Segunda, 06 Mai 2024

???Não teve ninguém que investigasse atos do governo passado???

???Não teve ninguém que investigasse atos do governo passado???

 

Rogério Medeiros e Renata Oliveira
 
 
"A verdade é inconvertível, a malícia pode atacá-la, a ignorância pode zombar dela, mas no fim; lá está ela" 
(Winston Churchill)
 
O deputado estadual Gilsinho Lopes (PR) segue em uma jornada para conseguir 10 assinaturas dos colegas de plenário para protocolar uma CPI na Assembleia Legislativa com o objetivo de investigar denúncia de irregularidades nas obras de um posto fiscal em Mimoso do Sul. 
 
A obra deveria ter sido feita no governo passado, mas o posto foi extinto em 2009 pelo ex-governador Paulo Hartung (PMDB), depois de o Estado ter gasto R$ 25 milhões na construção, sem que tenha passado da fase de terraplanagem. 
 
Nesta entrevista o deputado fala sobre as dificuldades de convencer os colegas a assinar o requerimento. Segundo o deputado, alguns temem represálias do atual governo, outros têm um nível de comprometimento com o ex-governador muito grande, além disso, o fato de a empresa envolvida no escândalo, a construtora Araribóia, ser doadora de campanha, também dificulta a apuração. 
 
O parlamentar fala ainda sobre a segurança no Estado. Delegado de polícia e presidente da Comissão de Segurança da Casa, Gilsinho afirma que falta planejamento de ações e cobrança de resultados ao comando da polícia. 
 
 
Século Diário – E essa história da CPI do posto fiscal em Mimoso do Sul, que o deputado está tentando coletar assinaturas para protocolar . Por que colher as assinaturas, por que abrir a CPI?
 
Gilsinho Lopes – Para esclarecer à sociedade, além de ser um poder que a Assembleia Legislativa tem, o de investigar, convocar testemunhas, indiciados, suspeitos, quebrar sigilo fiscal e bancário, ter acesso a todas as informações. Nós fizemos pedido de informação e alguns secretários tentaram desvirtuar o conteúdo. Por exemplo, a Secretaria da Fazenda encaminhou à Secretaria de Governo, e da Secretaria de Governo não veio. Fui à Casa Civil, fui ao secretário Maurício Duque [Fazenda] e ele disse que tinha entregue à Secretaria de Governo. Aí os documentos apareceram na semana seguinte no meu gabinete. Se apareceram uma semana depois é porque alguma coisa tem. São R$ 25 milhões que foram gastos em terraplanagem, quando anunciaram, e tem placas anunciando, que seria o posto mais moderno da América Latina. O deputado Euclério Sampaio [PDT] foi lá e verificou que não tinha absolutamente nada, não se gastaria aquele recurso todo. Então temos que apurar para onde foi e como é que foi. Sem contar que a empresa que fez a obra foi uma das grandes doadoras de campanha de 2006, 2008 e 2010. Esse é o motivo de querermos abrir a CPI para esclarecer. Até para dar a oportunidade das pessoas de irem lá, os secretários, o ex-governador, para explicarem por que se iniciou em 2005 a modernização e em 2009 ele baixou um decreto extinguindo a construção do posto. 
 
– A empresa é a Araribóia? 
 
– Araribóia. 
 
– O senhor já vinha falando sobre essa questão do posto, cobrando...surpreendeu a denúncia do Ministério Público?
 
– Não surpreendeu, porque obtivemos as informações desde o segundo semestre de 2011, e quando observamos a aberração, denunciamos da tribuna da Assembleia e pedimos ao presidente da Casa [Theodorico Ferraço, DEM] que encaminhasse a denúncia ao Ministério Público. 
 
– Mas o senhor já tinha ideia de que o rombo era de R$ 25 milhões?
 
– Já tinha essa questão, porque foram R$ 21 milhões licitados e depois do decreto, em 23 de junho de 2006, eles fizeram mais um aditivo de R$ 3 milhões. Se não construiu mais nada, por que o aditivo de R$ 3 milhões? Mais um período eleitoral se aproximava, e a empresa foi doadora também em 2010. 
 
