Sexta, 19 Abril 2024

MPF denuncia Cláudio Guerra por incineração de 12 corpos durante a ditadura

O ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) no período da ditadura militar, Cláudio Antônio Guerra, de 79 anos, foi denunciado nesta quinta-feira (1) pelo Ministério Público Federal (MPF) pelos crimes de ocultação e destruição de 12 cadáveres de militantes contra o regime militar, entre 1973 e 1975, por meio de incineração em fornos da Usina Cambahyba, em Campos, no Estado do Rio. 


A denúncia sai sete anos depois de Guerra confessar os crimes e depois de ter seu nome de volta à mídia em reportagens sobre a morte do militante politico Fernando Santa Cruz, pai do presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, que nesta quinta interpelou o presidente Jair Bolsonaro (PSL) no Superior Tribunal Federal (STF). Em uma de suas declarações, Bolsonaro disse que tinha informações sobre o desaparecimento de Fernando, ocorrido na década de 70, durante a ditadura militar.  


A primeira confissão feita por Cláudio Guerra em 2012, de forma espontânea, foi aos jornalistas Rogério Medeiros e Marcelo Netto, no livro Memórias de uma Guerra Suja, que obteve ampla repercussão na imprensa nacional. Quatro anos depois, o delegado relatou mortes e incineração dos cadáveres em depoimento na Comissão da Verdade, que  apurou crimes cometidos pela ditadura militar, que durou 21 anos. 


Cláudio Guerra, hoje pastor evangélico, cumpre prisão domiciliar pelos assassinatos de sua mulher, Rosa Maria Cleto, morta com 19 tiros, e da irmã dela, Maria da Glória Cleto, que recebeu 11 disparos. Os crimes ocorreram em 1980, em Cariacica, onde residiam, e provocaram grande repercussão. 


Em declarações à imprensa, à época, Guerra disse: “Por que não atiraram em mim?”, visando dar outro rumo às investigações.  Por esses crimes, ele está condenado a 18 anos de prisão desde 2010. A sentença foi em fevereiro de 2018, depois de exauridos todos os recursos. 


A denúncia do MPF referentes aos crimes cometidos como agente da ditadura militar, afirma que “no livro Memórias de Uma Guerra Suja, Cláudio Antônio Guerra relata que de 1973 a 1975, recolheu no imóvel conhecido como “Casa da Morte”, em Petrópolis (RJ), e no Destacamento de Operação de Informação e Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), na Tijuca, os corpos de 12 pessoas, levando-os para o município de Campos dos Goytacazes (RJ), onde foram incinerados, por sua determinação livre e consciente, nos fornos da Usina Cambahyba”.


Para o MPF, Cláudio Antônio Guerra agiu por motivo torpe (uso do aparato estatal para preservação do poder contra opositores ideológicos), visando assegurar a execução e sua impunidade, com abuso do poder inerente ao cargo público que ocupava. 


“Assim, com o objetivo de assegurar a impunidade de crimes de tortura e de homicídio praticados por terceiros, com abuso de poder e violação do dever inerente do cargo de delegado de polícia que exercia no Espírito Santo, foi o autor intelectual e participante direto na ocultação e destruição de cadáveres de pelo menos 12 pessoas, nos anos de 1974 e 1975”, argumenta o procurador da República Guilherme Garcia Virgílio, autor da denúncia.


Além da condenação pelos crimes praticados, a denúncia pede o cancelamento de eventual aposentadoria ou qualquer provento de que disponha o denunciado em razão de sua atuação como agente público, dado que seu comportamento se desviou da legalidade, afastando princípios que devem nortear o exercício da função pública.


Segundo o procurador, a confirmação nominal dos corpos levados por Cláudio Antônio Guerra para incineração ocorreu em diversos depoimentos prestados à Procuradoria da República no Espírito Santo. Além da confissão, testemunhas e documentos confirmaram a autenticidade dos relatos.


“As doze pessoas citadas por Cláudio constam na lista de 136 pessoas dadas por desaparecidas da Lei 9.140 de 1995, que “reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação ou acusação de participação em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979”.


O MPF argumenta que não se pode considerar os crimes praticados pelo ex-delegado na Lei da Anistia, tendo em vista que a referida lei trata de crimes com motivação política. “Não importa sob que fundamentos ou inclinações poderiam pretender como repressão de ordem partidária ou ideológica, sendo certo que a destruição de cadáveres não pode ser admitida como crime de natureza política ou conexo a este”, pontua.


O procurador destaca ainda “sentença prolatada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Gomes Lund versus Brasil, em 24 de novembro de 2010, a qual estabeleceu para o país a obrigação de investigar não apenas o episódio conhecido como Guerrilha do Araguaia, mas também outros episódios de igual natureza, visando a identificação dos autores materiais e intelectuais do desaparecimento forçado de pessoas, não se aplicando, a esses casos, a Lei da Anistia, tendo em vista o caráter permanente de crimes que, por constituírem crime de lesa-humanidade, não são abrangidos pelo ordenamento doméstico, seja por anistia ou por prescrição”.


Em seu depoimento, diz a denúncia do MPF, Cláudio Guerra relatou que havia preocupação nos órgãos de informação, por parte dos coronéis Perdigão e Malhães, de que os corpos daqueles que eram eliminados pelo regime acabassem descobertos, movimentando a imprensa nacional e internacional. Ele narrou que uma das estratégias de sumir com os corpos consistia em arrancar parte do abdômen das vítimas, evitando, com isso, a formação de gases que poderia fazer com que o corpo emergisse. Ainda segundo ele, os rios constituíam a preferência para afundamento dos corpos, dado que no mar “a onda traz de volta”.


Nesse contexto, Cláudio informou que sugeriu o forno da Usina Cambahyba, como forma de eliminação sem deixar rastros, dado que já utilizava a usina e seus canaviais para desova de criminosos comuns do Espírito Santo, em razão de sua amizade com o proprietário da usina.


Para retirar os corpos na "Casa da Morte", Cláudio relatou que encostava o carro no portão e recebia, em seguida, de dois ou três militares, os corpos ensacados em sacos plásticos. Ao chegar à usina, passavam os corpos para outro veículo, que ia até próximo dos fornos, sendo então colocados na boca do forno e empurrados com um instrumento que lembrava uma pá, e, ainda, que o cheiro dos corpos não chamava atenção por causa do forte cheiro do vinhoto.


Foi realizada em 19/08/2014 reconstituição no local, com a presença de Cláudio Antônio Guerra, com a confirmação de que a abertura dos fornos era suficientemente grande para entrada de corpos humanos.

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