Segunda, 29 Abril 2024

Vídeo-documentário alerta para uso predatório da costa capixaba

Vídeo-documentário alerta para uso predatório da costa capixaba
A Associação Ambiental Voz da Natureza lançou nessa segunda-feira (24), na sede do Projeto Tamar da Praça do Papa, em Vitória, o vídeo-documentário Cadeia Vitória-Trindade: um trampolim para peixes recifais, uma produção baseada em pesquisas desenvolvidas no arquipélago de Trindade e Martim Vaz pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Voz da Natureza e Universidade da Califórnia (California Academy of Science).
 
O vídeo-documentário trata, basicamente, da rotina dos pesquisadores que se lançam ao mar, em uma viagem somente de ida que leva cinco dias em um pequeno barco, para estudar a peculiaridade do ponto mais ao leste da costa brasileira. Mas não só isso. São poucos mais de dez minutos de belas imagens, que dão uma mínima noção da grandeza que se esconde a tantos metros da costa e tão longe daquilo que se chama de civilização. Talvez o distanciamento do que se convencionou chamar de progresso e desenvolvimento tenha feito com que o arquipélago de Trindade e Martim Vaz se mantivesse com tão rica biodiversidade.
 
Antes mesmo do lançamento oficial do vídeo, as palestras dos pesquisadores Eric Mazzei, Hudson Pinheiro, João Batista Teixeira e Raphael Macieira deram a dimensão da riqueza que se pôde retratar: são 154 espécies de peixes na ilha da Trindade e 97 em Martim Vaz – todos desta ocorrem naquela, mas nem todos daquela ocorrem nesta; 7,8% dos peixes encontrados na área são de espécies endêmicas, ou seja, que só ocorrem naquele local; vários desses mesmos peixes possuem espécies-irmãs que somente ocorrem em regiões como o arquipélago de Fernando de Noronha, o Caribe e as Bahamas; 12% de todas as espécies marinhas do arquipélago de Trindade e Martim Vaz estão em risco de extinção e 52 vivem abaixo da profundidade que os pesquisadores puderam chegar.
 
Segundo Eric Mazzei, oceanógrafo e pesquisador, o Espírito Santo possui o maior banco de rodolitos, algas calcárias que crescem desprendidas do substrato, em todo o mundo, e Trindade abriga uma importante área de preservação dessa espécie oceânica. Além disso, a Cadeia Vitória-Trindade, composta por montanhas submersas pelo mar e por ilhas, funciona como um trampolim de espécies, que se dispersam entre o arquipélago e a costa capixaba e vice-versa – daí o nome do vídeo-documentário. É uma biodiversidade que depende diretamente dos animais que existem na costa capixaba.
 
Os indivíduos da costa, como ressaltaram, constantemente colonizam os montes, como são chamadas as montanhas em alto mar, mas não necessariamente conseguem competir com os nativos. Trindade abriga toda uma cadeia alimentar com animais em constante evolução, mas também funciona como um museu de espécies milenares. Ou seja, um filtro ecológico de seleção e adaptação dos animais.
 
Além disso, como explicou Soraya Christina Bruno, pesquisadora do Projeto Tamar, são monitoradas as populações de tartarugas marinhas presentes no arquipélago, com especial destaque para as tartarugas da espécie Chelonia mydas, segunda maior população de tartarugas do Atlântico Sul e sétima do mundo, que têm na Ilha de Trindade um de seus principais berços para desova. Nos últimos anos de monitoramento feitos pelo Tamar na Ilha, foram detectados anualmente cerca de 3,6 mil ninhos de tartarugas, dos quais nasceram cerca de 300 mil filhotes.
 
