Sábado, 27 Abril 2024

Vale tentou 'comprar' depoimento de ex-gerente em audiência do Senado

Vale tentou 'comprar' depoimento de ex-gerente em audiência do Senado
O advogado capixaba Ricardo Ribeiro, que defende o ex-gerente da Vale André Almeida, responsável por revelar as ações de espionagem e infiltração da mineradora a funcionários, jornalistas e representantes de movimentos sociais, denunciou à Comissão de Direitos Humanos do Senado, nesta quinta-feira (24), que a empresa propôs acordo no processo que tramita na Justiça do Trabalho para evitar a presença de Almeida na audiência pública convocada pela senadora Ana Rita (PT).
 
O preço seria alto: além se negar a comparecer ao debate, o ex-gerente teria que assinar um documento afirmando que suas denúncias são falsas e ainda ficar mais um ano sem prestar declarações à imprensa. Em troca, a Vale ofereceu R$ 320 mil ao denunciante mais R$ 80 mil de honorários - as ações trabalhistas movidas pelo ex-gerente na Justiça totalizam R$ 6 milhões -, que seriam pagos em três parcelas, uma entrada, a segunda em seis meses e a última um ano depois. A Vale também prometia reverter a demissão por justa causa para sem justa causa para "limpar a ficha" do ex-gerente. A proposta foi feita ao advogado capixaba pelo diretor jurídico da Vale, Rafael Grassi, em uma reunião realizada no Rio de Janeiro. A empresa enviou as passagens aéreas.
 
“Meu cliente perdeu a vida e o casamento, está doente, e foi preterido em mais de 50 tentativas de emprego, entrou na ‘black list’ do meio empresarial, devido ao modus operandi da Vale, totalmente reprovado. A proposta é absurda. Vou continuar defendendo o André e os movimentos sociais”, pontuou Ribeiro, ao final de sua fala na audiência. 
 
O advogado também apresentou provas, nota fiscal e fotos tiradas por infiltrados da mineradora em reuniões de movimentos sociais e anexadas aos relatórios periódicos de “monitoramento” da Vale. 
 
Uma das imagens exibidas foi a de Valdinei Tavares, coordenador estadual do Movimento Nacional por Moradia e vice-presidente da ONG Amigos da Barra do Riacho, em Aracruz. Ele e Gustavo De Biase, na época do Psol, foram citados no relatório “Recuperação de posse do terreno Bicanga”, produzido em setembro de 2011 pelo Departamento de Segurança Empresarial (Dies).
 
Também foram lembrados por Ribeiro os casos da investigação ao artista plástico do Estado, Filipe Borba, e do lobby da Vale para liberação de projetos estratégicos da mineradora no governo Paulo Hartung (PMDB), tendo como personagem central o ex-governador biônico Arthur Gerhardt Santos (1971 - 1975), sócio da empresa contratada para facilitar o processo, a Sereng Engenharia e Consultoria Ltda.
 
Além disso, Ribeiro informou à Comissão da queixa-crime que responde, movida pela Vale, por declarações dadas à imprensa do Estado como porta-voz de Almeida. Na falta de manifestação da seccional capixaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES) após conhecimento do caso, Ribeiro pediu que a tentativa de intimidação e cerceamento de sua atividade profissional fosse relatada à OAB Nacional. O encaminhamento foi devidamente acatado pela senadora Ana Rita.
 
Pedestal
 
André Almeida, que compôs a mesa de convidados da audiência e pela primeira vez se expôs publicamente e apresentou suas denúncias oficialmente, fez um breve resumo dos fatos que vem denunciando desde março deste ano, por meio da imprensa. Responsável por operar algumas das ações da Diretoria de Segurança da Vale, antes de ser demitido em 2012, o ex-gerente ressaltou a arrogância da empresa no trato com os movimentos sociais e com as comunidades afetadas por seus empreendimentos. 
 