– Então há uma profusão de elementos a serem analisado e apresentados sobre o caso em uma CPI. E por que a resistência de seus colegas de plenário?
 
– Temos oito assinaturas com a minha [quarta-feira , dia 27]. Estamos conversando com os colegas. Alguns querem assinar, mas temem represálias. Outros estão receosos e já tiveram compromisso com o ex-governador no passado, foram da base aliada dele. Não querem assinar terminantemente. Busquei o apoio do PT, que sempre foi oposição, quis apuração dos fatos. No período de José Ignácio, eles brigaram, lutaram e agora nenhum deles quer assinar, a não ser a deputada Lúcia Dornellas, que disse que assina se for a relatora. Eu prometi a relatoria para ela. 
 
– Mas o PT passou oito anos apoiando o governo Paulo Hartung, que é um dos denunciados nessa questão do posto. O deputado queria que eles se colocassem contra o ex-governador?
 
– Eu queria que se mantivesse a coerência entre o que eles pregam na tribuna. Se você fala uma coisa e não pratica, é uma incoerência danada. Estou mantendo minha palavra e continuo na minha linha. Quero dar o direito de defesa para quem quiser se defender, e quem não se defender vai se explicar na Justiça. 
 
– E há pressão externa para que a CPI não saia? 
 
– As pessoas ficam preocupadas, alegam que o ex-governador é muito forte, foi bem avaliado. Eu alego que ele foi bem avaliado porque talvez não teve uma oposição. Não teve ninguém na Assembleia que investigasse atos do governo passado. Estamos aí há dois anos no governo Renato Casagrande , alguns secretários do governo passado estão no governo atual e o que precisamos é esclarecer os fatos. Não adianta mais ficar escondido. O Ministério Público já fez a denúncia. Eu falei na Assembleia, e isso causou estranheza até para vocês, que o Ministério Público já havia denunciado, o deputado não tem poder de prender ninguém, exceto em flagrante, em uma CPI. O poder da Assembleia é o de investigar e denunciar ao Ministério Público, mas ele já se antecipou e denunciou. Isso não significa que estou satisfeito, quero que isso seja aberto para que a sociedade acompanhe de forma transparente. Vamos acompanhar porque o Estado precisa ser passado a limpo. Eles têm direito de defesa, são 15 dias, e vamos acompanhar se o juiz vai acolher a denúncia, vamos solicitar cópias, se abrir a CPI, vamos anexar à CPI e fazer o nosso trabalho. 
 
– Como o senhor acredita que vai ficar a imagem da Assembleia se essa CPI não sair? 
 
– A imagem da Assembleia não vai modificar em nada. O que vai modificar é a imagem das pessoas que assinarem e eu tenho dito aos colegas: a oportunidade é essa. Nós precisamos dar à sociedade as explicações necessárias. Se nós investigarmos e não houver nenhuma participação do ex-governador ou de secretários do governo passado, se eles provarem que os R$ 25 milhões que foram gastos, foram gastos dentro da ética, da transparência, da normalidade, dentro do que rege o Tribunal de Contas, nós vamos nos penitenciar, não vamos indiciar ninguém e arquiva-se. Se não for, vamos encaminhar para o Ministério Público. Algumas pessoas que estão denunciadas hoje podem ser retiradas, ou poderemos acrescentar. 
 
– Mas essa conta vai cair nas costas da Assembleia. A Casa é vista como subserviente ao governo do Estado, no governo passado e, embora tenha melhorado um pouco no governo atual, mantém essa história. Com a proximidade da eleição do ano que vem, vai ficar muito ruim para a Assembleia se a CPI não sair. Os deputados não percebem isso?
 
– Eu percebi e já assinei. Os outros colegas que assinaram também já perceberam. Agora, eu não posso obrigar ninguém a assinar. Estou tentando pelo poder da persuasão convencer os demais a assinarem para que eles possam assinar e manter a assinatura. Porque se assinar e antes da composição retirarem a assinatura, é pior. Mas por enquanto, estou tentando chegar a um acordo. 
 
