Proposta do vereador Sérgio Camilo é apontada como “retrocesso social” e “violação”
O Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Espírito Santo (NDH/DPES) se posicionou pela inconstitucionalidade do Projeto de Lei nº 097/2025, que tramita na Câmara Cariacica e propõe a extinção do Conselho Municipal de Enfrentamento à Discriminação de Pessoas LGBTI+.
“A proposta representaria um evidente retrocesso social, já que pode reduzir direitos sociais garantidos à comunidade LGBTI+ sem que haja compensação ou proposta de criação de novo órgão que atue com as mesmas atribuições”, afirma o texto.
O conselho foi o primeiro do tipo no Espírito Santo, criado pela Lei Municipal nº 5.073/2013, sendo reconhecido nacionalmente como referência em políticas públicas de enfrentamento à LGBTfobia, reitera o núcleo, em parecer oficial (PP000132/2025). A proposta, de autoria do vereador Sérgio Camilo (União), é apontada como um “evidente retrocesso social” e “violação do princípio constitucional da vedação ao retrocesso, utilizado pelos tribunais superiores para garantir a preservação de direitos sociais já conquistados”.

A Defensoria rebate a justificativa da matéria de que o conselho “não representa em nada” e “só cria despesas para o Erário”, sugerindo que os recursos destinados ao órgão seriam melhor utilizados pelas secretarias de Educação ou Saúde. De acordo com o parecer, essa argumentação não se sustenta em dados concretos nem em análise orçamentária real.
“O projeto, ao propor a destinação de dinheiro para a Secretaria de Educação ou para a Secretaria de Saúde […] transmite a falsa impressão de que o recebimento de recursos pelo órgão seria incondizente com o encaminhamento de recursos para outras secretarias ou que seria desperdiçado se investido no conselho”, pontua.
O núcleo defende o fortalecimento do conselho, para garantir a atuação do Estado na proteção de pessoas que historicamente enfrentam violências estruturais e institucionais, e enfatiza atribuições importantes, como propor e fiscalizar políticas públicas; acompanhar o cumprimento da legislação; e realizar encontros municipais com participação da sociedade civil e de esferas governamentais diversas. “A existência do conselho, constituído enquanto um espaço permanente de debates, objetiva assegurar direitos que se alicerçam no reconhecimento da dignidade da pessoa humana, fundamento da República”, afirma.
A Defensoria também cita precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconhecem a proibição de retrocesso em matéria de direitos sociais. Um deles é o julgamento do ARE 639.377/SP, em que o STF decidiu que o Estado não pode suprimir direitos já efetivados, como o acesso à educação infantil. Outro exemplo é a decisão que declarou inconstitucional a revogação de uma resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) sem substituição por norma equivalente. Para o NDH/DPES, essas decisões reforçam que o Legislativo deve legislar no sentido de ampliar – e não restringir – direitos fundamentais.
Além disso, destaca dados alarmantes do Atlas da Violência de 2024, que identificou mais de 8 mil vítimas de violência entre pessoas dissidentes sexuais e de gênero no Brasil apenas no ano de 2022, com 72,5% dos casos atingindo pessoas trans e travestis. A Defensoria argumenta que esse cenário torna ainda mais urgente a existência de mecanismos estatais de proteção e acompanhamento, como o Conselho de Cariacica.
O projeto de lei foi incluído em expediente da sessão da Casa de Leis no último mês de abril e foi contestado pela vereadora Açucena (PT), que acionou as instituições responsáveis pela defesa dos direitos humanos. Para ela, a medida é um ataque às pessoas LGBT de Cariacica. “Existe uma realidade específica de violência contra essa população, que precisa ser enfrentada com políticas públicas e não apagada com leis ideológicas”, manifestou, na ocasião.

Ela também alertou que o ataque não é isolado. “Ele [o vereador Sérgio Camilo] já criou outras duas leis que ferem os direitos da população LGBT: uma que proíbe pessoas trans de usarem o banheiro e outra a participação de crianças em eventos LGBT, associando de forma perversa essas ações à pornografia e violência”, mencionou.
A matéria seguiu para avaliação pelas comissões permanentes de Justiça e de Direitos Humanos. Diante do potencial impacto negativo na defesa dos direitos da população LGBTQIA+, entidades como o Conselho Estadual LGBT (CELGBT) e o Fórum Estadual LGBT se mobilizaram para reverter a proposta, considerada um um retrocesso institucional, na contramão dos direitos humanos e da própria realidade de violência enfrentada por esse grupo no município.
A manutenção do Conselho é não apenas legítima, mas necessária, reforça a Defensoria. “O Estado, após haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a preservá-los”, finaliza o documento.