na parte da apresentação do SOS em que se falava na ineficácia das audiências públicas, o texto foi praticamente todo apagado da tela por uma "falha" no telão. “Parece um vírus”, comentaram, rindo, pessoas em meio ao público.
 
Após Delmaestro, José Marques Porto, da mesma entidade, assumiu a palavra para entregar um documento com uma série de questionamentos pertinentes tanto aos órgãos públicos como às poluidoras. Posteriormente, o representante da Arcelor prometeu responder, por escrito, a cada uma das questões levantadas.



Porto também mostrou que o SOS Ambiental se decepcionou com a postura do Ministério Público Estadual (MPE) em não comparecer à plenária e em continuar sem dar respostas à sociedade civil; e pediu providências ao “Big Brother Vale”, o caso de espionagem denunciado pelo ex-gerente de inteligência André Almeida, que partiu de dentro da companhia a artistas e militantes políticos que se expressavam contrários às atividades da poluidora. O representante da Vale, Romildo Fracalossi, disse que a Vale está investigando as denúncias feitas pelo ex-funcionário.
 
Em resposta a um vídeo exibido pela mineradora Vale, Neilson Guimarães, também integrante do SOS Ambiental, evidenciou a participação equivocada de funcionários públicos – como Aladim Cerqueira, ex-presidente do Iema, além de Paulo Esteves, representante de várias associações de moradores da capital – na propaganda da mineradora. “É preciso saber separar as funções”, disse. No vídeo, ambos falam da “boa relação” entre a mineradora, a sociedade civil e o meio ambiente.
 
Neilson ampliou suas críticas a “todos os governos que não defenderam a população”, e não apenas ao atual. Segundo ele, a Vale, com a qualidade de profissionais que dispõe, sabe as consequências que o passivo de minério, descartado indiscriminadamente entre os anos de 1969 e 1984 na ponta de Tubarão, traz à sociedade, mas não divulga essa informação.
 
A ArcelorMittal também tentou emplacar, mais uma vez, a eficiência de sua barreira verde, comparando fotos da década de 80 com fotos atuais. Essas, claro, de um ângulo diferente, que evidenciasse mais a vegetação do que a degradação provocada pela siderúrgica na beira da praia – uma forma de vender a falsa ideia de evolução no quesito ambiental.
 
A todo momento, os representantes da sociedade civil lembraram que não estão lutando pelo fechamento da Vale ou da Arcelor, mas sim por uma melhor qualidade de vida para o cidadão capixaba. Em determinado momento, até o representante da siderúrgica confessou que a poluição expelida na Ponta de Tubarão incomoda a ele e a sua esposa.
 
Promessas
 
O deputado estadual Gildevan Fernandes (PV), presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia que, aliás, não assinou a CPI do Pó Preto, mandou recado por meio de Vereza, tentando justificar uma ausência sem justificativa.



“Temos deputados do PV que pouco representam o meio ambiente”, retratou Evandro Figueiredo, secretário da Associação de Moradores do bairro Jardim Camburi, classificado por ele e pelos demais moradores como “o bairro que mais sofre com o pó preto”. Evandro também cobrou maior transparência nos processos e na divulgação de resultados de estudos – a secretária Diane Rangel respondeu que os estudos são públicos , mas não são publicados, o que quer dizer que qualquer cidadão pode ter acesso a eles mediante solicitação.
 
O secretário da associação de moradores de Jardim Camburi também citou o caso da Usiminas, em Ipatinga, que por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi obrigada a instalar na cidade um painel digital de monitoramento em tempo real da qualidade do ar. O TAC que envolve a Arcelor e o MP, inclusive, foi alvo de uma pergunta do público: “Por que a Arcelor se recusa a assinar o termo?”. O representante, Guilherme Correa de Abreu, disse que a empresa “nunca” se negou a assinar um TAC e relatou que a siderúrgica está tentando entrar em acordo com o MP, com relação às condicionantes ambientais, pelo Núcleo de Conciliação Jurídica do Tribunal de Justiça (TJ).
 
Já Gilsinho Lopes (PR), relator da CPI do Pó Preto, classificou que os deputados favoráveis ao processo foram “tratorados” duas vezes: primeiro pelas empresas, que adentraram a Casa para pedir a retirada da assinatura dos deputados, e segundo pelo governo do Estado, “que deveria proteger a população, não o bem privado”. Gilsinho também criticou uma das propostas da secretária Diane Rangel, que sugeria investimentos públicos para que as empresas reduzissem a poluição. “Acho um contrassenso público o governo investir mais uma vez no setor privado, que deveria proteger a população”, opinou.



Como já não era de se esperar, nenhuma decisão concreta foi retirada dessa reunião. Apenas promessas foram reiteradas, como a da secretária Diane Rangel de formular o Plano de Qualidade do Ar (PQAr) e reformular o inventário de emissões, cujo último foi feito no Estado há seis anos. Durante a apresentação de Diane, um cidadão presente na audiência, inclusive, questionou: “Ela é secretária da Vale ou da CST [ArcelorMittal]?”.

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