– A última CPI que aconteceu na Assembleia foi a do Grampo, que terminou sem que o relatório fosse lido, por esvaziamento da comissão. O senhor não teme que haja manobras para inviabilizar a CPI?
 
– Eu presidi uma CPI, fomos do início ao fim, demos encaminhamento, o Ministério Público acatou a denúncia e algumas pessoas já foram até condenadas, do período do governo José Ignácio. O que posso falar nessa questão de esvaziamento, eu vou cobrar, como cobro na sessão ordinária das comissões permanentes, eu sempre cobro a presença dos colegas. Se eu me comprometo em estar em uma comissão, eu tenho que tirar um tempo para me dedicar àquele horário. Eu não temo esvaziamento, não estava na Assembleia na época da CPI do Grampo, se estivesse iria mais fundo, mas infelizmente, não posso falar pelos outros. 
 
– O deputado é otimista em relação à instalação da CPI do posto fiscal?
 
– Eu sou otimista porque pode até não sair agora por esses dias próximos, mas a insatisfação de alguns colegas se aflora a cada dia, ainda mais se aproximando a eleição. Já tem um invadindo a área do outro. Essa insatisfação cria o momento de você colher a assinatura. Estou esperando o momento correto de chegar ao meu objetivo, que é a instalação, a apuração e a conclusão da CPI. 
 
– Na Assembleia vemos apenas o senhor e o deputado Euclério fazendo as denúncias, não vemos outros deputados cobrarem apuração, mas também não vimos defesas inflamadas ao ex-governador, como acontecia no passado. Isso mostra uma divisão do plenário sobre o assunto, ou seja, não ataca, mas também não defende, não é?

 
– Vocês mesmo já colocaram os favores que foram feitos pelo ex-governador a alguns deputados. Daí dá pra mensurar quem está comprometido com a sociedade e quem está comprometido com o ex-governador. 
 
– O deputado é ligado à área de segurança, é presidente da comissão desta área na Assembleia e é delegado, então tem propriedade para falar sobre o assunto. Qual solução o deputado vê para essa área que é tão crítica no Estado?

 
– O governador [Renato Casagrande] tem de cobrar e eu disse isso para ele em reunião, tem de cobrar uma posição maior dos gestores de segurança, sobre a atuação e os resultados na ponta. Se você chegar hoje em uma delegacia, percebe que tem uma falta de efetivo muito grande. O governador tem feito concursos...
 
– Isso se a delegacia não estiver caindo aos pedaços...
 
– Eu tenho um raio X de todas as delegacias do Estado e tenho falado isso para o governo. Tenho visitado o interior e relatado as situações. Mas a questão das chefias é fundamental, e do planejamento das ações. É preciso um mapeamento de onde está o crime. Se você sair à noite, não encontra uma viatura para dar segurança. Tem que ter uma cobrança dos chefes da ponta para que haja a eficácia dos policiais. Os policiais gostam de trabalhar, são eficientes, mas se o chefe não trabalha, eles também não vão trabalhar. Tem a questão da Delegacia de Terra Vermelha, fiz a lei que criou a delegacia e desde 2002 venho cobrando a instalação. O governo anunciou que vai fazer a delegacia dentro de Terra Vermelha, mas ela tinha de ser na rodovia, para atender a toda a região. Lá dentro eles nunca vão ter os dados precisos para se saber o que é uma região de defesa social. As estatísticas são feitas de acordo com as denúncias e a população não está denunciando mais. Você não vê a viatura, eles colocam a viatura na praia, e não na região que exige a defesa social. 
 
– Mas são dois mil veículos...

 
– Veículo tem, efetivo falta, mas o pouco que tem dá para fazer planejamento. 
 
O coronel Luiz Sérgio Aurich nos deu uma entrevista recentemente e disse que no tempo dele, eram...

