Quarta, 08 Mai 2024

???Em 2008, brincando, eu tive 1.545 votos???

???Em 2008, brincando, eu tive 1.545 votos???

 

“O sucesso reside em três coisas: decisão, justiça e tolerância”
Goethe

 
    Fotos: Gustavo Louzada
O programa eleitoral da chapa proporcional de Vila Velha está repleto dos chamados candidatos bizarros. Os nomes são os mais diferentes e chamam a atenção, deixando a disputa pejorativamente engraçada. Mas um dos candidatos a vereador, que geralmente é incluído nesse bolo, não tem nada de bizarro. 
 
Francisco Spala Neto é paulista, mas se radicou no Espírito Santo, onde montou um bar gay, no início da década de 1980. Isso foi mais ou menos na mesma época em que ele se apaixonou pela política. Movido pelo movimento das Diretas, ingressou no PMDB, partido ao qual é filiado até hoje. 
 
No Espírito Santo, Francisco Spala se transformou em um ícone do movimento gay. A drag queen Chica Chiclete. Em 2008, ele se candidatou a vereador em Vila Velha e teve mais de 1.500 votos, ficando na suplência da chapa da qual seu partido faz parte. Este ano, com uma campanha colorida e alegre, tenta mostrar o político por trás da caricatura. Confira a entrevista.
 
Século Diário – Quem é Chica Chiclete?
 
Chica Chiclete – Chica Chiclete é um personagem criado há 25 anos, quando estávamos no final da ditadura, com muita dificuldade, com uma perseguição muito grande. Hoje Chica Chiclete é um ícone do mundo gay, não só no Espírito Santo, mas no Brasil todo. E é a válvula de escape do Francisco. É uma pessoa alegre, bem humorada, sempre feliz. 
 
– Você está falando em ditadura, perseguição, então percebe-se uma ligação forte com a política, mas em que momento Chica Chiclete entra na política?
 
– Eu me apaixonei por política quando tinha 16 anos, quando começou o movimento Diretas Já. Ali eu me apaixonei, entrei no PMDB...
 
– Foi seu primeiro partido?
 
– Primeiro e único. Nunca saí e isso já vai para 25 anos. Mas você me perguntou como que Chica Chiclete entra na política. Foi na campanha de deputado federal de Lelo Coimbra, que pediu ajuda, e como ele sabia que eu tinha uma influência grande no movimento gay, que no Espírito Santo estava começando, tanto ele quanto o irmão dele, que era vereador, o Zé Coimbra, e eu tenho uma afinidade muito grande com Zé Coimbra. Ali começou o trabalho de Chica Chiclete com Zé Coimbra e Lelo. Mas eu sempre gostei de política, já fui líder comunitário. 
 
– Você é de que região de Vila Velha?

 
– De Coqueiral de Itaparica. 
 
– Você é canela-verde?

 
– Não, na verdade eu não sou nem capixaba, eu sou paulista, mas adotei o Espírito Santo. Minha família é do interior, de Guaçui. Mas eu fui líder comunitário, fui presidente de escola de samba e sempre envolvido com essa coisa de liderança, tanto do lado do movimento gay, como do movimento social como um todo, até porque faz parte da atividade de um político. Acho que quando a pessoa quer entrar na política, ela tem que nascer com essa coisa. Você não pode chegar e dizer: “amanhã vou ser vereador”, não é assim. Você precisa ter um know how. Seria interessante que todo candidato a vereador antes fosse líder comunitário, para conhecer a luta comunitária, porque você não ganha nada com isso e trabalha muito. Eu costumo brincar que pobre é um bicho tão miserável que filho de pobre só nasce três horas da manhã e o líder comunitário é quem leva, quem traz... Então, a gente tem uma ligação direta com o povo e isso me ajudou muito, fora essa questão de ser liderança no movimento gay aqui do Estado. 
 
– E a política de Vila Velha, como você avalia?

 
– Acho que o que acontece não só na política de Vila Velha, mas de todo Brasil, poxa, são candidatos que estão há 20 anos no poder, são vereadores que estão indo para o quinto mandato. E as pessoas ficam reclamando, porque a cidade não tem isso, não tem aquilo, mas continuam votando nas mesmas pessoas. As pessoas pensam que dinheiro não compra votos... compra. Eu não digo que no geral, estou dando exemplo de Vila Velha, você pode ver que na Praia da Costa, Itapoã, Coqueiral de Itaparica não tem tanta boca de urna. Agora, vai em Santa Rita, Vila Garrido, Terra Vermelha. É uma briga, tem pessoas que chegam com um pacote de dinheiro. Foi o que  a gente viu na eleição passada. Você trabalha, trabalha e chega no dia, o cara vai lá e compra o voto pro R$ 40,00. Então, tem gente que fala: “não ia votar em ninguém mesmo, vou votar nesse aqui que me deu R$ 40,00”. Às  vezes ficam com medo de o candidato descobrir que ele não votou. 
 
– Falta conhecimento por parte do eleitorado, também. 
 
