Quarta, 08 Mai 2024

'Os homens dependem das mulheres para serem candidatos'

'Os homens dependem das mulheres para serem candidatos'

“Vivemos todos sob o mesmo céu, mas nem todos temos o mesmo horizonte”

Konrad Adenauer



Em 1982, o Espírito Santo ganhou sua primeira deputada federal. A professora Mirtes Bevilacqua (PPS) teve destaque na área da educação. Um pouco decepcionada com a dificuldade em fazer andar seus projetos na Câmara dos Deputados, ela deixou as eleições de lado, mas não a política. Atuou como secretária no Estado e na prefeitura de Vila Velha.



Em 2010, ela voltou aos palanques como suplente na chapa de Rita Camata (PSDB) ao Senado. Mas foi na eleição do ano passado, a qual acompanhou bem de perto, que percebeu a necessidade de as mulheres se unirem para brigar por espaços não só nas disputas eleitorais, mas também dentro dos partidos.



Mirtes chama atenção para a importância das mulheres. Com a obrigatoriedade das chapas proporcionais apresentarem  entre seus candidatos 30% de mulheres, ela mostra que se nenhuma mulher se apresentar para a disputa, os homens também não terão como concorrer.



Em uma luta suprapartidária, ela propõe uma agenda feminina e acredita que mais mulheres no poder poderá mudar a forma de se fazer política no Brasil.





Século Diário – Nesta segunda-feira (25) será realizado um seminário na Câmara de Vila Velha...



Mirtes Bevilácqua – O tema é “Política partidária: um desafio para as mulheres”. As mulheres precisam ser preparadas porque é muito complicado para uma mulher ser candidata. Ela tem que se preparar melhor do que os homens. Então, a gente já começa a discutir os temas relativos a essa política partidária, e vamos continuar discutindo. Eu senti as dificuldades, vão desde o palanque a usar o microfone, tem que ser objetiva, porque são só alguns minutinhos. Muitas vezes a mulher nem sabe o que está buscando, é indicada como laranja, mas no caminhar da campanha se apaixona, quer ganhar.



– Então o seminário tem esse objetivo, de preparar a mulher em todos os sentidos para a campanha eleitoral do próximo ano?



– De começar a preparar, para que as companheiras possam se candidatar e que possamos ter sucesso no próximo ano. E também chamar a atenção da população para que vote em mulher também. É uma coisa interessante, porque quem faz a campanha dos homens são as mulheres. Elas recebem um dinheirinho e sobem morro, descem morro, fazendo a campanha. Você passa em um bandeiraço, pode reparar que a maioria é mulher. E nem elas têm a consciência de que é importante votar também em mulher, porque estamos todos sob o mesmo céu, no entanto temos horizontes diferentes, já dizia [Konrad] Adenauer .



– Há essa regra de que os partidos têm que cumprir 30% de reserva de vagas para as mulheres, mas sabemos que isso não resolve o problema, não é?



– Resolveria se as mulheres tomassem uma atitude, dizendo que não seriam mais candidatas, porque assim também não teria chapa de homem. As mulheres têm de entender a importância que elas têm no processo eleitoral, os homens dependem das mulheres para serem candidatos, dada a obrigatoriedade dos 30% de vagas para elas. A partir disso é que elas devem exigir participar das Executivas dos partidos, exigir ajuda financeira do fundo partidário para que possam ser candidatas e cursos de formação política-partidária dentro dos partidos. Há um horizonte que as mulheres não enxergaram ainda e nem os homens.



– Há lideranças políticas – homens – que afirmam ser muito difícil encontrar mulheres que tenham votos...



– Mas por que isso? Não preparam suas companheiras para suas candidaturas. Nesta última campanha, que eu acompanhei de perto, acho que se elas tivessem sido mais bem tratadas no palanque, teriam mais vontade de ser candidatas. Muitas choravam, por causa da dificuldade de subir no palanque, a dificuldade de conseguir falar. Eram empurradas no palanque.



– A gente tem perdido mulheres que são lideranças importantes em setores específicos. Há mulheres nas bancadas estadual e federal, como o seu próprio nome, o das deputadas federais Rita Camata e Etevalda Grassi, a ex-deputada estadual Brice Bragato...como a senhora vê essa diminuição de representatividade?



– Eu atuava na área da educação e sindical. No meu caso, fui a primeira deputada federal eleita no Estado e me senti muito abandonada, até pela minha classe. O PT tinha outras candidaturas e eu não era do PT, então o magistério apoiou  outros nomes, na época foi Vitor Buaiz, que foi muito bom, por sinal, e foi até governador. Mas a minha categoria, mesmo, não entendia como funcionava a Câmara dos Deputados, a importância que tem. Isso me trouxe uma depressão muito grande. Fui para o Executivo, fui secretária de Estado. Depois fui para a iniciativa privada, com um restaurante, fiz até sucesso. Retornei ao poder público, a convite de Max Mauro para a Secretaria de Ação Social e gostei muito, aprendi muito. Mas a questão é também financeira. Eu tenho dificuldade financeira. Por mais que se diga que não se gasta dinheiro, se gasta dinheiro. Eu fui eleita porque eu estava na mídia, fazia greves, passeatas.



