Quinta, 02 Mai 2024

Vale e Arcelor são responsáveis pela instalação do porto em Ponta da Fruta

Vale e Arcelor são responsáveis pela instalação do porto em Ponta da Fruta
O principal destaque da audiência pública realizada nessa quarta-feira (12) na Assembleia Legislativa sobre o superporto pleiteado para o município de Vila Velha foi, sem dúvidas, um documento intitulado “Considerações sobre as manifestações da sociedade civil”, anexado ao estudo da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) em que a Vale, a ArcelorMittal, a Gerdau e a Usiminas declaram que se tal empreendimento fosse instalado em Praia Mole, na Serra, haveria um desalinhamento com planejamento elaborado pela ONG Espírito Santo Em Ação, que representa os interesses do empresariado no Estado.



Em outras palavras, causaria “severas interferências nos planos de expansão das empresas já instaladas no local”, justamente a Vale e a Arcelor. O projeto do porto foi, então, transferido para a Ponta da Fruta, onde causará inúmeros prejuízos a moradores e pescadores tradicionais, intensa degradação ambiental e usurpação do espaço da praia. 
 
A revelação foi feita pela representante do Fórum Popular em Defesa de Vila Velha (FPDVV), Irene Léia Bossois, que teve acesso tanto ao estudo da Codesa como ao documento em anexo. Não pelas versões oficiais da companhia, mas sim “por meio dos nossos contatos”, como ela mesma relatou.



O estudo da Codesa não ignora que a região da Ponta da Fruta, atualmente a mais cotada para a instalação do porto de águas profundas, tem condições de mobilidade urbana e de logística portuária totalmente desfavoráveis à instalação do empreendimento. Também detalha que a construção do superporto no balneário de Vila Velha sairá muito mais cara do que em Praia Mole. Entretanto, a escolha da região é apontada no estudo como um “refinamento técnico” dos resultados obtidos. 
 
“Tubarão não foi construído com recursos da Vale nem da Arcelor. Tubarão é público. E outro porto público deveria ser instalado somente naquela área, que já está degradada”, esclareceu Irene Léia. Após, pediu aos deputados e vereadores que convocassem a população da região que será impactada pelo porto a participarem de um referendo sobre a instalação do empreendimento.
 
Anteriormente, Irene, que é mestre em Planejamento Urbano e Regional, apresentou o Plano Diretor Municipal (PDM) de Vila Velha e seus artigos referentes ao uso e ocupação do solo, que não condizem com a instalação de um porto de águas profundas naquela área. Pelo PDM (Lei 4575/2007), a instalação do porto não é compatível com nenhuma das zonas de uso da Região Administrativa V, que engloba os bairros da Grande Terra Vermelha e Guaranhuns, a área mais impactada com a instalação do empreendimento.



O superporto é planejado para uma área ambientalmente diversa e com ocupação restrita, composta por Zonas de Especial Interesse Ambiental (ZEIAs), Zonas de Ocupação Restrita (ZORs), Zonas de Ocupação Controlada (ZOCs) e Zonas de Proteção do Ambiente Cultural (ZPAC). Nenhuma delas compatível com o impacto do superporto que, como registrou Irene, será de, no mínimo, grau IV, quando o PDM sequer autoriza para a região impactos de grau III.
 
“A Prefeitura deve muito a essa região um plano de incentivo ao turismo. Essa região está abandonada, o que leva os moradores a acreditarem que o superporto será a redenção do local”, destacou, frisando que o poder público poderia ter diversos outros benefícios se aproveitasse o potencial ecológico da região para gerar riquezas. “Aceitar o porto é abrir mão da importância histórica do local e impactar diretamente as famílias da região, que buscam tranquilidade em seus lares. É um impacto grande demais para que a população de Vila Velha não acompanhe de perto esse projeto”.
 
Os danos ambientais não deixaram de ser, mais uma vez, explicados pela ONG Voz da Natureza e pelo Instituto Jacarenema de Pesquisa Ambiental (Injapa), representados respectivamente pelo oceanógrafo Hudson Pinheiro e Petrus Lopes. Petrus, aliás, classificou o porto como “uma ideia fora de hora e de local”, lembrando que sua instalação acontecerá em um ponto crucial entre as bacias do Rio Jacarandá e do Rio do Congo, que contribuem com a cheia do Rio Jucu.



“O que será de Vila Velha na próxima chuva forte, se essa área estiver terraplanada?”, questionou, dando a dimensão real do problema. Petrus também cobrou da Prefeitura de Vila Velha a criação da Área de Proteção Ambiental (APA) Lagoa Grande, bem como a constituição de seu conselho, que serão essenciais para levar o debate da construção do superporto à população local e, também, para que haja ainda mais enfrentamento da sociedade civil a esse projeto. Como ele mesmo ponderou, a própria população precisa se unir. “Essa discussão já passou dos limites. Está claro que o porto não deve ir para Vila Velha e que só está indo por conta da força de grandes empresas”, finalizou.
 