– As pessoas ainda são leigas no assunto. Me perguntam: “Eu queria votar na Chica, mas eu sou obrigado a votar no Rodney?”. As pessoas ainda não estão instruídas politicamente. Tem gente que acha que o voto não é secreto, por mais que você diga, ela acha que o candidato que deu os R$ 40,00 vai descobrir se ela não votar. Hoje em dia até que mudou um pouquinho, bem pouco. Não sei se é porque as pessoas estão percebendo que se colocar um bom político as coisas mudam. Mas a maioria ainda vota pela boca de urna.
 
– Por isso não há tanta renovação na Câmara?

 
– Por isso não existe renovação na Câmara. Não estou dizendo que é uma Câmara ruim, mas eu acredito que as pessoas deviam olhar para candidatos novos, com outra visão, com outra política, que realmente vá cuidar não só do município, mas de sua comunidade, porque a comunidade precisa. Eu sei que todo mundo que entra na Câmara acha que vai mudar o mundo, não vai mudar. Existem regras, existem os tubarões, a gente sabe disso. Mas eu acredito que vereador deveria ter um mandato de no máximo oito anos, só uma reeleição, como é com o governador, o presidente, o prefeito. E não ficar por 20 anos. Se ele acha que é um bom vereador, porque depois não concorre a um cargo de deputado estadual? Se ele acha que é um bom deputado estadual, então, depois, vai ser um deputado federal. Se ele achou que não foi tão bem, volte a ser vereador, vá na sua comunidade. Acredito que um vereador, um deputado estadual e um deputado federal deveriam ter oito anos de mandato também. Se ele quiser se reeleger depois disso, que seja para um outro cargo, de uma outra forma. Seria o certo, mas a gente não pode mudar o Brasil. 
 
– Qual a sua abordagem com o eleitor?
 
– Vou ter que voltar um pouco. A eleição de 2008, o que foi a eleição: eu quase entrei, bati na trave, foi por muito pouco. Na eleição de 2008 eu fui jogado aos lobos [risos], por que o PMDB de Vila Velha havia sido defasado pelo Max Filho, pela briga política, e o PMDB estava desmantelado em Vila Velha...

 
– Mas vocês tinham um candidato a prefeito muito forte em Vila Velha, naquele ano, com o deputado estadual Hércules Silveira. 
 
– Sim, o Dr. Hércules, que na verdade não era do PMDB, ele se filiou ao PMDB para ser candidato a prefeito de Vila Velha. Então, nós tínhamos um candidato forte, que era o Dr. Hércules, mas a chapa de vereadores era pequena demais. O Lelo Coimbra, por ser meu amigo, na época me apresentou ao Dr. Hércules e queria que eu fosse candidato a vereador em Vila Velha. Isso faltando dias para dar início ao processo eleitoral, acho que um mês. Eu era PMDB aqui em Vitória, já havia transferido para Vila Velha, aí me lancei candidato a vereador em Vila Velha, realmente, para ajudar a chapa, por ter esse carinho, esse amor pelo PMDB. Então, não havia me preparado financeiramente, psicologicamente, não tinha feito base, porque não adianta você pensar que de um dia para outro você vai ser eleito, você precisa de base. Fui pego de surpresa e fui candidato. Em 2008, brincando, eu tive 1.545 votos. 
 
– E como é a abordagem hoje da Chica Chiclete?

 
– De quatro anos para cá, as pessoas aprenderam a não ver somente a Chica Chiclete. Aprenderam a ver o Francisco, aquela pessoa que trabalha, que corre atrás, que é mau-humorado, que é brigão. Não é aquela coisa de felicidade o tempo todo. A abordagem do Francisco é uma coisa séria, de chegar, explicar o trabalho, o que é política, que eu não cai de pára-quedas aqui, que existe um trabalho, um estudo, que estou preparado. Agora, a Chica Chiclete é o ponto alto porque chama a atenção pela cor, pelo jingle, pela simpatia, o maior diferencial hoje é a simpatia da Chica Chiclete. Esse tempo que a gente vem trabalhando, de quatro anos para cá, eu entrei em muita casa, fazendo o telegrama ao vivo e isso é um ponto forte da minha campanha. Eu entrava na casa da pessoa, brincava, ela via uma pessoa divertida, alegre. Quando eu tinha a oportunidade, falava de política. Com isso as pessoas aprenderam a ver a diferença. Onde nós passamos de Chica Chiclete, foram mais de duas mil casas, só em Vila Velha. Então, agora, além de retornar como Chica Chiclete, retomamos como Francisco. A abordagem da Chica é uma, essa coisa da brincadeira, de levar a coisa no humor, na caricatura. Mas não deixo ficar só nisso, levo para o lado sério e as pessoas acreditam. Tem muita gente ajudando. O público gay se uniu para ter um representante, mas não é só o público gay que vai votar em mim, temos heteros, famílias. Em 2008, por exemplo, 63% dos meus votos foram de mulheres.

 
– E preconceito? Vila Velha ainda tem um eleitorado muito conservador...