Os riscos à tamanha biodiversidade disposta em apenas duas ilhas também são muitos. A sobre-exploração de peixes de interesse comercial, a ameaça da pesca aos grandes predadores (como tubarões e garoupas, responsáveis para a manutenção da cadeia alimentar), a pesca industrial e recreativa, e a dificuldade de fiscalização das atividades ilegais fazem com que a proteção da fauna e flora do arquipélago se torne uma tarefa ainda mais difícil. Vários dos peixes que são pescados, aliás, vivem em um alto grau de isolamento, o que dificulta ainda mais o processo de recuperação da sua espécie. Isso sem contar a exploração mineral das rochas calcárias, um recurso natural não renovável, mas ainda assim muito ameaçado.
 
O pesquisador Raphael Macieira apresentou registros fotográficos do ano de 1920 que já denunciavam existir naquela época uma intensa exploração pesqueira em Trindade. Já um relato feito por um navegador em 1887 retratou que era possível ver, ao redor da ilha, oito espécies de tubarões – as quais, hoje, não frequentam ou apenas passam pelas ilhas, impedidas de permanecerem no local por conta da grande ameaça da pesca predatória. “É uma exploração não justificada para um laboratório de ictiofauna incrível”, considera.
 
Além de Trindade, o Banco de Abrolhos, localizado entre o norte do Estado e o sul da Bahia, possui uma importância significativa para a fixação de carbono no mar. Entretanto, como retrata o oceanógrafo Hudson Pinheiro, muitas vezes as empresas e o próprios governo do Estado apenas enxergam tal função como um depósito de biomassa, sem considerar a importância biológica e para o equilíbrio da vida na terra que tal construção possui.
 
Os pesquisadores são unânimes em concordar que embora o Espírito Santo tenha um enorme, único e peculiar potencial para investir em seus recursos naturais, seja no turismo ou como objeto de pesquisa, o governo estadual prefere dispender verba em projetos extrativistas, na promoção de técnicas de pescas predatórias e na construção de portos, que contrastam com a intenção da preservação exercida pelos pesquisadores. Pesquisas são feitas, mas atendendo ao único objetivo de servir ao sistema.
 
Projetos como o do superporto de Vila Velha, que é ainda uma intenção, e o Estaleiro Jurong de Aracruz (EJA), que devastou uma área de rico remanescente marinho e terrestre, tanto animal como vegetal, são grandes ameaças à biodiversidade do arquipélago, cujas espécies, mesmo a 1,2 mil quilômetros de distância, são severamente impactadas com as drásticas mudanças biológicas e geográficas às quais a costa capixaba é submetida com o avanço desses empreendimentos. Foi lembrado por João Batista, inclusive, o fato de que várias Áreas de Proteção Ambiental (APAs) do litoral capixaba, que englobam ambientes marinhos e costeiros, só foram aprovadas a partir da instalação desses grandes empreendimentos.
 
Sob um discurso de desenvolvimento, o governo mascara uma perda incalculável na biodiversidade de uma região, ainda tão pouco explorada pelas pesquisas científicas. Apesar do pouco apoio, os pesquisadores destacam que a Ufes se tornou, com seus trabalhos no arquipélago, a instituição mais avançada e referência entre as que realizam pesquisas semelhantes – conquista que poderia ser ainda maior e mais abrangente caso o governo desse o devido apoio à pesquisa científica realizada no próprio Estado. Ou seja: enquanto as pesquisas científicas avançam de um lado, o “progresso” destrói, do outro, as riquezas mais recentemente descobertas.
 
A ideia do grupo, agora, é fazer com que os estudos que são desenvolvidos no Espírito Santo se tornem referências mundiais para pesquisas que abranjam populações com as mesmas especificidades das que se observa em Trindade e Martim Vaz. Além disso, querem retomar, por meio da Voz da Natureza, associada à Marinha do Brasil, o projeto do naturalista André Ruschi, filho do também renomado naturalista Augusto Ruschi, que pretendia transformar a cadeia Vitória-Trindade em uma APA, nomeação que abre ainda mais o leque para a pesquisa científica e para a proteção ambiental.
 

Veja mais notícias sobre Meio Ambiente.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Terça, 30 Abril 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://www.seculodiario.com.br/