“O que a Vale gasta para monitorar seus empregados, jornalistas, políticos e movimentos sociais, poderia investir nas comunidades. Somente para mudar sua marca, de Companhia Vale do Rio Doce para Vale, foram gastos R$ 70 milhões. Se saísse do pedestal e conversasse com os movimentos sociais, mudaria sua imagem. Mas são gerações e gerações de ilegalidade”. 
 
Almeida também voltou a destacar o poder da Segurança Empresarial da empresa, setor responsável por resguardar a “ética e moralidade da Vale”, e que fica no último andar do Centro Corporativo, acima do gabinete do presidente da empresa, Murilo Ferreira e “acima do bem e do mal”. “Quem fiscaliza os fiscais?”, questionou.
 
O ex-gerente afirmou que, inicialmente, acreditou quando Ferreira anunciou a realização de uma auditoria na Vale para apurar as denúncias, logo que o escândalo ganhou a imprensa, pela coluna Radar, da Veja. “Já tinha participado de uma reunião com ele, quando se mostrou indignado pelo uso aleatório do dinheiro da empresa”, disse, pontuando logo em seguida que um dos gerentes da Segurança Empresarial, Gilberto Ramalho, e o auditor Adilson Medina, são amigos.
 
Justifica?
 
Como esperado, apesar de convidada, a Vale não compareceu à audiência pública. Em comunicado enviado à senadora Ana Rita, a diretora de Relações Institucionais, Salma Torres Ferrari, justificou a impossibilidade de comparecimento por “infeliz coincidência de datas”, já que participaria de outro evento no mesmo dia.
 
A postura da empresa foi duramente criticada pelos participantes. “O silêncio da Vale é constrangedor. Cadê as respostas da Vale, sejam elas quais forem?”, disparou o ex-gerente André Almeida, que entregou cópias das denúncias feitas ao Ministério Público Federal no Rio de Janeiro  (MPF-RJ) à Comissão de Direitos Humanos.
 
O deputado federal Chico Alencar (Psol/RJ), que em agosto questionou o governo federal sobre as investigações, foi além: “o silêncio da Vale não é só constrangedor, mas também revelador. Significa que fez, não tem o que dizer aqui. Passou de qualquer limite”. 
 
Alencar afirmou ainda que a empresa age dessa maneira pois sabe que o Brasil precisa de commodities, “então não precisa se submeter a lei alguma, está acima de qualquer suspeita. Domina mandatos e governo, pode destruir vidas públicas e carreiras”. 
 
O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) também cobrou esclarecimentos da empresa e Ana Rita, presidente da Comissão, lamentou a ausência da Vale. Para ela, a mineradora perdeu a oportunidade de dialogar com os movimentos sociais. 
 
As críticas embasaram outro encaminhamento do debate à própria Vale, que será oficiada a prestar as devidas informações em relação às denúncias, bem como sobre o andamento da auditoria anunciada em abril deste ano. 
 
No próximo mês, outra audiência pública complementar ao debate será realizada pela Comissão. Desta vez, com o tema “os grandes projetos e os empreendimentos siderúrgicos”. 
 
A audiência pretende contribuir para a polêmica sobre o Código da Mineração, previsto para ser votado no mesmo mês, a toque de caixa, sem debates com as comunidades envolvidas. Condução do processo pelo governo federal, para atender aos interesses do empresariado, também foi motivo de questionamentos por representantes dos movimentos sociais no encontro desta quinta. 
 
Favorecimentos
 
Ainda na audiência, o coordenador de projetos da Justiça Global, Gabriel Strautman, destacou o papel do Estado em garantir os interesses da mineradora Vale, seja financiando empreendimentos por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), seja com omissão em relação aos casos graves de espionagem e violações aos direitos humanos. “Não são apenas países que praticam espionagem, empresas também. Para a Vale, espionagem é ‘prevenção de crise”.
 
Strautman lembrou que as denúncias de espionagem e infiltrações realizadas pela mineradora não são novidade e relatou os casos de invasão do escritório da Justiça nos Trilhos e do site da entidade, e ainda de uma infiltração no Movimento Xingu Vivo para Sempre. Ele afirma que as entidades sempre tiveram a sensação da presença de infiltrados. 
 