 
– Eu vi, ele disse que em 1993 tinham 8,2 mil homens e hoje tem 7 mil. Eu te digo, em 1990, o quadro operacional da Polícia Civil era de 2,8 mil homens, hoje, 23 anos depois, não tem mais esse efetivo. Não foi feita a reposição, no governo Paulo Hartung não foi feito concurso nenhum. Nem para a Polícia Militar, nem na Civil.
 
– Pelo contrário, foram fechados postos...
 
– Fecharam todos os destacamentos, todas as companhias. Tiraram de Novo Brasil, de Jardim Camburi, da Ilha do Príncipe, que eram os apoiamentos para fazer as ações. Você chegava ali e tinha informação de quem era quem no bairro. O policial ali podia não fazer o policiamento, mas ele sabia quem era quem no bairro. Na década de 1980, tínhamos a figura do subdelegado, que era um mal necessário, ele tinha informação do que acontecia no local. Hoje  não tem isso. A figura do informante está se extinguindo. As vezes acontece um ato falho e acaba morrendo. O 181, o Disque Denúncia, que é de minha autoria, funciona muito bem, só que vai para a ONG, aí é transferido para a delegacia e fica na prateleira, porque não tem efetivo. 
 
– Mas deputado, o senhor talvez seja uma rara exceção na Assembleia, porque isso tudo está acontecendo há muito tempo e a Casa, que tem o poder de fiscalizar os atos do Executivo, não se posiciona. Isso aconteceu nos oito anos do governo Paulo Hartung e continua acontecendo no governo Casagrande, mas ninguém sinaliza contra o governo Hartung e quem vai pagar a conta é o Casagrande. 
 
– Em 15 de janeiro de 2011 eu tive uma reunião com o governador, o Ciciliotti [Luiz Ciciliotti, secretário da Casa Civil] e os deputados do PR, coloquei para o governador o panorama do que ele iria encontrar. E disse que se ele não tomasse uma posição firme, iria cair na conta dele. Está caindo. 
 
– A Assembleia com essa postura de não entrar em rota de colisão com o ex-governador, abre uma brecha para que as questões não sejam discutidas no Estado e, pior, contribui para a impunidade. Outras denúncias também ficam sem discussão. É o caso da Derrama, que ninguém falou nada e o assunto morreu. 
 
– Tentam desqualificar quem quer apurar a verdade. Tentaram desqualificar o promotor, que é uma excelente pessoa e extremamente correto. A Associação dos Promotores, mor meio do Marcelo Queiroz, foi muito feliz. Até na questão da Derrama, quando Eder [Eder Pontes, procurador-geral de Justiça], tentou desqualificar o trabalho dos delegados, ele foi de uma elegância. Mostrou que o papel da polícia é importante, que o papel do MP é importante e que não havia necessidade de se digladiar. Mas neste caso do posto fiscal, ele disse textualmente que o promotor [Dilton Depes] está com a razão. Não há o que se falar. Infelizmente esse é o processo político que atravessou o nosso Estado, para o ex-governador, todo mundo era do crime organizado. Agora, eu que tenho um compromisso com a sociedade, falo. Só que eu tenho um equilíbrio nas minhas palavras porque a gente não tem um grupo para seguir. 
 
– Mas não é possível que essas coisas continuem escondidas. Os presídios do Estado foram feitos sem licitação, o senhor inclusive denunciou...
 
– Denunciei tudo e coloquei na mão do governo...
 
– Chegaram no ex-secretário Ângelo Roncalli, mas não passa do Roncalli, porque se passar vai cair no colo do ex-governador. Há outra situação grave  em Presidente Kennedy, e mais uma vez a bola bate nele e volta. 
 
– Nós temos nossa parcela de culpa, mas têm deputados independentes, que falam. 
 
– Mas há uma tentativa também de desqualificar quem faz esse trabalho...

 
– Lógico. A gente fala e não sai uma vírgula. Você vai à tribuna da Casa, faz uma crítica ao governo anterior, não sai nada nos demais jornais do Estado. Só tenta desqualificar. 

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