Aumento da internação aproxima medida socioeducativa de prisão, diz Procuradoria

O substitutivo do Projeto de Lei 1.473/2025, do senador Fabiano Contarato (PT), que prevê o endurecimento das regras de internação de adolescentes que cometeram infrações, tem sido abraçado por bolsonaristas. Nesta quinta-feira (16), o deputado federal Gilvan da Federal (PL) fez postagem nas redes sociais destacando a aprovação da proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado – na qual, inclusive, o projeto recebeu relatoria de Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Em contrapartida, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), publicou uma nota técnica nessa segunda-feira (13) com críticas ao projeto de lei. A proposta é classificada como “retrocesso normativo grave no campo da proteção integral da infância e da adolescência”.
Na visão da Procuradoria, o projeto de lei desvirtua a compreensão da medida socioeducativa, que tem caráter pedagógico, e não punitivo. A proposta prevê o aumento do tempo máximo de internação de três para cinco anos, prazo que poderá chegar a dez anos nos casos de atos infracionais cometidos com violência, grave ameaça ou análogos a crimes hediondos. Também fica revogado o limite de idade para liberação compulsória, antes fixado em 21 anos, permitindo que o juiz mantenha a medida até o prazo máximo previsto.
“Essa ampliação aproxima a duração da medida socioeducativa das penas aplicáveis a adultos, dissolvendo a fronteira constitucional que distingue o sistema socioeducativo do sistema penal comum e violando, assim, o princípio da proporcionalidade e a natureza pedagógica da intervenção estatal”, diz a nota técnica, assinada pelo sub-procurador federal Nicolao Dino.
O texto destaca ainda uma proposta de mudança no projeto de lei no princípio da brevidade, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). “Essa alteração, aparentemente redacional, representa um deslocamento paradigmático na compreensão da medida socioeducativa, que deixa de ser concebida como uma intervenção pedagógica breve e de última instância (ultima ratio) para assumir contornos de resposta sancionatória de caráter punitivo”, diz o texto.
A nota técnica também aborda o fato de que, na prática, as mudanças viabilizam o aumento do tempo de internação por atos análogos ao tráfico de drogas – “contrariando a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça (Súmula 492), que veda a imposição da medida com base apenas na gravidade abstrata do ato infracional”.
O substitutivo inclui ainda a audiência de custódia obrigatória para adolescentes apreendidos em flagrante, a ser realizada em até 24 horas; ajusta o regime de internação provisória, que deixa de ter limite fixo de 45 dias e passa a depender de decisão fundamentada do juiz; amplia de seis meses para um ano o intervalo máximo de reavaliação da manutenção da internação; e retira o dispositivo que limitava a três meses o prazo de internação por descumprimento reiterado e injustificável de medida anteriormente imposta.
A proposta elimina ainda a atenuante de menoridade relativa, que beneficiava réus com menos de 21 anos no momento do crime, e eleva de 70 para 75 anos a idade a partir da qual o réu pode ter pena reduzida e prazos prescricionais diminuídos.
“Em conjunto, (…) tais alterações configuram recrudescimento punitivo e de erosão das garantias constitucionais que sustentam o sistema socioeducativo brasileiro. Desloca-se a finalidade da medida socioeducativa de um instrumento de reintegração e responsabilização pedagógica para um modelo de privação de liberdade de natureza essencialmente retributiva, incompatível com os compromissos assumidos pelo Estado brasileiro no plano constitucional e internacional”, diz a nota.
Entre os efeitos deletérios da proposta, se aprovada, estão: aumento da superlotação das unidades de atendimento socioeducativo; danos graves à autoestima, à identidade e à autonomia dos jovens, ampliando a reincidência e dificultando a reinserção comunitária; e aumento exponencial dos custos operacionais do sistema socioeducativo para os estados.
Manifestações
Nessa terça-feira (14), organizações da sociedade civil realizaram uma manifestação dentro do dentro do Museu Nacional da República, em Brasília, que teve como um dos focos o PL de autoria de Fabiano Contarato. Na ocasião, acontecia um evento relacionado ao Plano Decenal do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo.
Nesta quinta-feira, a Coalização pela Socioeducação e o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPTI) fizeram uma publicação nas redes explicando os motivos de serem contrários à proposta. Um dos pontos elencados é o fato de o projeto ignorar que muitos adolescentes foram vítimas de trabalho infantil e de violências estruturais muito antes do conflito com a lei.
“O tráfico de drogas é classificado como uma das piores formas de trabalho infantil. Meninas e meninos são explorados por organizações criminosas, submetidos a riscos extremos, coerção e morte. Tratar esses adolescentes como ameaça é regar o reconhecimento de foram vítimas de exploração e da ausência de políticas públicas”, aponta.
Para as entidades, é preciso investir em políticas de educação, cultura, esporte e renda que mantenham as crianças e adolescentes longe da exploração. O aumento da internação, defendem, não reduz a violência, nem a possibilidade de envolvimento com o tráfico de drogas.
O assunto também tem repercutido entre diversos usuários das redes sociais. Nessa quarta-feira (15), o artista Mindu Zinek publicou uma charge em que Fabiano Contarato e Flávio Bolsonaro aparecem abraçados e rasgando um exemplar do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Porte de arma
Fabiano Contarato também é autor do Projeto de Lei 4256/19, que concede o porte de arma de fogo aos agentes socioeducativos (que atuam junto a jovens e adolescentes infratores) e oficiais de Justiça – que já foi aprovada nas comissões do Senado.
Em fevereiro de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional o porte para trabalhadores do sistema socioeducativo do Espírito Santo, que era garantido por meio da Lei 1017/2022. Entretanto, segundo Contarato, a inconstitucionalidade se deu apenas pelo fato de se tratar de uma norma estadual, violando a competência privativa da União.