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Políticos reforçam discurso punitivista em meio a violência na Grande Vitória

Deputado estadual Alcântaro Filho encabeça pedido de CPI das Facções Criminosas

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A Grande Vitória registrou casos de violência de grande repercussão nos últimos dias. Nessa terça-feira (26), 12 ônibus foram atacados, supostamente como retaliação a duas mortes em confrontos com a Polícia Militar nos bairros da Penha e Santos Reis, em Vitória, segundo a Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp). No último dia 9, uma mulher de 31 anos e uma garota de 15 morreram após um ataque a tiros em Vila Velha. No domingo (24), a vítima foi uma menina de seis anos, baleada durante um tiroteio em Balneário Carapebus, na Serra.

Diante dessa situação, políticos do Espírito Santo têm reforçado discursos punitivistas como solução para os problemas. Na Assembleia Legislativa, o deputado Alcântaro Filho (Republicanos) protocolou, nessa terça-feira (26), um requerimento de instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Facções Criminosas do Espírito Santo, que conta com dez assinaturas.

O presidente da Assembleia, Marcelo Santos (União), também discursou no parlamento defendendo o “endurecimento das nossas leis” como resposta a “quem pratica terrorismo contra inocentes”. Na Câmara de Vitória, os ataques a ônibus também foram abordados por diversos vereadores.

Entre os que assinaram a abertura da CPI das Facções Criminosas estão deputados de situação e oposição, incluindo, além do próprio Alcântaro: Coronel Weliton (PRD); Bispo Alves (Republicanos); Capitão Assumção (PL); Denninho Silva (União); Delegado Danilo Bahiense (PL); Lucas Polese (PL); Pablo Muribeca (Republicanos); Janete de Sá (PSB); e Callegari (PL).

Na justificativa, os signatários apontam como objetivos identificar e detalhar a estrutura e o modus operandi das facções criminosas no Estado; apurar a origem e o fluxo de armas e de recursos financeiros que alimentam a guerra do tráfico; investigar a efetividade das políticas públicas de segurança existentes e propor medidas de aprimoramento; e mapear as áreas mais afetadas pela violência e propor ações emergenciais para proteger a população, especialmente crianças e adolescentes.

“A inação diante de um cenário de tamanha gravidade é uma afronta à dignidade humana e ao papel desta Casa Legislativa em zelar pelo bem-estar dos cidadãos. A CPI das Facções Criminosas no Espírito Santo é uma medida de proteção à nossa sociedade, um passo fundamental para evitar que nosso Estado se torne refém da criminalidade organizada. A vida de nossas crianças e o futuro do nosso Estado dependem da nossa capacidade de agir com urgência e responsabilidade”, diz a justificativa do requerimento.

O advogado criminalista Raoni Vieira Gomes, doutorando em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), classifica a proposta de CPI como “demagogia” e considera improvável que a comissão tenha efetividade. “Ainda que as polícias estaduais atuem na segurança, é a legislação ordinária nacional que as regula. A Assembleia tem competência legal para investigar, em tese. Contudo, duvido muito que tenham capacidade real para chegar a algum lugar que não a reiteração do punitivismo arcaico”, comenta.

Militante do Movimento Negro Unificado (MNU), Raoni avalia que existe de fato um problema de segurança pública, mas que é encarado de forma equivocada. No Brasil, ressalta, a guerra às drogas tem servido apenas para “para dar cabo de vidas e corpos indesejados, matáveis”, em continuidade ao genocídio negro que permanece como projeto desde a escravidão.

No Espírito Santo, em particular, a gestão do governador Renato Casagrande (PSB) tem investido numa política de confronto, segundo Raoni, que aprofunda ainda mais a violência que supostamente se procura combater. O advogado cita inclusive o “discurso temerário” de autoridades da área de segurança pública estadual.

Em uma postagem nas redes sociais nessa terça-feira, quando comentava uma ação no Complexo da Penha, em Vitória, o comandante-geral da Polícia Militar do Espírito Santo (PMES), coronel Douglas Caus, afirmou que “invariavelmente, esses criminosos faccionados vão tombar, vamos largar o besouro sem asa no couro desses indivíduos. Se não sobreviver, vai descer no saco preto”.

“Os morros, as favelas, as periferias produzem armas? Produzem drogas? Sabemos que não. Não se ataca a distribuição, não se ataca os financiadores, o sistema financeiro que abriga o dinheiro. Pouco se fala na implementação do artigo 36 da lei de drogas, que criminaliza os financiadores. É natural indagar: por qual razão?”, questiona o advogado.

‘Negacionismo’ e maioridade penal

Nesses momentos de maior clamor popular contra a violência, crescem também os discursos de defesa da redução da maioridade penal. Mesmo políticos de esquerda têm recorrido ao punitivismo. O senador Fabiano Contarato (PT) é o autor de um projeto de lei no Congresso Nacional que prevê o aumento do tempo máximo de internação de três para cinco anos, no caso de adolescentes infratores.

No entanto, Raoni destaca que a realidade do Estado contradiz o discurso de eficácia desse tipo de medida. “O Espirito Santo já ocupa o quinto lugar em absoluto na quantidade de adolescentes internados, ainda que tenhamos uma população baixa. Sempre que as eleições se aproximam, candidatos se aproveitam de certo temor da sociedade para surfar no populismo penal, não sem apoio da mídia burguesa”, critica.

Raoni acrescenta, mais uma vez, que o punitivismo tem como pano de fundo uma atuação seletiva contra jovens negros. “No Espírito Santo, mais de 95% dos adolescentes no sistema socioeducativo são negros, ao passo que apenas 1% tem renda familiar acima de quatro salários-mínimos. Esse pensamento, quase mágico, de que mais penas representariam maior segurança, é fruto de uma espécie de negacionismo, uma vez que desafia as evidências científicas e práticas”, completa.

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