Terça, 16 Abril 2024

???A cidade está sendo decidida pelo investidor privado???

???A cidade está sendo decidida pelo investidor privado???

Rogério Medeiros e Renata Oliveira



“Quando uma forma cria beleza tem na beleza sua própria justificativa”



Oscar Niemeyer





Com as eleições municipais definidas, o grande desafio dos prefeitos eleitos, sobretudo na Grande Vitória, é pensar uma agenda metropolitana para tentar encontrar soluções aos problemas comuns dos quatro maiores municípios da região: Vitória, Vila Velha, Serra e Cariacica. Em suas campanhas, os problemas comuns foram abordados pelos prefeitos, mas de forma isolada.



Para o arquiteto e urbanista Fernando Betarello, os desafios dos prefeitos eleitos são muitos e, muitos deles só poderão ser solucionados se houver um planejamento a longo prazo e com ações conjuntas. Para isso, ele chama a atenção para a necessidade urgente de se efetivar a região metropolitana, que está instalada e tem até um fundo, mas que não atua em práticas comuns para garantir uma melhoria nas questões mais delicadas de uma região que concentra metade da população do Estado.



Nesse sentido, ele destaca a importância de se criar por meio de uma secretaria de Estado, a participação do governo nas decisões, subsidiando os prefeitos e pensando a região,com captação de recursos e avaliação dos principais gargalos. Hoje, para Betarello, a iniciativa privada tem ocupado o espaço do poder publico no gerenciamento do fluxo populacional. Confira a entrevista de Fernando Betarello.





Século Diário – A Grande Vitória concentra cerca de metade da população do Estado. Do ponto de vista urbanístico, quais seriam os principais desafios dos prefeitos eleitos nos quatro maiores municípios do Estado?



Fernando Betarello – A região metropolitana vem crescendo em uma taxa maior do que a de crescimento do Estado na última década. Nesse período tivemos um incremento de população de quase 250 mil pessoas e essa é a região mais dinâmica do Estado. Dos investimentos econômicos anunciados para essa década no Estado, de R$ 62 bilhões, quase R$ 25 bilhões são para a região metropolitana e 80% desses investimentos são entre Anchieta e Linhares. Isso vai fazer com que a região continue crescendo, tanto em termos de população quanto  econômicos. Isso fará com que investimentos em infraestrutura aconteçam aqui. Isso é um ciclo. Você tem investimento econômico, que gera crescimento populacional, que demanda ações de estrutura.



– Mas, efetivamente, isso não traz ônus também?



–  O que está faltando e os prefeitos devem se posicionar é um planejamento metropolitano. A Grande Vitória teve um planejamento no final da década de 1970 e depois não teve mais. Quando acabou o recurso federal, porque era interesse de Brasília fazer esses investimentos nos grandes projetos aqui, secou essa fonte e o projeto metropolitano também parou. O último plano para a região metropolitana é de 1976, chama-se plano de estruturação do espaço. E é como você falou, a região concentra metade da população, metade dos veículos está aqui. Na última década, tivemos o incremento de 360 mil veículos novos. Você tem uma população que começa a ter renda, crédito e em contrapartida você não tem sistema viário que suporte, não tem um crescimento desse sistema viário, você não tem um transporte público eficiente, e o único planejamento que existe são os planos diretores, mas que não conseguem controlar essa questão maior, porque é uma questão metropolitana.



– E que outros fatores também são metropolitanos?



– O aumento da violência, porque você começa a crescer sem a estrutura, problema da habitação. Você tem vários problemas decorrentes dessa ocupação desordenada. Temos a questão da mobilidade, você não tem uma orientação de ocupação do espaço; você tem uma questão ambiental séria, porque você começa a trazer muito investimento econômico e não consegue controlar ambientalmente esses projetos. Os prefeitos vão ter desafios na área da violência urbana, por causa do aumento populacional, da infraestrutura, da falta de emprego, tudo isso gera uma violência urbana cada vez maior, a questão das drogas.



– Esses grandes projetos atraem uma contingente de fora da região e até de fora do Estado na fase da instalação, mas essa mão de obra não é absorvida na fase de produção...



– Assim aconteceu na época da CST [ArcelorMittal] e Vale do Rio Doce [Vale], esses bairros como São Pedro, Sossego, Carapina, na Serra...



– Vimos isso há pouco tempo em Anchieta também...



