Saionara Paixão diz que medida ocorreu após Pastor Dinho cobrar providências à Casa
A funcionária terceirizada da Câmara da Serra, Saionara Paixão, foi demitida após denunciar perseguições religiosas sofridas no ambiente de trabalho por ser praticante de religião de matriz africana. O caso, que mobilizou o Fórum Chico Prego e motivou o pedido de uma audiência pública em maio, tem gerado reações dentro e fora do legislativo municipal.
Saionara relata que sua exclusão na Casa começou após tornar pública sua religiosidade. “Eu trabalhava no plenário até descobrirem que eu era de matriz africana”, contou. O estopim veio após uma sessão solene em homenagem à Insurreição de Queimados – revolta liderada por pessoas negras escravizadas em 1849 no município. A funcionária conta que, após a solenidade, foi abordada pelo vereador Antônio C&A (Republicanos), que perguntou se ela “não estava sentindo o clima satânico”.
Apesar de não ter formalizado uma denúncia formal na ocasião, ela levou o caso para o Fórum Chico Prego, que reúne representantes de comunidades tradicionais, negras e de matriz africana. A organização iniciou, então, um movimento para solicitar uma audiência pública para discutir o tema dos direitos humanos e cobrar atuação do legislativo municipal diante de falas que considera desrespeitosas.
Desde então, ela relata que colegas passaram a excluí-la no trabalho e chegaram até a ocultar seu rosto em fotos, e acabou transferida para setores mais isolados da Câmara. “Algumas pessoas me filmavam e outros deixaram de conversar comigo por medo de sofrerem as mesmas perseguições”, disse.
A situação se agravou com as manifestações do vereador Pastor Dinho (PL), que usou a tribuna para atacar Saionara e outro militante do fórum, Rosemberg Caetano, que havia criticado falas apontadas como de teor racista atribuídas a C&A.

Na tribuna da Casa, Pastor Dinho afirmou que “esses negros continuam escravos, mas são escravos ideológicos de um branco descondenado que assaltou o Brasil. Continuam escravos, mas são escravos ideológicos”, entre outras declarações que resultaram, neste mês, em uma manifestação do Ministério Público do Espírito Santo (MPES). O órgão atendeu a uma representação apresentada pelo Conselho Municipal de Promoção de Políticas da Igualdade Racial, com apoio de movimentos sociais capixabas, e requisitou a instauração de um inquérito policial para apurar declarações discriminatórias e de intolerância religiosa proferidas pelos dois vereadores.
Nessa mesma sessão plenária, Pastor Dinho usou o microfone para acusar Saionara de “intolerância religiosa” por ter levado ao setor administrativo uma reclamação sobre a fala feita por C&A após a sessão solene de Queimados. “Usaram o microfone para me acusar ao vivo, me humilhar. Saí chorando e fui direto para a delegacia”, relatou a servidora, que afirma ter sido seguida até a unidade pelo vereador e assessores.
Ela conta que não conseguiu registrar o Boletim de Ocorrência (BO) contra Antônio C&A naquele dia, pois se sentiu coagida. “Um assessor disse que o vereador tinha imunidade parlamentar e que eu seria a maior prejudicada. Só consegui registrar o B.O. no dia seguinte, na Delegacia da Mulher”, relata.

Após o ocorrido, a funcionária foi afastada por 15 dias pela empresa Flex Serviços, em decorrência dos transtornos emocionais gerados pela situação, mas ao voltar ao trabalho, ela conta que Pastor Dinho solicitou providências à Câmara em sessão plenária. A única alternativa apresentada a ela pela empresa terceirizada foi sua transferência para um contrato em Viana. “Como recusei, fui desligada. Não pedi para sair da Câmara. Fui demitida”, afirmou.
Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, a vereadora Raphaela Moraes (PP) lamentou o episódio em discurso no plenário. “Presenciei uma servidora saindo daqui segurando o choro. Para quem tem esposa, filha, isso deveria causar vergonha. Respeitar a fé alheia é dever de todos”, destacou, acrescentando que, como mulher, também se sentiu ofendida.
Ela também cobrou responsabilidade dos vereadores: “A gente está em uma cidade majoritariamente formada por mulheres. Então eu gostaria de fazer esse registro aqui, para que cada parte documente o que achar necessário, para que todo mundo responda por suas ações”, enfatizou.
Saionara relata ainda que solicitou um espaço na tribuna para exercer seu direito de defesa, mas nunca obteve resposta. “Eles me acusaram publicamente, mas não me deram direito à fala. Tudo o que fiz foi protocolado, registrado. E usaram isso para dizer que eu era uma funcionária insatisfeita. Fui demitida sob a justificativa de que era melhor para minha saúde mental”, criticou.
Ela também procurou a Corregedoria da Câmara, o Conselho de Ética e a Procuradoria da Mulher. “Nada adiantou. Protocolos foram ignorados. Ninguém me protegeu, ninguém me ouviu”, lamenta. Saionara destaca que seu desejo era apenas continuar trabalhando, sem sofrer assédio moral. “Eu me senti humilhada, excluída e silenciada. Hoje, quero que isso não aconteça com mais ninguém. A Câmara se diz evangélica, de Deus, não pratica a laicidade, não tem um posicionamento, e ali não existe nenhuma defesa para as pessoas de outras religiões”, destaca.
O processo de demissão é acompanhado por seu advogado e um inquérito policial foi aberto. A trabalhadora afirma que, mesmo fora da Câmara, continuará cobrando respostas. “Agora que estou fora, é que quero mesmo ser ouvida”, pontua.
‘Violência Institucional’
Diante das denúncias protocoladas pelo Conselho Municipal de Igualdade Racial no Ministério Público contra os vereadores, a promotora de Justiça Mariana Souto de Oliveira Giuberti apontou prazo de 60 dias para apurar “possível prática de crime previsto na Lei nº 7.716/89”, que trata da discriminação ou preconceito contra raça, cor, etnia, religião ou origem.
As falas atribuídas aos vereadores incluem afirmações como “os negros mimimis do Brasil que querem cota, acham que são diferentes” […] “esses camaradas acham que são livres, mas são escravos”, e que o “movimento negro está escravizado”. Também foram registradas manifestações contrárias às religiões de matriz africana, com declarações como: “Eu fui nas redes sociais dele, vi que ele é do Candomblé […] sabe por que o senhor não tá aqui? Porque ‘pra’ entrar aqui não é com cotinha e com mimimi, não”.
Os episódios ocorreram em sessões da câmara nos últimos dias 9 e 12 de maio, após a aprovação do Projeto de Resolução nº 10/2025, que alterou o nome da Comissão de Direitos Humanos, incluindo os termos “Igualdade Racial” e “Povos Tradicionais”. Na ocasião da votação, Antônio C&A questionou “o que seriam povos tradicionais?”; afirmou que “pelo menos na Constituição que eu estudei, todos são iguais perante a lei”; e criticou a medida como “irrelevante”, mesmo após ter se autodeclarado quilombola.
Em reação às falas do parlamentar, o Fórum Chico Prego denunciou o “despreparo” do vereador para atuar no colegiado e anunciou a solicitação de uma audiência pública para discutir o tema e cobrar atuação do legislativo.
Na sessão seguinte, em defesa de C&A, Pastor Dinho acusou um dos porta-vozes do fórum, Rosemberg Caetano, de “intolerância religiosa contra evangélicos”, devido às críticas feitas pelo militante às declarações do parlamentar.
Após as ocorrências, o Fórum Chico Prego e outras organizações de luta pela justiça racial realizaram um ato público para o dia 14 de maio em frente à Câmara da Serra, para denunciar “violência institucional e ataques à população negra, religiões de matriz africana e pautas de diversidade”.