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Assembleia vai receber evento sobre luta contra comunidades terapêuticas

Camila Valadão alerta para “práticas degradantes” e “recursos públicos indevidos”

Lucas S. Costa/Ales

A Frente Parlamentar em Defesa da Saúde Mental e da Luta Antimanicomial, presidida pela deputada estadual Camila Valadão (Psol), vai realizar uma reunião especial na próxima sexta-feira (10), a partir das 10h, na Assembleia Legislativa, em alusão ao Dia Nacional de Luta contra as Comunidades Terapêuticas. O evento acontecerá no Auditório Hermógenes Lima da Fonseca.

Segundo a organização, haverá uma mesa de debate com a presença de usuários da Rede de Atenção Psicossocial (Raps) que tiveram experiências de internação em comunidades terapêuticas (CTs). Também estarão presentes representantes da Defensoria Pública do Estado (DPES); do Mecanismo Estadual de Prevenção e Erradicação da Tortura (Mepet), vinculado à Secretaria de Estado de Direitos Humanos (Sedh); da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa); além da própria Frente Parlamentar.

A atividade faz parte da Campanha Nacional de Combate às Comunidades Terapêuticas, lançada em agosto. No Espírito Santo, a campanha tem como uma de suas lideranças Fabiola Xavier Leal, professora do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-graduação em Política Social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) – que também estará na mesa.

A campanha nacional, articulada por diversas organizações que compõem a luta antimanicomial, lançou um manifesto nas redes sociais. Entre as demandas elencadas estão: retirada das comunidades terapêuticas da Raps e de todas as políticas públicas; fim do departamento de CTs do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS); fim do financiamento público às CTs e extinção definitiva desse tipo de equipamento; e defesa da Reforma Psiquiátrica.

“A campanha surge de mais de 100 entidades e movimentos sociais que prezam e defendem a implementação da Reforma Psiquiátrica brasileira, o que tem sido uma luta de mais de 40 anos. Queremos reforçar a importância do cuidado em liberdade. Esse é o tipo de cuidado que realmente cuida, orienta, que garante uma perspectiva de redução de danos, de dignidade, de garantia de direitos”, comenta Fabíola Xavier.

Em publicação nas redes sociais, Camila Valadão destacou três pontos que considera fundamentais na campanha: cobrar o redirecionamento dos recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) para os serviços de base comunitária, como os Centros de Atenção Psicossocial (Caps); reforçar que as comunidades terapêuticas não são equipamentos de saúde e reforçar a lógica manicomial; e reforçar dados de relatórios e pesquisas que evidenciam as condições degradantes a que muitos dos usuários das CTs são submetidos, incluindo trabalho forçado sob o disfarce de proposta terapêutica.

“Quando falamos em saúde mental, precisamos chamar atenção para os riscos das comunidades terapêuticas. Esses espaços não são equipamentos de saúde: reforçam uma lógica manicomial, recebem recursos públicos indevidamente e, muitas vezes, reproduzem práticas degradantes, análogas à escravidão”, escreveu a deputada.

Violações e tragédias

Em setembro passado, a Justiça determinou o fechamento do Centro de Recuperação Evangélico “Getsêmani”, comunidade terapêutica de Piúma, no litoral sul do Estado. Segundo o Ministério Público do Estado (MPES), as irregularidades incluíam: ausência de equipe técnica mínima; condições de higiene precárias; alimentação insuficiente; e inexistência de documentação básica, como alvará sanitário e estatuto social.

Os internos também eram obrigados a trabalhar como pedreiros e a vender chaveiros na instituição em vias públicas. Ainda de acordo com o MPES, houve também relatos de: apropriação indébita de benefícios (aposentadoria e Bolsa Família), retenção de documentos pessoais, imposição de castigos físicos, ameaças para impedir a saída voluntária e fornecimento de alimentos vencidos. A entidade já havia sido interditada anteriormente, mas seguiu funcionando clandestinamente em outro endereço.

Esse não foi um caso isolado. No fim de agosto, cinco pessoas morreram e 11 ficaram feridas após um incêndio na comunidade terapêutica Liberta-se, no Distrito Federal. A clínica está em atividade há cinco meses sem alvará de funcionamento, de acordo com reportagens da imprensa nacional.

Rede Abraço

Matéria publicada por Século Diário no início de setembro destacou que o Espírito Santo conta com a Rede Abraço, um programa estadual que financia diretamente cinco comunidades terapêuticas. Conforme a reportagem, especialistas em saúde mental consideram que as CTs não oferecem tratamento adequado. Essas instituições nem sequer possuem médicos em seus quadros, como nas clínicas psiquiátricas tradicionais, o que representa um risco para pessoas com abstinência do uso de substâncias. O cuidado acaba sendo substituído por proselitismo religioso.

Em 2022, a Subsecretaria de Estado de Políticas sobre Drogas foi deslocada da Secretaria de Direitos Humanos (Sedh) para a pasta de Governo (Segov), o que é interpretado por quem acompanha o assunto como um indicativo do uso meramente político-eleitoral da pauta.

No Espírito Santo, uma comunidade terapêutica voltado ao público feminino já foi descredenciada pelo Estado por conta de diversas irregularidades. Em outros estados do Brasil, houve inclusive denúncias de emprego de trabalho análogo à escravidão.

A matéria também destacou a discrepância entre os investimentos do Governo do Estado em internações psiquiátricas e os recursos para o chamado cuidado em liberdade. O Estado destina R$ 191 mil por mês para clínicas psiquiátricas privadas. Para financiar os 224 leitos das 14 clínicas credenciadas com a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), o gasto anual é de cerca de R$ 32 milhões, conforme informações da própria Sesa. O valor é 33,2% superior à verba para manutenção de Centros de Atenção Psicossocial (Caps) na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025 do Espírito Santo, de R$ 21,3 milhões – de acordo com levantamento de Século Diário.

Um dia após a publicação da reportagem, a coordenação da Rede Abraço encaminhou nota ao jornal manifestando “preocupação”. O texto aponta que a crítica às CTs se baseiam apenas em “ideologia”. “A Rede Abraço faz parte do programa de governo do governador Renato Casagrande [PSB], tendo obtido aprovação e legitimidade nas urnas. Trata-se de uma política pública complementar aos serviços estatais já existentes e busca, inclusive, suprir o vácuo de algumas municipalidades que não dispõem de uma política pública efetiva de álcool e outras drogas”, afirma o texto.

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