– Anchieta está começando. Tem uma periferia que não tinha, por conta da ampliação da Samarco e do anúncio desses investimentos. A população em busca do emprego vai para a região e acaba formando essa periferia, sem estrutura, e você tem esse fator da violência urbana. Tem demanda de saúde, educação e o poder público não consegue, não tem condições de estruturar na mesma proporção em que cresce a população e as demandas.



– Até porque essas empresas são da área de exportação e não pagam tributos...



– Outro problema é a questão da mobilidade. Com esse aumento de veículos e o transporte público ineficiente você tem esse gargalo e fica cada vez mais complicado porque é uma política nacional de geração de emprego e renda. Então, você tem crédito fácil e tem crédito para o privado, o automóvel, mas não tem crédito para o transporte coletivo. Isso gera um desequilíbrio em que a consequência é a piora da mobilidade. São desafios que não dependem exclusivamente dos prefeitos. A Grande Vitória é uma cidade. Depende de um trabalho conjunto, seja através de uma região metropolitana constituída de fato, seja através de consórcio, mas isso só se resolve com a região metropolitana.



– Durante os períodos eleitorais, observa-se que os prefeitos fazem suas plataformas em cima de problemas muito parecidos, como saúde, educação, segurança e mobilidade. Mas isso é tratado isoladamente. Quando se fala na questão da região metropolitana, os prefeitos se mostram sempre favoráveis, mas o projeto nunca se efetiva. O que falta para haver essa união? O Estado pode ingerir nesse assunto? Até que ponto?



– A Constituição de 1988 abriu a possibilidade de os estados poderem constituir suas regiões e em 1995 foi criada a região metropolitana da Grande Vitória, mas sem que se tenha dado instrumentação para ela. Em 2004 foi feita uma reformulação no Conselho Metropolitano e criado um Fundo Metropolitano. Esse fundo tem participação dos municípios e o objetivo era forçá-los a partir daí a comprometer os prefeitos com a região metropolitana. Isso está funcionando, os prefeitos têm colocado recursos e o Condevit [Conselho Metropolitano de Desenvolvimento da Grande Vitória], que é o conselho formado pelos prefeitos e o governo do Estado, tem até feito alguns trabalhos. Esses trabalhos são elaborados, mas acabam não tendo continuidade porque só tem um conselho de prefeitos. O que está faltando, no meu ponto de vista, e está passando da hora de isso existir, é uma secretaria de Estado assuntos metropolitanos, com técnicos capacitados e que você possa no dia a dia observar a Grande Vitória, fazendo projeto, captando recurso e assim dar sustentação ao conselho, fazendo os prefeitos pensarem e questionarem. Acho que está faltando essa ação do Estado para que essa região aconteça de fato.



– Alguns problemas são muito complicados. Quando se ouve falar em fazer um túnel, ligando Vitória a Vila Velha, por exemplo. Parecem ações isoladas e de uma eficiência questionável...



– Você não tem um planejamento metropolitano, você vê ações isoladas dos prefeitos ou uma ação específica do Estado, na área de transporte. Mas não é em cima de um planejamento. São transportólogos pensando a Grande Vitória, então ficam nessa questão restrita. O transporte é um dado dentro do planejamento metropolitano. Você tem que analisar uso do solo, onde estão as atividades econômicas, a questão ambiental, a habitação. O transporte é um dado. Não temos esse planejamento, que deveria, inclusive, servir de plano de fundo para os Planos Diretores Municipais. Para que todos falem a mesma linguagem dessa grande cidade que é a região metropolitana. Você não tem um planejamento metropolitano, você não tem um órgão para pensar o dia a dia da região. Como querer que isso funcione? Aí fala-se em quarta ponte. Daí a pouco vem o Dnit [Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes] e fala em reformular a segunda ponte, mas como o governo diz que vai fazer a quarta ponte, então o Dnit não vai mais reformular a segunda ponte. Não há um trabalho de médio prazo.



– Mas há uma concentração de atividades em Vitória que satura a ilha, atendendo aos demais municípios, ou a realidade está mudando?



–  Essa dinâmica urbana na região metropolitana está mudando. Você tinha, antigamente, esse direcionamento dos municípios vizinhos para Vitória, porque aqui você tinha saúde, educação, trabalho, mas a gente percebe que de cerca de cinco anos para cá, isso está mudando. A Serra já tem uma infraestrutura de hospitais, escolas, faculdades, agora começam a chegar os empreendimentos de compra. Você tem isso começando a se formar em Vila Velha e Cariacica também. As construtoras estão indo para esses municípios. Há uma dinâmica que abastece a população, que não precisa mais se deslocar para Vitória.





