Sexta, 19 Abril 2024

Conselho Federal de Psicologia emite parecer contra PL que institui internação compulsória

O Conselho Federal de Psicologia (CFP) produziu um parecer técnico que contesta, ponto a ponto, o Projeto de Lei (PL) n° 7663/2010, de autoria do deputado federal Osmar Terra (PMDB/RS), que altera a legislação antidrogas no País. O PL “acrescenta e altera dispositivos à Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, para tratar do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas, dispor sobre a obrigatoriedade da classificação das drogas, introduzir circunstâncias qualificadoras dos crimes previstos nos arts. 33 a 37, definir as condições de atenção aos usuários ou dependentes de drogas e dá outras providências”.  A apreciação do projeto de lei está na pauta desta semana do plenário da Câmara Federal.  

 
De acordo com o parecer do CFP o projeto reúne, em um só texto, todos os "equívocos e todas as ilusões da história" no que diz respeito às políticas públicas de drogas. O documento se apoia em inúmeros estudos e estatísticas para comprovar que o PL, além de inconstitucional, fere princípios fundamentais dos cidadãos. 
 
O parecer técnico mostra que quando se discutem as formas mais adequadas de enfrentamento ao tráfico de drogas que são consideradas ilícitas, imagina-se que o caminho a ser trilhado envolve a manutenção da política proibicionista, os esforços na repressão ao tráfico e a aposta em tratamentos centrados na abstinência.
 
No entanto, esta tríade já comprovou ter altíssimo custo econômico e social e baixa resolutividade. Além disso, diversos estudos mostram que políticas públicas calcadas na manutenção da política proibicionista, na repressão ao tráfico e no tratamento centrado na abstinência foram incapazes de oferecer uma resposta satisfatória para os problemas que elas pretendem enfrentar. 
 
O CFP pondera no parecer técnico que a discussão em torno da lei antidrogas não pode ser pautada pelas visões moralistas ou religiosas ou pela conhecida disposição de mascarar interesses comerciais e eleitorais com afirmações que não se sustentam tecnicamente. “O Brasil já pagou um preço muito elevado pela incompetência, pela demagogia e pela mentira. É hora de tratar dos temas da saúde pública e da segurança com a devida seriedade. Senão por outro motivo, porque posições erradas nestas áreas costumam matar”, diz o parecer técnico.
 
A entidade também aponta que, de acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), a população carcerária do País em junho de 2012 era de 549.577 pessoas, ou 288,14 presos para cada 100 mil habitantes, uma das taxas mais altas do mundo. O tráfico de drogas responde por 26,34% das prisões, percentual que responde pelo maior número de condenados no Brasil. 
 
Resta comprovado que o fato de milhares de jovens serem condenados por todos os anos não produz qualquer efeito inibitório ao negócio ilegal da venda de drogas, apenas renova o exército de jovens pobres envolvidos, já que a demanda se mantém alta. 
 
O PL prevê a alteração de penas previstas para o tráfico de drogas e também para o uso de drogas ilícitas. No entanto, as razões para as alterações na lei não foram mencionadas pelo autor do projeto. 
 
A partir do projeto o usuário de drogas ilícitas, mesmo que não seja dependente, deve ser submetido à medida de comparecimento a programa ou curso educativo, a depender da situação, por até dois anos. O parecer aponta que, segundo dados do segundo Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), do Instituto Nacional de Políticas Públicas do álcool e outras Drogas (Inpad), da Unidade Federal de São Paulo (Unifesp), oito milhões de pessoas no País são usuárias de maconha e quase outras três milhões são usuárias de cocaína, crack e oxi. 
 
O parecer conclui que, por óbvio, não há recursos para estruturar cursos para milhões de pessoas, nem para prolongar o funcionamento deles por até dois anos, como estabelece o PL, tampouco para formar equipes com os milhares de profissionais que são necessários para o acompanhamento destes milhões de usuários. 
 
Sequestro institucional
 
O PL n° 7663/2010 pretende internar, inclusive, usuários não dependentes, conhecido como “sequestro institucional”. Apesar de repetir o mesmo comando da Lei da Reforma Psiquiátrica (10.216/01) no tocante à internação compulsória ou involuntária, o PL, que pode ser votado nesta semana, não copia as garantias que prevê a lei de 2001, “porque o objetivo é o de violar direitos, consagrando como ‘política pública’ a perspectiva do higienismo social de ‘limpar’ as ruas dos usuários do crack, de preferência com o auxílio das polícias e guardas municipais, como já se observa em algumas capitais”.   
 
Apesar de a Lei da Reforma Psiquiátrica inviabilizar qualquer internação em comunidades terapêuticas que, como regra, não têm profissionais qualificados e que se aproximam, em muitos casos, do perfil de “instituições asilares”, vedadas pela Reforma. 
 
Já o PL 7663/2010 pretende assegurar o financiamento do governo federal às comunidades terapêuticas, instituições que, no Brasil, costumam estar vinculadas a determinados grupos religiosos e que, com frequência, violam os direitos dos internos, como o constatou a 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos realizada pelo Conselho Federal de Psicologia em 24 estados mais o Distrito Federal, em um total de 68 instituições. 
 
De acordo com o parecer técnico do CFP “as comunidades terapêuticas são instituições não monitoradas ou fiscalizadas, que não dispõem de qualquer recurso terapêutico. Nelas, é comum a interceptação e violação de correspondências, a violência física, os castigos, as torturas, a humilhação, a imposição de credo, a exigência ilegal de exames clínicos, como o teste de HIV, intimidações, desrespeito à orientação sexual, revista vexatória de familiares, violação de privacidade [...] Esta realidade deplorável, aliás, só surgiu por conta da negligência do Estado brasileiro que, até hoje, não foi capaz de montar serviços públicos de qualidade e na extensão necessária para atender os dependentes químicos”. 

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