Quinta, 25 Abril 2024

‘O suicídio é somente um sintoma da completa improvisação da segurança pública’

‘O suicídio é somente um sintoma da completa improvisação da segurança pública’

“O suicídio é somente um sintoma terrível e inaceitável da completa improvisação que se verifica na estrutura de segurança pública brasileira”. A afirmação é do advogado criminalista Roberto Darós, mestre em Direito e professor, especialista em Ciência Policial e Investigação Criminal na Escola Superior da Polícia Federal (ESP/ANP/PF).



Analisando as últimas estatísticas, Darós ressalta que a taxa de suicídios na Polícia Federal – onde trabalhou por décadas, antes de iniciar a carreira acadêmica – atingiu níveis quatro vezes superior daqueles enfrentados pela população em geral, sendo que as demais corporações policiais padecem desse mesmo mal e seguem taxas muito próximas. 



Uma pesquisa realizada pela Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) apontou que, durante os últimos dez anos, 31 policiais do órgão ceifaram a própria vida. Os dados do Ministério da Saúde, por sua vez, revelam que no ano de 2016 o índice de suicídios por 100 mil habitantes foi de 5,8 % (11,4 mil pessoas). Com efetivo total de 13,4 mil policiais e registrando 33 suicídios, o percentual da PF é de 23,13%, o que a coloca na 7ª posição mundial no índice de suicídios das corporações policiais. 


A situação da Polícia Militar não é diferente. No Espírito Santo, os casos de suicídio de PMs cresceram especificamente após fevereiro de 2017, quando houve o movimento paredista de 21 dias da categoria. As estimativas são de 70 tentativas nos últimos dois anos, de acordo com levantamento da Associação de Cabos e Soldados do Espírito Santo (ACS).



“Essa epidemia se espalha silenciosamente por todas as corporações policiais, seja nas delegacias, quartéis e superintendências, e tem seu fundamento em doenças mentais congênitas ou adquiridas no decorrer do desempenho da profissão e ainda mais agravadas com o elevado nível de estresse da atividade policial operacional, as disputas internas baseadas em egocentrismos e vaidades por cargos no exercício do poder administrativo, o assédio moral exercido pelos superiores hierárquicos contra os demais colegas policiais, considerando-os seus meros auxiliares, a excessiva carga de trabalho; e a ausência de setores de acompanhamento e tratamento psicológico na maioria das corporações policiais”, analisa Roberto Darós.



Nada disso tem sido enfrentado pelos governos, aponta o especialista. “Nossos representantes políticos seguem na contramão da história mundial relativa às diretrizes para a Segurança Pública e iludem os cidadãos com discursos enganosos dizendo que o problema da criminalidade e da impunidade vão ser resolvidos quando houverem penas mais rígidas e chegam a propor ‘50 anos de cadeia’ para o crime de homicídio ou quaisquer outros delitos graves”. 



Essas propostas de expansionismo penal e redução da maioridade penal, que têm forte ressonância social, diz, “são um claro atestado de desespero e angústia da população”, porque não se tem a coragem de identificar qual a verdadeira causa da violência: o falido modelo de investigação criminal, as estruturas arcaicas das corporações policiais e o baixo índice de resolutividade dos crimes, gerando a impunidade. 







Darós vê também, no chamado ciclo incompleto da ação policial, outro importante fundamento da crise entre as corporações e ilustra o fato com um exemplo cotidiano: “uma equipe da Polícia Militar inicia um serviço de patrulhamento e prende um indivíduo criminoso. Eis aí a autoria e materialidade do crime. Mas essa equipe tem obrigação por lei de encaminhar essa prisão em flagrante para outro órgão policial, a Polícia Civil, para concluir um trabalho que não sabe como começou, estrangulando e burocratizando o trabalho policial”, critica. 



Esse modelo falido, condena o advogado, é o Inquérito Policial, criado em 1871 e funcionando até hoje com a mesma morosidade, ineficiência e incompetência funcional. “Isso gera o retardamento e burocratização das investigações criminais que somente serão modernizadas com a extinção do IPL e a criação de um novo e eficiente instrumento de investigação criminal”, propõe. 



Outra medida necessária é a reestruturação de todas as corporações policiais, com definição clara das competências e atribuições constitucionais de cada órgão, por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) a ser interposta pelo Congresso Nacional. 



Aventureiros políticos 



À estrutura conceitual colonial, seguem hábitos arcaicos da administração púbica: ostentação de carros potentes, armas modernas e computadores mirabolantes, que são entregues aos representantes dos órgãos policiais em grandiosos eventos de mídia – uma prática falaciosa que em nada consegue alterar a “estrutura medieval, injusta e ineficiente das corporações. São muitos os aventureiros políticos que apresentam fórmulas milagrosas e inócuas para o controle da criminalidade”, ataca. 