– Isso seria por conta do tráfego, da saturação dos espaços de Vitória, ou por uma dinâmica local mesmo?



– Por todos esses fatores. Mas uma pesquisa origem-destino, que se faz no transporte e eu conheço os dados de 2007, mostra isso. Os deslocamentos nos municípios, e Serra, Vila Velha e Cariacica já são maiores dentro do município do que desses municípios para outro. A população já está buscando deslocamento dentro de sua cidade. Esse é um questionamento para mim sobre o BRT  [Bus Rapid Transit], que é esse upgrade do Transcol, colocando o ônibus em uma pista exclusiva. Se isso está acontecendo do descolamento ser dentro do município, por que não começar a pensar em linhas circulares, que pegue residência e comércio? O investimento continua seguindo a estratégia de 30 anos atrás. O Transcol é de 1986, que você ligava Carapina a Campo Grande, porque o objetivo é reduzir o fluxo de pessoas para Vitória. Então a ideia era criar centros de comércio nesses municípios. Isso já aconteceu. E  como você não tem um planejamento metropolitano, vai se investir R$ 1 bilhão nesse BRT, mas será que a eficiência a médio prazo é o que é necessário para a Grande Vitória, quando vemos que as coisas estão acontecendo de forma diferente?



– Como vê esse projeto que promete resolver o problema de imediato?



– O transporte é a solução. Tem que ser melhorado, dado eficiência e qualidade para que a população tenha uma coisa confiável para se deslocar. Esse modelo do BRT eu tenho críticas, que não foram respondidas. Primeiro porque acho que ele não cabe em Vitória. A Capital não tem espaço em seu sistema viário que comporte a proposta do BRT. O Centro de Vitória é preocupante. O tráfego geral, não sei como vai ficar depois do BRT. Fico preocupado com esses mergulhões, que foi a forma encontrada para fazer a convivência entre o tráfego geral e o BRT. Mergulhão em Vitória, acho que não vai funcionar, se qualquer chuva enche as vias, imagina 5,5 para baixo. Como escoar essa água?



– E sobre os transportes alternativos, que muito se fala e pouco se efetiva?



– Acho que tem que ser um conjunto de coisas. É preciso um planejamento, para saber para onde vai o fluxo de pessoas e a melhor proposta para cada espaço. Estou vendo agora em São Paulo essa proposta do prefeito eleito Fernando Haddad [PT], Arco do Futuro. O projeto fala em levar para as periferias, nas grandes avenidas, comércio e serviço para que a população não precise se deslocar. Mas isso é fruto de um planejamento. Aqui não tem isso. Dei um dado anterior de que a população está se deslocando dentro do município. Onde está o trabalho dentro do município? Tem outro local para se incentivar? E os outros serviços?



– E a cidade de São Paulo tem uma população muito maior do que toda a Grande Vitória junta. Enfim, é o que está dizendo, é só uma questão de planejamento...



–  Sempre. A Grande Vitória tem um crescimento acima da média do Estado e até da média nacional, então, se você não estiver constantemente planejando, como saber o que fazer? Porque se você faz desordenadamente, quando faz, já passou o momento, a demanda já é outra.



– Há solução que a própria cidade vai encontrando. Antes Vitória era a cidade para trabalhar e Vila Velha a cidade-dormitório. Agora já encontra a solução por lá, para não ter que vir a Vitória. Na Serra, é a mesma coisa. Na falta de um planejamento do setor público, a própria cidade busca suas soluções...