– A ex-deputada acredita que isso tenha acontecido com essas outras lideranças?



– Pode ter acontecido. A Rita ficou marcada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que não foi compreendido. No momento, precisa ser revisto, porque o País cresceu e há uma necessidade de ser revisto.



– Mas não se entendeu que o estatuto não trata só da questão da segurança, mas também de direitos básicos, como o teste do pezinho, por exemplo...



– Muita coisa boa tem no estatuto, mas as pessoas só veem a questão da violência e, no entanto, a violência começa desde o nascimento da criança. Ela está no útero materno e como é o nascimento? Ela nasce em uma sala gelada, é colocada em uma balança gelada, já nasce sob pressão. Depois, a mãe por questões financeiras tem de parar de amamentar, então, a criança sofre a perda do peito da mãe, porque a mãe precisa trabalhar. Essa criança vai para a casa de um parente, de um vizinho, uma creche muitas vezes precária, e muitas vezes é tratada com violência. Tudo isso resulta nesta sociedade violenta. Não há creche suficiente, não há berçário suficiente. O ideal seria que cada empresa tivesse um berçário até os dois anos, porque se pode amamentar até os dois anos, além das creches em moradia. É uma coisa que a gente pregava no passado, e não se alcançou isso.



– É interessante porque cada vez mais mulheres entram no mercado de trabalho, grande parte é chefe de família, e isso não avança.



– E eu não entendo por quê. Vivemos hoje em um país marsupial, em que se distribui muitas bolsas. Por que não se dá à mãe com uma criança de até dois anos, o direito de ela ficar em casa, e isso em muitos países é uma realidade, recebendo atendimento psicológico, pedagógico, fralda, leite para que ela possa criar aquela criança com amor, com carinho, para que ela venha a se tornar um cidadão completo. Já o poder público não tem condições de oferecer a quantidade de creches que se necessita e já que se têm tantas creches domiciliares espalhadas pelos bairros, por que não investir? Essas creches em alguns estados, como, por exemplo, no Distrito Federal, é uma creche criada pela LBA [Legião Brasileira de Assistência]. São mães que não trabalham fora, mas que podem cuidar de quatro ou cinco crianças das vizinhas, recebem apoio do poder público, com apoio psicológico, pedagógico, pediátrico e até alimentar. Ninguém procura saber onde começa a violência, é por tudo isso. Começa no nascimento da criança e ela está em formação até os sete anos, é o período em que ela mais precisa de apoio. E depois vem a questão da educação, porque as professoras de hoje não são como antes, são formadas em pedagogia, mas tem de correr de uma escola para outra, com salas superlotadas...



– Tem também o fato de a família ter transferido para a escola a responsabilidade não só da educação, mas do cuidado dos filhos.



– A escola dá o conhecimento, mas a educação é responsabilidade da família. Mas se de zero a sete, a criança está fora da família, está abandonada, está com pessoas que muitas vezes não gostam dela, maltratam e a mãe não tem condições de cuidar, não pode nem amamentar. Essas bolsas que são distribuídas não substituem o salário, não dá para a mãe ficar em casa.



– Isso também é um empecilho para que a mulher entre na política?



– Eu não sei, porque eu entrei na política com três filhos pequenos, mas é muito difícil para a mulher que tem filhos entrar na política, sim. Tem que haver muita compreensão do pai das crianças para dar apoio. Muitas vezes os homens fazem os filhos e se afastam. Às vezes são obrigados a dar a pensão e dão a pensão com raiva. Saem do emprego para não dar a pensão. Ele não sabe que aquela criança que ele está deixando de dar a pensão, de dar afeto, vai se transformar em pouco tempo em um adulto que vai trazer problemas para a sociedade. Os homens também devem parar para pensar que família é essa que estamos criando, mas acho que estamos saindo do tema da entrevista e estamos analisando a sociedade (risos).



– Mas acho que falta por parte da classe política um pouco dessa reflexão, não acha? Fala-se muito de internação por conta de drogas, da valorização da família, mas não se discute essa necessidade de políticas públicas na formação do cidadão...



– E essa formação se dá de zero a sete anos. Agora, acontece também que em muitas prefeituras não há preocupação com a distribuição das secretarias da área social. Muitas vezes se faz indicações puramente políticas, mas não se observa se a pessoa que vai ocupar aquele papel tem condições de agir de forma que atenda às necessidades da população. Eu trabalhei em Secretaria de Ação Social e eu sei a luta que é quando se chega para saber por onde começar, como se deve conduzir. Aí muda o secretário e começa tudo de novo, interrompe o trabalho que está sendo feito.



– Como é a sua área, como avalia a educação do Espírito Santo hoje?