“Tempo é dinheiro. Então, para Vale, a democracia é perda de tempo e prejuízo. A empresa viola direitos, para continuar violando e conseguir avançar com seus projetos”.  
 
O coordenador da Justiça Global enumerou as tentativas dos movimentos sociais de cobrar urgência na apuração das denúncias, considerando sua gravidade, porém, sem respostas dos órgãos responsáveis. Ele cobrou da presidente Dilma Rousseff o mesmo comprometimento que adotou em relação à espionagem dos EUA e Canadá. 
 
Strautman ressaltou ainda o silêncio da grande imprensa no caso, devido aos volumosos recursos de publicidade que recebe da Vale. O coordenador não deixou de lembrar, também, do título de pior empresa do mundo recebido pela mineradora em 2012. “A Vale já foi orgulho do País quando era uma empresa pública, hoje é uma vergonha”. 
 
Cultura do encontro
 
Repúdio e indignação foram os sentimentos expressados por Dom Guilherme Werlang, presidente da Comissão Pastoral para os Serviços de Caridade, Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CCNBB), sobre a prática de espionagem. Expediente, segundo ele, utilizado na época da ditadura militar, marcada por tortura, perseguições e ataques à liberdade de imprensa. 
 
“Em pleno Século 21, quando se comemora os 25 anos da Constituição Federal, não se pode tolerar monitoramente clandestino de lideranças sociais em nome de projetos econômicos”, pontuou. 
 
O presidente da Comissão Pastoral lembrou que hoje o Executivo faz audiência pública apenas para consolidar o que já está definido, contrariando o significado da própria palavra, que vem do latim e propõe o debate. “Em um debate, pode sair uma proposta diferente da original”. 
 
Essa troca, segundo Dom Guilherme, é salutar para o aprimoramento da democracia, e não tratar os movimentos sociais que questionam os graves impactos de empreendimentos como inimigos que precisam ser deslegitimados e colocados na marginalidade. 
 
Ele se remeteu ao Papa Francisco, para defender o “diálogo, diálogo, diálogo” como única maneira da sociedade crescer. “A cultura do encontro entende que todos têm algo para receber e oferecer. Ou se aposta no diálogo, ou todos perdemos”. 
 
Providências
 
Além de ofício à Vale e à OAB Nacional, foram anunciados pela senadora pedido de informações ao Gabinete Institucional de Segurança da Presidência da República para manifestação sobre a atuação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no caso da Vale; e o envio de documentação à Polícia Federal (PF), cobrando rigor e celeridade na apuração das denúncias.
 
Também ficou definido o encaminhamento das denúncias às agências financiadoras dos projetos da empresa – BNDES, principalmente  -; aos organismo internacionais que têm parceria com a mineradora; à comissão especial da Câmara dos Deputados que discute o novo Código da Mineração; e à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado que investiga a espionagem ao governo brasileiro.
 
Embora questionados há meses pelas entidades sociais pela omissão e falta de respostas em relação às investigações, a coordenadora geral da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, Irina Karla Bacci, e o coordenador da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Patrick Mariano, garantiram que o caso tem sido devidamente apurado pelo MPF e Polícia Federal, com acompanhamento do governo Dilma. Os dois manifestaram repúdio à prática de espionagem.



A representação ao Ministério Público, inicialmente feita no Rio de Janeiro, foi transferida para o Pará, onde está a cargo da procuradora da República, Nayana Fadul. Ela participou da audiência pública, mas pouco teve a dizer, já que a investigação ainda está no início.



O delegado da Federação Internacional dos Direitos Humanos (FIDH), Javier Mujica, sugeriu que o Senado crie uma comissão de investigação sobre o tema, e pediu que o Ministério Público, o Ministério da Justiça e a Polícia Federal façam uma investigação "séria, livre de pressões e com conclusão em um prazo razoável".



 

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