Vereadora de São Paulo participou de “sanção” a projeto em Vitória

Nas últimas semanas, dois assuntos ganharam força na pauta de políticos de extrema direita do Espírito Santo. Um deles é a “Lei Anti-Oruam”, proposta que se replica pelas câmaras de vereadores, destinada a proibir repasse de dinheiro público para artistas e eventos culturais que façam “apologia ao crime”. O outro diz respeito ao que propagam como “perseguição judicial” contra um vereador de Vila Velha proibido de entrar em repartições públicas para ações de “fiscalização”.
Nesta sexta-feira (30), os vereadores de Vitória Armandinho Fontoura (PL), Leonardo Monjardim (Novo), Aylton Dadalto (Republicanos), Camilo Neves (PP) e Luiz Paulo Amorim (PV) estiveram no plenário da Câmara Municipal para celebrar a sanção da “Lei Anti-Oruam” na Capital do Estado. O evento contou com a presença de Amanda Vettorazzo (União), vereadora de São Paulo e idealizadora da proposta. Amanda, uma das lideranças do Movimento Brasil Livre (MBL), recebeu o título de Cidadã Honorária do município.
Acontece que o prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) não apareceu, e o projeto de lei, aprovado no último dia 20, não foi sancionado de fato. De acordo com a assessoria da Câmara, Pazolini teve uma outra agenda, e a publicação da nova lei ficou para a próxima semana. Isso não impediu que os parlamentares “vendessem” o evento como a celebração da sanção à proposta. Leonardo Monjardim (Novo), autor da proposta junto com Armandinho Fontoura (PL), sonha com uma candidatura ao Senado Federal ano que vem.
O PL “Anti-Oruam”, em seu 1º artigo, veda, por parte da administração pública municipal direta e indireta, inclusive fundações, autarquias e empresas públicas, “a contratação de artistas, bandas, grupos musicais ou quaisquer outros eventos culturais, para apresentações custeadas, patrocinadas ou apoiadas com recursos públicos, que promovam apologia ou exaltação de práticas criminosas ou contravenções penais; incitação à violência, ao uso de armas, ao tráfico ou uso de entorpecentes; enaltecimento de facções criminosas, organizações milicianas ou do crime organizado; e discurso que ofenda os princípios da dignidade da pessoa humana, da moralidade administrativa ou da segurança pública”.
A proposta foi aprovada com 11 votos favoráveis, cinco contrários e uma abstenção. Entre os contrários, a vereadora Karla Coser (PT) defendeu que a matéria é inconstitucional e apontou alguns vícios, como violar a liberdade artística, além de usar termos “vagos e subjetivos”, como “enaltecimento e apologia”.
Ana Paula Rocha (Psol), por sua vez, pontuou que a proposta “tenta ter roupagem de proteção às crianças e adolescentes, mas como o vereador Pedro [Trés, do PSB, também contrário] destacou, temas como bebida e violência sexual estão em todos os gêneros musicais”.
A apresentação do projeto “Anti-Oruam” tem se repetido em estados e municípios brasileiros, como uma estratégia de parlamentares ligados ao bolsonarismo. Também neste mês, proposta semelhante foi aprovada na Câmara de Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Estado, sob protesto de coletivos e organizações de direitos humanos. Na Assembleia Legislativa, os deputados Callegari e Lucas Polese, ambos do PL, protocolaram propostas sobre o tema. Também há projetos de lei semelhantes tramitando em diversas cidades capixabas, como Vila Velha e Cariacica, na região metropolitana, e Jerônimo Monteiro, no sul do Estado.
O rapper Oruam é filho de Marcinho VP, preso desde 1996 por sua vinculação com a organização Comando Vermelho. Quando apresentou projeto para proibir recursos públicos para eventos com suposta apologia ao crime, a vereadora paulista Amanda Vetorazzo utilizou o cantor como referência – por isso o apelido.
Em se tratando de um ano pré-eleitoral, esse tipo de proposta tende a ser defendida com ainda mais intensidade pela extrema direita, e outros acontecimentos ajudam a colocar lenha na fogueira. A prisão, nessa quinta-feira (29), do MC Poze do Rodo, artista carioca acusado de apologia ao crime e ligação com o Comando Vermelho, foi bastante criticada por movimentos sociais, tanto pelo fato de a investigação supostamente se basear nas letras de suas músicas quanto pela truculência da abordagem a um homem negro.
De acordo com a assessoria da Câmara de Vitória, Amanda Vettorazzo também veio ao Espírito Santo para participar, nesta sexta-feira, do lançamento da Frente Parlamentar de Combate ao Crime Organizado, promovida pelo vereador de Vila Velha Patrick da Guarda (PL) – que estava no evento da Câmara de Vitória – e pelo deputado Delegado Danilo Bahiense (PL), às 19h, no Auditório da CDL em Vila Velha.
Callegari e o ‘perseguido’
No último dia 14, o vereador Pastor Fabiano (PL) foi proibido de ingressar, permanecer ou transitar em repartições públicas do município para realizar atos de fiscalização sem autorização prévia da Câmara Municipal ou da autoridade competente. A liminar foi concedida pelo juiz Delio José Rocha Sobrinho, da Vara da Fazenda Pública de Vila Velha, em ação movida pela gestão de Arnaldinho Borgo (sem partido). A multa por descumprimento é de R$ 20 mil.
A medida judicial foi tomada com base em duas ações recentes do vereador: uma visita à Unidade Municipal de Educação Infantil (Umei) Prof.ª Francisca Amélia Pereira D’Oliveira, no dia 5 de maio, e outra ao Centro Pop, equipamento voltado à assistência de pessoas em situação de rua, no dia 11 de janeiro. Segundo a decisão, o parlamentar teria agido de forma “arbitrária e invasiva” em ambos os casos.
A decisão tem sido alvo de discursos de parlamentares do PL no Estado e o deputado estadual Wellington Callegari (PL) resolveu protocolar um pedido para a criação de uma Comissão Especial Temporária na Assembleia Legislativa . O objetivo, segundo ele, é “analisar os impactos das liminares, frente aos artigos 31 e 29 da Constituição Federal, que asseguram aos vereadores o poder e o dever de fiscalizar os atos dos prefeitos e dos demais agentes públicos do Poder Executivo”.
De acordo com o deputado, a ideia é levantar os casos já ocorridos no Espírito Santo, ouvir especialistas em Direito Constitucional e autoridades do próprio Judiciário, além de “produzir um relatório técnico com pareceres e recomendações que poderão embasar eventuais iniciativas legislativas ou ações junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e outras instituições competentes”.
“Quando um vereador é impedido de fiscalizar, é a população que sai prejudicada. A democracia se fragiliza quando o controle e a transparência são comprometidos ou negados. E, mais, o agente público não precisa ter medo de transparência e de ser fiscalizado, caso tenha, aí é que precisa ser acompanhado de perto”, afirmou o deputado.
O requerimento ainda precisa ser analisado pela Mesa Diretora da Assembleia, e mesmo que prospere, dificilmente terá efeitos práticos imediatos. De qualquer forma, a iniciativa pode ser encarada como uma tentativa do deputado de se manter em evidência, num momento em que também tenta viabilizar sua pré-candidatura ao Senado Federal,mas enfrenta a concorrência de Maguinha Malta, filha do senador (e todo-poderoso do PL capixaba) Magno Malta.