Pauta inclui monitoramento da saúde das famílias por médicos especializados

Dois encontros reúnem, no Estado, atingidos pelo crime da Samarco/Vale-BHP e representantes do Ministério da Saúde para debater a construção do Programa Especial de Saúde do Rio Doce, previsto no novo acordo judicial de reparação integral assinado pelas empresas responsáveis, instituições de justiça e governos federais e estaduais.
Durante as reuniões, que começaram nessa terça-feira (17) em Colatina, no noroeste, e seguem nesta quarta em Linhares, no norte, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) apresenta uma pauta de reivindicações para serem incorporadas ao programa, previsto no Anexo 8 do acordo judicial, com destinação de R$ 12 bilhões de recursos para a área.
Segundo a dirigente estadual do MAB, Ester Avancini, a agenda foi construída a partir de demandas históricas dos atingidos e representa uma oportunidade inédita de consolidação de propostas estruturantes para os territórios da bacia do Rio Doce. “Esse anexo é uma novidade, inclusive em relação aos acordos anteriores, em que nós não tínhamos esse quantitativo, e veio a partir da indicação dos atingidos e atingidas da bacia, tanto aqui do Espírito Santo quanto de Minas Gerais”, relata.
Entre as propostas do movimento para o Ministério da Saúde estão a criação de um Centro Especializado de Referência, a formação de vigilantes populares em saúde, a ampliação das práticas integrativas e complementares (PICs) no Sistema Único de Saúde (SUS), e a distribuição de filtros de água com nanotecnologia.
“Por meio desse centro de especialidades, a reivindicação é de seja realizado o monitoramento da saúde da população atingida, com médicos e especialistas que atendam às demandas específicas a partir do rompimento da barragem. Que a gente tenha um sistema de vigilância em saúde integrada, um ambulatório de práticas integrativas e complementares, uma vez que a gente entende saúde como um conceito ampliado que vai para além da lógica hospitalocêntrica e medicamentosa”, afirmou.
A pauta da saúde mental também integra as discussões. Estudos como o “Resumo Executivo” criado pelo grupo de pesquisa “Saúde, água, energia, ambiente e trabalho: tecendo saberes na promoção de territórios sustentáveis e saudáveis”, promovido em cooperação entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o MAB, apontam o aumento significativo de casos de depressão, ansiedade e estresse pós-traumático, relacionados à perda de suas casas, meios de subsistência e modos de vida, e a contínua ameaça de tragédias ambientais.
“Uma das propostas é que nesse centro de especialidades a gente consiga também ter psiquiatras e psicólogos para auxiliar no cuidado à população atingida, além da necessidade dessa equipe multidisciplinar nas próprias unidades básicas. A questão da saúde mental é muito complexa. A gente fala em efeitos a longo prazo. A própria depressão, ansiedade, transtorno pós-traumático, é algo que vem a longo prazo. São perdas e perdas ao longo desses 10 anos que se acumulam”, ressaltou.
Em relação à reivindicação de que recursos também sejam destinados para formação de profissionais dentro das comunidades atingidas, ela destaca a experiência do MAB com a formação de vigilantes populares desde 2022 em diversos estados, incluindo o Espírito Santo, uma das capacitações realizada em cooperação com a Fiocruz.
“A ideia é que os próprios atingidos sejam pesquisadores e profissionais de saúde das suas próprias comunidades. Que possam se formar em vigilância popular em saúde, serem educadores populares em saúde, e possam, inclusive, se especializar nas práticas integrativas e complementares do SUS. Queremos fortalecer os atingidos e atingidas para que eles sejam protagonistas da construção desse processo”, destacou.
Ela aponta ainda a falta de estudos sobre os efeitos do crime da Samarco/Vale-BHP na saúde humana. Desde o rompimento da barragem em Mariana (MG) em 2015, os atingidos têm enfrentado uma série de problemas de saúde, como doenças respiratórias, de pele e gastrointestinais, e transtornos mentais agravados pela precariedade das condições de vida. A insegurança alimentar, exacerbada pela dificuldade de acesso a alimentos saudáveis e à água potável, também representa um problema grave nessas comunidades.

Relatórios elaborados pela Aecom Brasil confirmam que pescados e produtos agropecuários da região apresentam níveis elevados de contaminação, recomendando ampla divulgação à população sobre os riscos. Já uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), que analisou sangue, urina e cabelo de mais de 300 pessoas, revelou contaminações agudas entre os voluntários. No entanto, as ações para enfrentar esse quadro são limitadas pela falta de reconhecimento oficial dos danos à saúde.
Apesar da sobrecarga no sistema público de saúde, a Fundação Renova, criada em 2016 pelas mineradoras para gerir a reparação e compensação dos danos causados pelo crime, atuou para omitir os impactos do rompimento da barragem sobre a saúde das populações atingidas, por meio da judicialização dos estudos e planos de saúde pública, como forma de postergar ações urgentes.
O estudo da Ambios, de 2020, considerado fundamental para comprovar o nexo causal entre o desastre e os impactos à saúde, foi barrado pela Renova. O Ministério Público Federal de Minas Gerais (MPF/MG) conseguiu uma liminar para garantir a continuidade, mas a decisão não teve efeitos práticos. Além disso, os planos de risco à saúde elaborados pelos municípios atingidos foram aprovados, mas seguem judicializados, o que impede a implementação de medidas.
“A natureza leva um tempo que a gente não tem dimensão para a recuperação desses rios, se é que a gente pode pensar em nível de recuperação, e nós nunca tivemos laudos ou pesquisas sobre e os impactos na saúde humana, pelo menos, que fossem divulgadas para os atingidos e atingidas”, observa a dirigente estadual do MAB.
Outra demanda central é o fornecimento de filtros de nanotecnologia para melhorar a qualidade da água consumida. Apesar de não solucionarem completamente o problema da contaminação, os filtros são apontados como alternativa provisória viável, baseando-se em experiências já realizadas no Amazonas e em estados do Norte. “A proposta é cuidar da qualidade da água, não resolveria totalmente o problema, mas seriam experiências de instalação desses filtros para verificar se a qualidade da água nos territórios atingidos consegue atingir um certo nível de melhoria” pontua.
Os participantes também têm apresentado demandas específicas dos seus territórios de origem, como a ampliação de unidades básicas de saúde, contratação de profissionais, reforço em hospitais regionais e melhor atendimento nas comunidades. Em relação ao controle social da destinação dos recursos, o anexo da saúde prevê a criação de uma Câmara Especial em Saúde e um Comitê Especial Tripartite, mas o MAB quer garantir que essas instâncias não sejam apenas formais e alerta para a necessidade de maior participação da sociedade civil nos processos decisórios.
“Tem a proposta de regular como vai ser esse controle social, mas, paralelo aos dispositivos da participação, temos organizado com outros grupos de lideranças para fazer acordos e parcerias com as prefeituras, com objetivo de colocar as demandas e incidir nas propostas dos municípios. Um exemplo são os planos de ação em saúde que os municípios vão entregar no dia 24. O movimento quer se organizar com a população para poder fazer esses diálogos e o monitoramento desses planos e dos demais que possam surgir a partir da repactuação”, reforça.
Os encontros com o Ministério da Saúde reúnem ainda organizações sociais, conselhos de saúde e sindicatos, e abrangem os municípios de Baixo Guandu, Colatina, Marilândia, Linhares, Regência, Povoação, São Mateus e Conceição da Barra.