– A cidade está sendo decidida pelo investidor privado, em conjunto com o setor público, que pode induzir, abrindo uma via, colocando o transporte coletivo, ou melhorando a infraestrutura de um determinado local. É assim que você induz as coisas. Isso está acontecendo pela iniciativa privada, que vê onde estão os terrenos mais baratos, que têm alguma infraestrutura e está lá edificando seus shoppings centers, seus edifícios residenciais. Isso vai criar uma densidade. A Serra já tem problemas de ligação com Vitória, porque só tem duas ligações. Cariacica só a segunda ponte, que já não comporta mais, e Vila Velha nem se fala. Vila Velha é um exemplo maior disso, porque quando fizeram a terceira ponte, o investidor foi para a Praia da Costa, porque tinha alguma infraestrutura, mas tudo sem planejamento municipal e metropolitano. Então, hoje, você já não consegue circular no horário de pico entre os dois municípios. Mas voltando à pergunta sobre os modais. É claro que tem que ter, você tem que atender à população de todas as formas. Fala-se em ciclovia. Ciclovia é para pequena distância. É um conjunto. A ciclovia tem sua função. O Aquaviário volta a ser viável de novo pela falta de investimento no sistema viário e esse número absurdo de veículos, a população andando de carro mesmo. E com essa via que é a baía de Vitória, mas sempre fazendo essas interligações com o transporte coletivo e ciclovia. Outro conjunto de coisas são algumas obras para aumentar a capacidade de fluxo. Mas, volto a dizer, isso tem que ser feito com planejamento, para não ser uma solução isolada.



– E voltando à questão do desafio dos prefeitos. Em Cariacicia já se incrementa a leste-oeste que vai ligar o município a Vila Velha, isso é só um exemplo. Só lembrando, são prefeitos que podem ficar até oito anos. É possível fazer um trabalho projetando para quase uma década, não é?



– Os prefeitos têm problemas metropolitanos e só vão conseguir equacioná-los em conjunto com o governo do Estado. A questão da mobilidade, da habitação, da segurança. O Estado tem que criar esse instrumento para dar condições de que as coisas aconteçam para subsidiar os planos metropolitanos. E os municípios têm questões que vão ter que pensar também, porque são coisas dos municípios, mas o trabalho maior será essa solidariedade em relação à região metropolitana. Hoje ela está criada, mas se o município não quiser participar, ele não participa. Mas esse município só resolve seus problemas se estiver junto com os outros e com o Estado. E o Estado tem que pensar também, além da Grande Vitória, as outras regiões. Estamos vendo isso em Anchieta, só com os anúncios dos empreendimentos, já está vendo surgir uma periferia que vai gerar demandas para o município e região. Você tem um investimento que está indo para Linhares. Então o Estado tem que pensar as microrregiões para dar condições de eliminação dos pontos negativos desses investimentos e dê condições para que a população fique nessas regiões e não venha para a Grande Vitória, para que a gente possa equilibrar a distribuição de recursos em nível estadual. O Estado tem que estar presente aqui e no resto dos municípios.



– Como vê a questão da sustentabilidade?



– O crescimento de veículos nas ruas, os empreendimentos vindo para cá, o que isso causa de CO² lançado na atmosfera, o que vai trazer de impacto. Isso não se vê nas discussões. Esse é um trabalho que na Grande Vitória poderia ser feito pelos prefeitos. Porque não se faz uma medição das emissões. O gerenciamento do lixo, essas são questões que poderiam fazer parte dessa agenda metropolitana. Se fazem encontros internacionais como Rio 92, Rio + 20, mas em nível local, não acontece nada.



– Se os prefeitos e o governo do Estado não sentarem agora e iniciarem esse planejamento, qual será o destino da região para daqui a 10, 15 anos?



– Cada vez mais inviável e mais caro, o que for pensar para frente. Talvez você não tenha mais espaço ou não há mais como fazer, se comprometeu de tal maneira a questão do meio ambiente, da mobilidade. Como essa discussão sobre a ampliação do Shopping [Vitória]. É uma coisa que não se sustenta. Fazer uma obra desse porte naquele espaço que hoje já não funciona. São atividades que atraem muito fluxo para um local que não tem capacidade viária.



–Há esse movimento das pessoas quererem morar perto do local de trabalho também. E as construtoras, sobretudo as de São Paulo, que são especialistas nisso, ocuparam o espaço. Mas o que está acontecendo nessa região da Enseada do Suá, mostra que é preciso se pensar mais do que a moradia. Há muita gente deixando a região...



– O PDU [Plano Diretor Urbano] não foi pensado para isso, para essa mistura de residencial com comercial. Vitória é muito pequeno para isso. O aterro da Enseada foi pensada para ser uma extensão do Centro. Que tivesse serviço institucional, mas mudaram o plano e eu fico em dúvida se o povo vem morar.



– Para terminar, o senhor é otimista?



– Otimista, claro, sempre...otimista, com o pé atrás.

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