O porto é uma reivindicação antiga dos trabalhadores portuários, representados na audiência por Luiz Fernando Barbosa Santos, engenheiro civil e advogado da Comissão de Excelência da Orla Portuária. Entretanto, como relatou, os trabalhadores são contra a instalação do terminal portuário em Ponta da Fruta. Ele retratou que o Estado está, sim, com sua infraestrutura portuária defasada quando comparado às instalações portuárias voltadas para contêineres - o foco do superporto - dos estados vizinhos, Rio de Janeiro e Bahia, que já recebem os maiores navios do mundo. Mas que esse cenário se deve a um longo atraso na tomada de decisões.
 
Desde 1975, relatou, a necessidade do aumento da capacidade do porto de Praia Mole já era prevista em estudos e, inclusive, um projeto em que a Prefeitura de Vitória, o governo do Estado e o governo federal se envolviam para a ampliação desse porto foi apresentado na Bélgica, devido à sua capacidade de provocar baixos impactos. “Para quê impactar áreas verdes se já há áreas impactadas?”, questionou, acrescentando que já há um protocolo de intenções que sinaliza a instalação de um superporto de contêineres no Estado na área em questão. Esse protocolo, segundo Luiz, foi firmado em 2009 entre as três instâncias do poder público e já determina como e onde esse porto deve ser construído.
 
A Voz da Natureza realizou uma apresentação sobre a realidade biológica da região, semelhante à que já havia feito em debates realizados no município de Vila Velha. Serão consequências negativas da instalação do superporto em Ponta da Fruta a extinção de animais, com interferências nas populações de baleias Jubarte, de tubarões, de botos e de golfinhos; o sumiço dos pescadores, comunidade tradicional na região; e prejuízos às populações de tartarugas, muitas das quais, de toda a costa brasileira, desovam apenas no litoral capixaba.
 
Como acrescentou o representante dos trabalhadores portuários, o estudo do superporto também não estima as consequências da construção de um quebra-mar na região, que fatalmente direcionará as ondas para locais que serão impactados, dessa vez, pela reação do mar à construção da barreira.  Também não há registros, como lembrou Luiz, das consequências das construções de diversos quebra-mares, tão próximos uns dos outros, ao longo da costa capixaba.
 
Além disso, como retratou Hudson, faltam informações sobre o real consumo da água empregada no funcionamento desse porto e soluções para os problemas estruturais que serão causados pela obra e pela população flutuante que chegará, inevitavelmente, ao balneário em busca de emprego, e também a submissão do projeto ao Conselho Estadual de Cultura (CEC), que  não recebeu nenhum dos projetos referentes aos quase 30 portos planejados para o litoral do Estado.
 
Hudon destacou que há, cada vez menos, uma valorização ambiental da costa capixaba, que também tem ligação com as formações rochosas das ilhas de Trindade e Martin Vaz, além de possuir formações rochosas que impedem emissões de carbono. Segundo estatísticas apresentadas pelo oceanógrafo, o turismo em Unidades de Conservação (UCs) gera cerca de R$ 2 bilhões/ ano em todo o país, e o potencial que o Espírito Santo tem para esse tipo de atividade está sendo desperdiçado. No Estado, segundo Hudson, seis parques estaduais movimentaram no último ano cerca de R$ 6 milhões.
 
Hudson não deixou de apresentar, novamente, o porto de Roterdã, o maior da Europa, localizado na Holanda. Um projeto de impacto concentrado que os oceanógrafos acreditam ser a melhor das opções dentre o crescimento portuário que, indiscutivelmente, se torna necessário. Apesar de ocupar uma grande extensão, o porto concentra centenas de empresas em apenas um local, não permitindo a degradação de outras áreas, e abastece grande parte do continente. Estratégia muito diferente da que está sendo planejada para o Estado, onde, segundo os cálculos do oceanógrafo, será construído um porto para cada 20 quilômetros de costa.
 
A mesa de debates da noite também foi composta por Marcus Zanotti Breciani, superintendente da Codesa, que afirmou não ter conhecimento do estudo ao qual Irene Léia teve acesso; além do deputado Cláudio Vereza (PT), presidente da Frente Parlamentar Ambientalista do Estado, que prometeu levar ao Congresso Nacional a proposta de debater, a nível federal, a construção do superporto na região de Ponta da Fruta, conforme sugestão dos demais participantes da audiência. O deputado também disse que vai “estudar” a ideia do referendo e propôs ao FPDVV que anexe aos estudos da Codesa os documentos da sociedade civil (a real sociedade civil) demonstrando posição contrária à instalação do empreendimento em Ponta da Fruta.
 
A população de Vila Velha e até mesmo entidades de locais que parecem distantes do problema estiveram amplamente presentes e representadas no debate por meio de associações de moradores, ONGs e movimentos sociais. O vereador do município Zé Nilton (PT) também participou do encontro e se mostrou contrário à instalação do porto em Ponta da Fruta.

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