– Eu entrei no magistério por concurso público e fui para o interior, onde aprendi muita coisa. Esses conhecimentos foram muito importantes para a vida toda. Acontece que os professores hoje não entram por um concurso de provas e títulos, entram por contrato determinado. No meu tempo todo ano tinha concurso e prova de remoção. Hoje o professor não é respeitado. Como pode o Estado do Espírito Santo pagar para professor subsídio? Subsídio é para vereador, deputado, secretário. Professor tem que ter plano de cargos e salários, tem que crescer na carreira, mas não, paga-se subsídio. E os direitos que o professor tinha? Eu tenho um problema de enfisema, sem nunca ter fumado, por conta do pó de giz. O professor tinha uma gratificação por isso, o governo tirou. Os quadros mudaram, mas os professores aposentados ainda sofrem com isso e deixaram de receber essa gratificação e vivem em uma infelicidade tremenda, porque só a aposentadoria não dá.  



– Há uma ideia nos governos de não se criar gastos permanentes, o que significa não fazer concursos públicos porque criam vínculos e podem trazer problemas caso o Estado não tenha recurso para pagar no futuro. Só que isso se estende para áreas essenciais como saúde, educação e segurança.



– Na verdade não se respeita o profissional. Tem a questão do piso salarial. É outra briga dos professores, porque o piso não é pago como deveria. Via de regra se junta ao salário as gratificações que ele recebeu a vida toda, aí diz que está ganhando piso salarial. Quando o profissional da educação e da saúde começar a ser tratado com respeito, entendendo que é uma carreira, aí vai melhorar. Se há violência hoje, tenho certeza que a culpa não é dos professores, os professores também estão sofrendo violência nas escolas. Culpa dos governos que começaram lá na ditadura. Precisamos encarar educação e saúde com a mesma seriedade que os deputados defendem os seus salários e seus direitos na Câmara, o corporativismo, porque não dá para continuar.



– A senhora ficou um bom tempo afastada de eleição e voltou em 2010, como suplente de Rita Camata na disputa ao Senado. Fale um pouco sobre esse processo?



– Eu nunca me afastei da política, mas em eleição voltei em 2010 e fui observando. O que mais me chamou atenção nessa eleição de 2012 é que não elegemos nenhuma mulher na Câmara de Vila Velha, nenhuma mulher na Câmara de Cariacica, uma única mulher na Câmara de Vitória, e tínhamos mulheres. E o município é um poder local. Então é importante termos mulheres na Câmara, o vereador trabalha muito com a comunidade, e com isso, as mulheres podem fazer muito mais pelo município. Isso que me trouxe essa vontade de voltar para a política, de voltar a brigar. Não que eu seja candidata, mas eu quero ver mulheres candidatas.



– A senhora acredita que há uma tendência que isso se repita em 2014, dessa diminuição de espaço?



– Espero que não. Vamos trabalhar para que tenhamos mulheres candidatas a deputadas estaduais e federais. Queremos chamar todas as eleitas, fazer um esforço concentrado e chamar a atenção da sociedade para votar em mulheres, porque só quando houver a paridade entre homens e mulheres, vamos mudar o País.



– Mas nós já vemos nesses primeiros movimentos uma tendência contrária. Por exemplo, na disputa ao Senado, nós temos uma  senadora, Ana Rita (PT)...



– E não estão querendo deixar que ela seja candidata. E vamos brigar para que ela seja, porque Ana Rita foi suplente, chegou ao Senado e está fazendo um trabalho bom.



–  O Espírito Santo nunca elegeu uma senadora, como a senhora vê isso?



– É verdade, todas foram suplentes. É essa dificuldade que a mulher tem. Porque para ser candidato você tem que ter mídia e para ter mídia você precisa se movimentar, tem que ter propaganda. Eu vi nessa campanha passada as mulheres que queriam ser vereadoras passarem mais tempo dentro do comitê implorando, porque não tinham condição de pagar os santinhos, do que na rua. As propagandas custam a sair e teve gente que nem conseguiu. E campanha tem de ter divulgação senão ela não consegue se eleger. Há muitas mulheres especiais, que fazem trabalhos gigantescos nas comunidades, no entanto não conseguiram se eleger.



– E nem a ascensão de uma mulher à presidência da Republica mudou isso, não é?



– Mas a Dilma se elegeu? Foi Lula que a elegeu. Se você olhar no passado muitas mulheres contaram com o marido para se eleger, e quando chegaram lá mostraram capacidade. Por exemplo, a Rita Camata, quando ela se elegeu pela primeira vez, o Gerson Camata foi quem ajudou, mas quando ela chegou foi uma deputada excelente. Então, Dilma virou presidente e o Lula já está cuidando da campanha dela à reeleição. A Marina [Silva] para ser candidata vai ter dificuldade. Ela não conseguiu criar um partido ainda, ela precisa criar um partido e um partido que tenha apoio.



– Se tivéssemos mais mulheres com mandato, no poder, a cara da política mudaria?



– Mudaria. A Dilma está fazendo algumas coisas interessantes em favor da população. Pode não estar fazendo corretamente, porque acho que ela poderia fazer alguma coisa pelas mãezinhas que estão amamentando, mas está fazendo algumas coisas. Nós temos que fazer críticas para que ela fique no caminho certo. Acontece que todo mundo louva, mas ninguém critica, e a crítica é importante também.

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