Quinta, 18 Abril 2024

Reconhece a queda(e não desanima)

Reconhece a queda(e não desanima)

 

 
Ao final de vinte minutos de discurso, a testa de Paulo Hartung reluzia; sob o paletó, a camisa azul encharcara-se. Ainda no início, citou Volta Por Cima. Evocava um passado glorioso: “Nós conseguimos levantar o Espírito Santo, sacudir a poeira, como diz o poeta, da desorganização e do desvio, e dar um belíssima volta por cima!”. Mas o presente dá outro sentido ao samba-superação de Paulo Vanzolini.   
 
As glândulas sudoríparas do ex-governador trabalharam arduamente para comover a militância tucana. Na noite da última quinta-feira (30), cerca de mil pessoas lotaram a Sede Social do Álvares Cabral para o Grande Encontro de lideranças políticas promovido pela candidatura de Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB). 
 
Mais que um festivo comício do aspirante a prefeito de Vitória, o evento tirou o ex-governador Paulo Hartung de uma desconfortável penumbra para lançá-lo aos holofotes de uma caminhada de grandes chances de êxito. O colossal painel que se estendia de fora a fora nos fundos do palco falava por si: de mãos dadas como dois velhos amigos, Luiz Paulo e Hartung sorriem para um futuro esplendoroso.
 
Desde a deflagração da Operação Lee Oswald, em abril, a Era Hartung amarga denúncias que aproximam o Novo Espírito Santo que o ex-governador tanto celebra de um Velho Espírito Santo que ele tanto lastima. Outro golpe certeiro foi desferido em agosto. A Operação Pixote revelou indícios de corrupção no Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (Iases). Aqui, conforme denunciado com exclusividade por Século Diário, o esquema foi iniciado em 2006.
 
As rodas políticas interpretam a atual conduta de Hartung mais como um movimento de autoproteção contra denúncias - ele pode rotulá-las de “políticas” - do que como convicção no projeto tucano. Naturalmente, esse movimento também se estende à proteção de seu patrimônio político com vistas a 2014.
 
O encontro estava marcado para as 19h. Às 19h50, cerca de 15 veículos se estendiam pela Avenida Marechal Mascarenhas de Moraes e aguardavam o sinal do porteiro para entrar. Dentro da Sede Social, um retrato de qualquer grande de campanha: gente, criança, algazarra, faixas estendidas, bandeiras agitadas.
 
 
Enquanto lá fora os carros tentavam entrar, o vice de Luiz Paulo e ex-secretário de Educação de Hartung, Haroldo Rocha, abria o Grande Encontro. A partir daí, a violenta desidratação que o PSDB sofreu durante a Era PH ficou para trás - hoje o partido não tem uma representação na Assembleia Legislativa. A partir dali os elogios foram mútuos, todos se deram as mãos, se abraçaram e sorriram felizes.
 
À esquerda de Haroldo, nos fundos do palco, sentavam-se os deputados federais Lelo Coimbra (PMDB) e César Colnago (PSDB), o senador Ricardo Ferraço (PMDB), Luiz Paulo e Paulo Hartung; à direita, estavam os deputados estaduais Sérgio Borges (PMDB), Élcio Álvares (DEM) e Luzia Toledo (PMDB), os ex-senadores Gerson e Rita Camata (PMDB) e o deputado federal Carlos Manato (PDT).
 
Ferraço sucedeu Haroldo nas falas. E teve que enfrentar um burburinho inconveniente; às vezes um “shhh!!!” sobressaía entre o público. Ferraço não se abalou: “Mais que um encontro político, estamos celebrando um recomeço”. Uma frase prenhe de significados, que passou a ter um único e muito bem definido quando o senador exumou o conhecido discurso da “reconstrução” do Espírito Santo.
 
Hartung ainda não discursara. Com um paletó e camisa azuis, sem gravata, assistia a tudo atento em sua cadeira. Às vezes respondia a um cumprimento da plateia. Em umas, lançava beijos e sorrisos; em outras, naquele universal gesto de união, juntava as mãos, alçava-as sobre a testa e brandia os braços, sempre com um sorriso.
 
Coube a Ferraço chamar Luiz Paulo ao microfone. O candidato tucano foi calorosamente acolhido aos gritos de “1, 2, 3, Luiz Paulo outra vez!”. O primeiro a quem ele pediu e rendeu uma salva de palmas foi Sérgio Borges. Na terça-feira (28), numa decisão de primeiro grau, foi mantida a condenação do deputado à perda dos direitos políticos por oito anos e à restituição ao erário por desvio de diárias na Assembleia Legislativa durante a Era Gratz (1999-2002).
 