 
– Não só Vila Velha, mas o Espírito Santo. Preconceito sempre vai existir em todas as áreas, não somente com gay. Às vezes não é nem o preconceito, é a falta de respeito. Acho que se as pessoas aprendessem a respeitar umas as outras e aprendessem a respeitar os homossexuais, acho que o mundo seria bem melhor. Nós homossexuais, que temos projetos, que lutamos por uma causa, as pessoas pensam que é brincadeira, não é brincadeira. A gente luta para ver se diminui, acabar não vai, mas não pode ficar calado. Não estamos aqui para levantar uma bandeira para que tudo seja liberado, não estou levantando uma bandeira para que o mundo seja cor de rosa. Estou aqui para levantar uma bandeira pelo que é certo, seja para o gay ou para qualquer outra pessoa da sociedade. Eu sei o que é preconceito porque senti na pele. De 1984 até 1989, o gay foi muito perseguido. Só por você ser gay, era preso. Quando abri meu primeiro bar gay, que foi atrás da Rua 7, no Centro de Vitória, eu tinha que dizer que era uma casa de cultura, porque se eu dissesse que era um bar gay, eles fechavam. Não davam o alvará, na época. Então, peitamos muitos políticos mais conservadores, hoje não, a política não é feita só de conservadores. É de uma população geral. Hoje se existe um certo grau de liberdade para o homossexual, fomos nós que brigamos lá atrás por isso. É claro que nada será absorvido de imediato, os espaços foram conquistados aos poucos. 
 
– Então, pode se dizer que essa é a sua principal luta, pelo reconhecimento das minorias...
 
– Sim. E pelas pessoas que realmente necessitam. As comunidades que mais necessitam de um político lá dentro, dentro da comunidade. E é o que eu acho que todo político deveria fazer, visitar as comunidades, conhecer de perto, porque o vereador é a base de toda a estrutura política. 
 
– Quando você passa na rua com seu trio elétrico cor de rosa, tocando música da Xuxa, você é um diferencial na eleição. Mas muitas iniciativas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) inibem shows, festas, aglomerações. Você acha que a eleição perdeu um pouco do “brilho”?
 
– Acho que perdeu um pouco da alegria, mas ganhou também um pouco de seriedade. Diminuiu o assédio, porque muitas vezes as pessoas iam no comício somente pelo show. Perdeu um pouco dessa movimentação que levava a cidade inteira para o comício, principalmente, no interior. Ali via-se propostas falsas, às vezes, tanto é que a gente vem de uma leva de políticos canastras, de muita sujeira por baixo do tapete. Hoje as coisas são um pouco mais claras. São outros tipos de políticos que estão vendo, são políticos novos que querem fazer uma coisa nova, querem fazer uma sociedade nova. Aí você me pergunta, por que que a Chica Chiclete ainda passa com o show? Tem muita gente que ainda me vê como o humorista, não como político. E isso acaba vindo para mim... eu acredito que muito dos meus votos ainda são voto de protesto, como foi para o Tiririca (PR(, em São Paulo. Esse voto de protesto, às vezes, quando o candidato é eleito, faz um trabalho tão bom. 
 
– Como o Tiririca tem feito...
 
– Como o Tiririca tem feito, como o Clodovil fez. Fez muitos projetos, alguns passaram, outros não... como o projeto em relação à adoção de crianças. Como ele entrou na campanha? Brincando, como caricato, humorista. O próprio Eneias. A gente tinha o Eneias não como um político sério, as pessoas falam nele como um dos deputados mais bem votados, mas as pessoas votaram nele pela caricatura, não pelo trabalho político dele, depois é que as pessoas foram saber do trabalho político. Mesma coisa com o Tiririca hoje, mas também porque tem um partido forte, uma assessoria forte. Porque o político não se faz sozinho, um vereador, um deputado, quando se elege, tem que ter uma assessoria boa, que saiba fazer política, que saiba fazer projetos, e não pegar o amigo e colocar dentro do gabinete. Você tem que ter pessoas do seu lado para agregar, para ajudar no trabalho legislativo. Então, acho que eu ganho dos dois lados, tanto do lado sério, quanto do lado humorista. 
 
– O seu partido tinha um candidato a prefeito, o Hércules, que chegou a liderar pesquisa no período pré-eleitoral, mas que por conta de articulações políticas, acabou sendo tirado da disputa e o seu partido passou a apoiar um candidato do DEM, que é um partido conservador. Como encaixar o seu perfil com o de Rodney Miranda?
 
– O PMDB também é um partido conservador.
 
– Mas Hércules é uma figura mais leve...

 
– Sim, mais leve de se levar. Mas o PMDB também é um partido conservador. Mas tanto com Rodney, com Hércules, com Lelo... eles aprendem a conviver comigo. A conviver com o Francisco. Não existe o caricato, não existe o humorista, depois que se tira isso aqui [a caracterização da personagem Chica Chiclete] você pensa que é outra pessoa. Para andar com Rodney, às vezes, fica um pouco difícil, porque ele é muito sério. Ele me trata superbem, mas politicamente, nós dois juntos é difícil. Ele aprendeu a conviver com a Chica. Não digo que ele se soltou, mas acho que ele tem outra visão em relação ao homossexual e eu também aprendi a conviver com essa seriedade dele. A vida é assim, o negativo e o positivo para se tornar uma coisa grande. 

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