Segunda, 29 Abril 2024

Audiência na Comissão de Direitos Humanos do Senado debate terceirização na saúde

Audiência na Comissão de Direitos Humanos do Senado debate terceirização na saúde
Os trabalhadores terceirizados estão mais sujeitos a doenças e internações e o crescimento da mão de obra terceirizada pode agravar a situação. Da mesma forma, o atendimento à população pode se tornar precário. Estes dois aspectos da terceirização foram tratados nesta terça-feira (14) pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, que realizou audiência pública para analisar o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 30/2015, que tramitou na Câmara dos Deputados como PL 4330/03, que universaliza a possibilidade de terceirização. Todos os participantes da audiência se posicionaram contrariamente ao projeto.



“Se o problema de muitos hospitais é de gestão, com a terceirização é a esculhambação, a lambança total”, opinou o senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da CDH.



Segundo Maximiliano Garcez, da Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas (Alal), o PLC 30/2015 é o projeto do “aluguel de pessoas”, que trata o trabalhador como mercadoria a ser trocada a qualquer momento e permite até mesmo a “quarteirização e a quinteirização”. Ele se disse contrário à terceirização das atividades dos serviços de saúde prestados à população, e a comparou a um hambúrguer do McDonalds: “faz mal para a saúde, custa caro e só é bonito na foto, mas é horrível na realidade”.  Maximiliano citou exemplos de hospitais do Rio de Janeiro e de Porto Alegre que foram terceirizados e hoje deixam servidores sem salários e pacientes sem refeições e demonstrou temor com a possibilidade que se alarga com a proposta em tramitação.



“A terceirização é uma droga de verdade, e abre a porta para outras drogas no mundo do trabalho: precarização, sonegação, corrupção, trabalho escravo, infantil e degradante. Uma grande empresa quando quer fazer essas barbaridades não faz diretamente”, disse.



Na mesma linha, o coordenador do Fórum Nacional de Enfermagem, Valdirlei Castagna, afirmou que a terceirização em serviços de saúde ganha conotação maior, é mais grave e traz grandes riscos porque trabalha com as vidas e a sanidade da população. Segundo ele, nem mesmo as atividades-meio na saúde deveriam ser terceirizadas, já que é preciso atenção e cuidado na higienização ou na elaboração de refeições para o ambiente hospitalar, por exemplo, e o rodízio constante desses funcionários pode prejudicar as rotinas. Pior ainda é a terceirização de profissionais como médicos e enfermeiros, brecha aberta com o projeto. “Corremos o risco de colocar pessoas dentro do ambiente hospitalar que, com a alta rotatividade, não sabem das peculiaridades. Nem a atividade-meio pode ser terceirizada em serviço de saúde”, opinou.



Eurídice Ferreira de Almeida, representante da Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnicos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra), mencionou a precarização nos hospitais universitários, por causa da terceirização.



“Estão entregando o patrimônio público nas mãos da terceirização. Estão colocando entidades privadas dentro dos hospitais universitários, usando insumos e mão de obra dos profissionais (efetivos) em detrimento do atendimento público. Se (o paciente) vem pelo plano de saúde, tem todo o atendimento. Quem vem pelo SUS, não tem”, denunciou Eurídice, reclamando do sucateamento da estrutura hospitalar e da queda na qualidade do atendimento em mais de 80% por falta de insumos, principalmente.



A presença da terceirização nas universidades federais foi um dos motivos apontados na audiência da CDH para a greve no segmento, iniciada no final de maio. Na ocasião, Paim recebeu uma carta com reivindicações, que prometeu encaminhar ao Poder Executivo.



A presidente da Federação Nacional dos Odontologistas, Joana Batista Oliveira Lopes, e a vice-presidente da Federação Nacional dos Enfermeiros, Shirley Marshal, e Ana Lucia Firmino, representante do Sindicato dos Enfermeiros, também não pouparam críticas à adoção deste regime de contratação na saúde pública. “É um retrocesso violento que atenta contra um direito fundamental do cidadão, que é o Estado prestar assistência à saúde sem transferir para terceiros aquilo que é responsabilidade dele”, afirmou Joana Lopes.



Doenças



Os terceirizados, em seus regimes de trabalho, estão mais sujeitos a treinamentos insuficientes ou, até mesmo, à falta de treinamento; uma gestão coletiva menos rigorosa, com piores condições de trabalho; e a atribuições com mais riscos. A instabilidade no posto induz a mais ausências e a adoecimentos, no campo físico e mental, inclusive psicossomáticos. Foram as observações de Guilherme Feliciano, vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).



Ele citou dados para salientar as condições mais precárias a que se submetem os funcionários contratados por empresas intermediadoras de mão de obra: a cada dez acidentes de trabalho, oito ocorrem com empregados de terceirizadas. Dos fatais, de cada cinco ocorrências, quatro ocorrem com funcionários terceirizados. “De modo geral, 80% dos acidentes de trabalho alcançam os terceirizados”, disse.



O juiz do trabalho citou dados organizados pelas centrais sindicais: em 2010, o mercado de trabalho formal tinha 25,5% de terceirizados, número que se elevou para 26,8% em 2014. Isso porque sai mais barato para as empresas terceirizar mão de obra, pelo menos segundo a justificativa de 98% das empresas, como afirmou. Somente 2% alegaram a necessidade de especialização técnica. “Coloco um intermediário e o preço final sai mais barato. O intermediador tem lucro, então quem paga a conta? Óbvio que o trabalhador, e isso se deve à redução de direitos sociais”, disse.



De acordo com a enfermeira Ivone Martini, a terceirização cria castas diferenciadas entre os trabalhadores, ao diluir responsabilidades com obrigações trabalhistas. Ela apresentou dados do Dieese, inclusive já mencionados em outras audiências da CDH sobre o tema, dizendo que 84% dos acidentes de trabalho são com terceirizados, contra 16% de ocorrências entre os contratados regulares. Os terceirizados ganham 1/4 menos dos que os contratados e trabalham em média três horas a mais.



Já o representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social (CNTSS), Ademir Portilho, sustentou que a terceirização não respeita os direitos humanos. Ele ressaltou a “invisibilidade” imposta aos terceirizados, que costumam ser discriminados pelos demais companheiros de trabalho. “O salário do concursado é acima de R$ 2 mil e o do contratado é o salário mínimo [R$ 788], o que gera muita confusão na assistência, porque eles têm de fazer o mesmo trabalho”, disse.



O vice-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), João Rodrigues Filho, disse que quem paga por isso é o usuário do sistema. O sindicalista observou ainda a dificuldade para execução judicial de dívidas trabalhistas das empresas de terceirização, que costumam desaparecer após dispensar os trabalhadores. Ainda segundo João Rodrigues Filho, até a saúde indígena está passando pelo processo de terceirização.

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