Logo após, cumprimentou ao mesmo tempo Colnago e Lelo. O público se entusiasmou, houve palmas e gritos - talvez dirigidas a apenas um dos dois. As felicitações de Luiz Paulo culminaram em PH: “E para terminar minha saudação, aquele que é o principal homenageado desta noite, o nosso ex-governador e líder do processo de reformulação política do Espírito Santo, o ex-governador e meu amigo... Paulo Hartung!”.
 
 
Aplausos e aclamações intensos. Luiz Paulo qualificou a noite de “histórica” e justificou a homenagem da noite. “Estamos apresentando uma chapa e um modelo político que têm a missão de resgatar para Vitória o destino de ser vanguarda da modernização do Espírito Santo. Há 20 anos a cidade deu esse passo quando elegeu Paulo Hartung prefeito”. Palavras como “união” e “fraternidade” pontuaram as mensagens.
 
Luiz Paulo saiu ovacionado de seus 10 minutos de discurso. E a ele coube abrir alas para o principal homenageado da noite: “Queria que vocês recebessem com o maior carinho, o ex-governador... Paulo Hartung!”. Embora o homenageado não seja do ninho, a acolhida foi vibrante.
 
Até a noite daquela quinta-feira, a entrada de Hartung na campanha tucana era anunciada apenas por seus aliados. Alvejado por denúncias e suspeições, PH percorria apenas o interior. Da sua boca não saiu qualquer declaração de apoio ao projeto tucano.
 
Após saudar a presença de lideranças políticas, comunitárias, religiosas, empresariais e a das mulheres, ele finalmente tomou posição: “Eu declaro, como primeira palavra, que minha presença nesse ato é um gesto de amor por Vitória”, foram realmente suas primeiríssimas palavras.
 
A fala de Hartung pode ser dividida em dois momentos. No primeiro, recorreu ao léxico que o elevou ao governo e o legitimou como um dos maiores líderes políticos que a história deste estado um dia concebeu. Eis de volta o discurso da “reconstrução”, que lança a Era pré-Hartung nas trevas da História e exalta a Era Hartung como uma dádiva divina.
 
Mas, pelo menos ali, esse discurso não exibiu o mesmo vigor, a mesma capacidade de inflamar os corações. O orador estava inflamado. Hartung falou em “reconstrução da máquina pública”, “rearticulação das instituições”, “retiramos o estado do atoleiro”, “descontrole político-administrativo”, “recebemos um estado prostrado”. Também evocou diversas vezes a palavra “juntos”.
 
“Conseguimos tirar o espírito santo do rumo da corrupção, das mãos do crime organizado...”. Mas a cada vez que projetava a voz na esperança de cativar a atenção de uma plateia ainda dispersa - “Tô cansada de ficar em pé aqui”, queixou-se a certa altura uma moça de bandeira na mão - recebia de volta pouco mais que escassos aplausos.
 
O segundo momento foi de loas a Luiz Paulo. Aí a recepção emergia bem mais veemente. “Queria falar de Luiz Paulo, nosso candidato a prefeito”. Uma breve pausa. “Meu candidato a prefeito!”. O salão foi inundado por ovações.
 
 
Uma cena assaz curiosa. Em pé à boca do palco, misturado entre os rostos suados da militância tucana, com olhos e ouvidos atentos a cada palavra do homenageado, via-se o ex-secretário de Saúde de Hartung e atual Diretor de Administração e de Meio Ambiente da Cesan, Anselmo Tozi. Braço direto de Hartung e atual presidente da Cesan, Neivaldo Bragato também desfilou pelo salão.
 
Tozi e o salão inteiro aplaudiram quando Hartung arrematou seu discurso com um enérgico “Viva Vitória!! Viva o Espírito Santo!!”. O empolgante pop-rock do jingle Vitória Cheia de Vida e a chuva de um prateado papel picado que caiu deram um tom de encerramento apoteótico ao Grande Encontro. As autoridades se levantaram e deram-se as mãos na frente do palco, Luiz Paulo e Hartung no centro de tudo.
 
Cesar Colnago estava visivelmente emocionado. De mãos dadas a Lelo Coimbra, levantou-as sacudiu empolgado o braço do colega de Câmara. Mas o peemedebista parecia estar em outra. Via-se apenas um corpo inerte que sorria amarelo e balançava mecanicamente os braços. Uma pena. A festa estava tão bonita.
 
Ah, uma ausência sentida: Mariazinha Vellozo Lucas, mãe de Luiz Paulo. Uma pena. Festa bonita daquela.

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