Domingo, 05 Mai 2024

O apedrejamento moral da 'Geni dos poderes' no Espírito Santo

O apedrejamento moral da 'Geni dos poderes' no Espírito Santo
Com imagem desgastada com o governo, com a mídia e com a sociedade, Assembleia sofre pressões por todos os lados e expõe fragilidade em todos os níveis.
 
 
Renata – O deputado Claudio Vereza (PT), em seu pronunciamento/desabafo nessa quarta-feira (2), chamou a atenção sobre um problema crônico de todo poder legislativo. O petista, em certa altura de seu discurso sobre a crítica ao aumento no valor das emendas do Orçamento 2014, disparou: “se quiser ofender o deputado, é só chamá-lo de deputado”. Mas a questão não está só na Assembleia, nem só no Espírito Santo. Seja no Parlamento – Senado, Câmara dos Deputados e Assembleia –, seja nas câmaras municipais, o papel do legislador vem a cada ano sendo cada vez mais depreciado. 
 
Nerter – Esse foco, sobretudo nos vereadores, acaba desviando a atenção sobre os grandes gargalos do poder público e dos grandes grupos econômicos. Enquanto a sociedade organizada se preocupa com gasto de combustível, com reajuste de vereador ou com verbas partidárias, há desfalques feitos por empreiteiras e financiadores de campanhas que, se comparados a esses gastos, os transformam em “dinheiro de pinga”. É evidente que farra com dinheiro público deve ser condenada em qualquer instância, mas o que se vê muitas vezes é que se parte do princípio do menor esforço, afinal é mais fácil apedrejar a vidraça do legislativo do que tentar arranhar vitrines blindadas, porque toda ação tem uma reação no sentido contrário e de proporcional força. 
 
Renata – O legislativo sempre foi o principal alvo desses apedrejamentos morais. Mas limitando a discussão ao âmbito estadual, percebemos que há aí muita culpa dos próprios legisladores. E não estou falando dos casos de corrupção, de improbidade e outras coisas óbvias nesse meio. Aliás, em qualquer meio. Essa é uma questão muito mais profunda, que remete ao sonho hoje impossível de uma reforma política séria e justa, que moralizasse os três poderes. Algo como fazer tudo de novo. Mas como eu disse, sonho, impossível. 
 
Nerter – Acho que há culpa na postura, não? Quando vemos legisladores devolvendo dinheiro para o Executivo, vemos aí um equívoco sem precedentes e que já vem se tornando uma praxe em todas as estruturas. Primeiro porque o dinheiro devolvido, seja para uma cidade, seja para o Estado, não vai suprir as necessidades de atendimento da população. Dizer que o dinheiro será usado na Saúde, Educação e Segurança não é aceitável. Mesmo que a Assembleia, por exemplo, devolvesse os R$ 140 milhões de seu orçamento anual, mesmo que o Tribunal de Justiça devolvesse o quase R$ 1 bilhão a que tem direito dos cofres públicos, isso não resolveria os gargalos gigantescos da defasagem educacional, da falta de qualidade e a demanda da saúde. Muito menos, a construção de presídios, serviço de policiamento ostensivo da Polícia Militar e o trabalho investigativo da Polícia Civil.
 
Renata – Evidentemente que não. Mas em vez de ter aceitado lá atrás, a esmola anual de R$ 1,5 milhão para atender suas bases, deveriam os deputados cumprir sua função parlamentar. Anualmente, cada um dos 30 gabinetes da Assembleia recebe uma cópia impressa, gigantesca e reproduzida com dinheiro público, com a Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO), no meio do ano, e com a Lei Orçamentária Anual (LOA), no segundo semestre. Deveriam os deputados, que tanto circulam o Estado, ouvindo as demandas do eleitorado, fazer as alterações consideradas necessárias nas rubricas. Emendar a matéria, puxar debates, mas fingem que leem, fingem que fazem audiências públicas, fingem que fazem emendas e, no final, aprovam tudo como está. Depois vão para a tribuna da Casa reclamar da situação das áreas prioritárias. 
 
Nerter – A emenda parlamentar é mais um cala-boca que foi incluído nesse processo de discussão do arranjo político que se formou na última década no Estado. Veja bem: se a Assembleia é o poder que tem como função a fiscalização dos atos do Executivo, como pode um Estado, que tem previstos para gastar no próximo ano R$ 15,5 bilhões, “reservar” R$ 45 milhões para emendas parlamentares individuais, para que os deputados não mexam no restante?
 
Renata – E aí a gente vê uma profusão de frentes parlamentares, sessões especiais, sessões solenes, mecanismos encontrados para tentar se inserir em um debate público sobre as principais demandas da população. Mas não é isso que se espera da Casa. O eleitor quer que os deputados façam o simples, o que lhes é prerrogativa. Que analisem detalhadamente as peças orçamentárias, questionem o governador em sua prestação de contas e acompanhem os pareceres do Tribunal de Contas para saber se há ressalvas nos balancetes do governo e procurar saber por quê. Durante uma década, isso vem passando sem que seja dada a devida atenção. O ex-governador Paulo Hartung (PMDB) deixou de aplicar o mínimo necessário em áreas constitucionalmente protegidas, teve contas aprovadas com ressalva, e a Assembleia fez de conta que não viu.
 
Nerter – Isso sem falar nas denúncias do posto fantasma e do Sincades, escândalos que apontam para irregularidades na aplicação de recursos do Estado. Os deputados também fizeram vista grossa. Mesmo provocados para criar uma CPI para investigar, se omitiram. A CPI poderia esclarecer as dúvidas, apurar para onde foi o dinheiro, ouvir os envolvidos. Daria a visibilidade que os deputados tanto almejam e prestaria um serviço à população, mas os acordos de bastidores, criados ainda no governo passado, parecem perdurar na Casa. Ninguém ousa discutir as ações do ex-governador, mesmo não tendo mais ele o temido poder da caneta ou a influência nos outros poderes que tanto amedrontava a classe política.
 
Renata – Agora, não sabemos qual vai ser o efeito de todos esses fatores de desgaste na eleição, mas dá para se ter uma ideia. Em 2010, a Assembleia teve metade do plenário renovado. A expectativa para o próximo ano passa perto disso. Não só por causa dos desgastes internos, mas isso também vai influir. Dificilmente o plenário da Casa vai conseguir recuperar a imagem até o início do processo eleitoral do próximo ano. 
 
Nerter – Penso que os protestos populares não devem produzir nenhuma liderança dentro do atual sistema político. Afinal, as ruas demonstraram que caminham no sentido contrário, de rejeitar o atual modelo de representação. Mas essas mesmas redes sociais vão ter um papel fundamental para a desconstrução de algumas candidaturas, por exemplos, dos deputados ligados à polêmica da Terceira Ponte. É claro, guardadas as devidas repercussões locais, isso é, o deputado Gildevan Fernandes (PV), que foi o relator do projeto que pedia o fim do pedágio e tem base eleitoral em Pinheiros - no extremo norte capixaba -, deve sofrer menos do que e a deputada Janete de Sá (PMN), que tem forte eleitorado em Cariacica, mais próximo da realidade do pedágio.
 
Renata – Aproveitando essa deixa sobre as eleições, todos esses fatores deverão ser levados em consideração pelo eleitor. Não se pode desprezar o sinal que veio das ruas, mas se mostra ainda mais necessário que os parlamentares repensem a sua atuação. Sob risco de verem suas candidaturas, bem como a imagem da própria Casa, indo por água abaixo. Que o diga a imagem de capa utilizada para ilustrar este Papo (a fachada do Palácio Domingos Martins castigada pelo tempo)...

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