A excessiva entrega de certificados e medalhas por meio de uma exagerada glamorização da atividade policial também é condenada pelo especialista, pois “não celebra os verdadeiros policiais de rua, aqueles que estão doentes de tanto trabalharem sob pressão e contraem enfermidades mentais que são agravadas pela atividade de polícia e a péssima gestão dos órgãos policiais”.



Nesse contexto dramático, diz, surge a epidemia dos suicídios entre os operadores da Segurança Pública. A crise, reafirma, reflete uma realidade que os administradores não querem admitir: “a polícia brasileira está doente”. 



“Nossos heróis precisam urgentemente de atenção, tratamento e acompanhamento psicológico, sob pena de autodestruição de todas as categorias policiais gerando a desestabilização das instituições democráticas e a falência da república”, clama.



A solução, enfatiza, passa pela modernização de toda a estrutura da Segurança Pública, por meio da valorização efetiva dos profissionais, com salários dignos e apoio psicológico, social, médico, odontológico e jurídico. 



Assédio moral



“Muitos desses profissionais convivem anos e anos com a doença silenciosa, sem que a administração pública tome medida eficaz de apoio social e tratamento do servidor, acentuando-se ainda mais a problemática com a instauração de processos disciplinares, em muitos casos originados na dependência química ou decorrente dos sintomas ocasionados pela doença mental”, denuncia. A estes, ainda são delegadas as atividades mais árduas, incluindo os doentes ainda não declarados oficialmente e de difícil constatação visual. 



Há um outro grupo de policiais, no entanto, “mais influentes e bem relacionados com a elite administrativa”, que são “premiados”, com cursos e boas viagens de trabalho. “Essa é a forma mais tradicional e dissimulada de assédio moral exercido pelos superiores hierárquicos sobre os policiais que já enfrentam seus próprios fantasmas pessoais como, por exemplo, a predisposição que alguns trazem a possuírem doenças mentais”, expõe. 



O assédio moral se faz ainda por meio da sobrecarga de trabalho e das críticas exageradas quando o policial demonstra intenção de se afastar do trabalho devido a problemas psiquiátricos, situação em que os superiores ameaçam, veladamente, remover o enfermo para outro setor. Há ainda a prática de delegar àquele servidor os trabalhos mais insignificantes e desgastantes ou de simplesmente ignorá-lo no setor para que o mesmo fique constrangido.



“Mas tais assuntos são extremamente inconvenientes e sempre se opta pela omissão e o silêncio”, afirma. ”Quando se percebe que haviam tais condutas inadmissíveis institucionalmente, mais uma vida já foi autodestruída e tudo conspira para que não se aborde mais o assunto ou se apontem responsabilidades objetivas. E o ato de desespero que atenta contra a própria vida fica amplamente viabilizado porque, via de regra, esse servidor público utiliza (e possui) diariamente na atividade laboral diversas armas pessoais e funcionais”, depõe Roberto Darós. 



No fogo cruzado entre gestores equivocados e políticos mal-intencionados, o que cabe ao policial, no seu dia a dia? “É necessário e urgente agir em prol da consciência coletiva das categorias de operadores da Segurança Pública”, conclama. 



Uma recomendação é a” atitude diária discreta na vida pessoal e profissional, prezando sempre pela própria saúde física e mental, mantendo uma vida familiar equilibrada que preserve a paz espiritual “. 



A orientação, ensina Darós, é buscar ser sempre “o herói anônimo” e “estancar as exageradas postagens irreais em redes sociais que misturam e estampam a imagem da corporação por meio de fotografias sensuais, roupas sociais elegantes associadas a trajes operacionais, armamentos sofisticados e robustos como se fossem brinquedos pessoais, aeronaves e viaturas policiais ilustrando a vaidade de suas figuras inexperientes, criando imagens glamorosas e fictícias daquilo que não é o cotidiano de todos os policiais brasileiros”. Além de enganosa, a excessiva glamorização põe em risco a vida do policial e de sua família. “Ou alguém acha que criminoso não monitora a futura vítima pela web?”, provoca. 



Pedir ajuda é outra recomendação expressa: “se qualquer situação ou momento, por uma fração de segundo, for insustentável ou minimamente perceptível continuar caminhando, procure imediatamente apoio psicológico e considere-se em ‘missão cumprida’”, orienta.

Veja mais notícias sobre Segurança.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Quinta, 25 Abril 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://www.seculodiario.com.br/