Ana Paula Rocha reforça críticas à gestão de Pazolini de falta de diálogo no processo

“A gestão Pazolini [Republicanos] está abrindo mão de governar os dois únicos serviços de porta aberta da Capital. Isso é muito grave”. A crítica é da vereadora de Vitória Ana Paula Rocha (Psol), que anunciou a convocação de uma audiência pública para discutir o processo de terceirização dos Prontos Atendimentos (PAs) da Praia do Suá e São Pedro, em Vitória, tema da 231ª reunião ordinária do Conselho Municipal de Saúde de Vitória, realizada nessa terça-feira (29).
Servidores dos PAs que acompanharam a reunião denunciaram o que consideram um “espetáculo de desorganização e arbitrariedade” por parte do colegiado. O encontro, que tinha como uma de suas principais pautas a deliberação sobre os editais de chamamento público nº 001/2025 e 002/2025 para terceirização integral dos serviços das duas unidades, por meio de Organização Social (OS), terminou com a rejeição de um parecer técnico contrário aos editais, o que provocou indignação entre os trabalhadores da saúde e usuários presentes.
“É inadmissível um Conselho Municipal de Saúde ser contra um parecer que mostra como Vitória vai ter um grande prejuízo com essa terceirização”, afirmou uma servidora dos PAs, que preferiu não se identificar por medo de retaliações. Segundo ela, os trabalhadores esperavam uma postura mais crítica e responsável por parte do colegiado. “Em nenhum momento, o Conselho se preocupou com a população de Vitória. Eles se preocuparam simplesmente em agradar a gestão”, criticou.
Para Ana Paula, o processo já começou com um vício de origem. “Essa questão da terceirização nasceu com um problema de método, que é a cara da gestão Pazolini: não dialogar com os servidores, nem com os usuários. Isso fere o controle social do SUS [Sistema Único de Saúde], porque o edital já havia sido publicado antes de passar pelo Conselho Municipal de Saúde. É como se o Conselho estivesse correndo atrás do edital”, avalia.
Servidores que atuam há décadas nas unidades também têm manifestado insegurança sobre seus destinos com a possível mudança. “Eles escreveram um parecer muito rico falando da excelência do serviço prestado, da importância que esses dois serviços têm para Vitória e para a região metropolitana. Mas hoje, muitos profissionais que estão há mais de 20 anos não sabem o que vai acontecer com eles”, alerta.
A condução da reunião foi alvo de críticas pelos servidores presentes, que questionaram não haver qualquer identificação visível dos conselheiros, o que dificultou a transparência do processo de votação. O encontro foi presidido pelo conselheiro João Carlos dos Santos, identificado apenas como “Barata”. Eles descrevem que ele tentou encerrar a discussão após a leitura do parecer, alegando que “ninguém tinha dúvidas sobre o assunto”, e que, portanto, não seria necessário abrir espaço para manifestações.
A votação, como apontam os relatos, foi feita de forma confusa e sem clareza sobre o que exatamente estava sendo decidido, e o parecer foi rejeitado por sete votos a três. “Nem ficou claro se estavam votando sobre o parecer ou os editais. Foi tudo muito confuso”, reitera outra servidora, que também pediu anonimato. Quando alguns profissionais tentaram pedir esclarecimentos, foram repreendidos com um “mandem calar a boca”, relata.
Suplente do presidente do Conselho Municipal de Saúde e representante dos usuários Alexandre Martins Costa, “Barata” também demonstrou, em contato com Século Diário, preocupação com o processo de terceirização. Ele explicou que só teria direito a voto em caso de empate, o que não ocorreu. Mesmo assim, afirmou ser contra a terceirização e relatou sua experiência no Conselho Gestor do Hospital São Lucas, em Forte São João, onde, segundo ele, a gestão terceirizada não funciona.
“É uma falta de respeito com os usuários, porque a empresa só quer ver lucro”, disse. “Barata” também destacou a gravidade da situação ao citar a morte de uma criança de cinco anos, ocorrida no dia anterior no PA de Alto Lage, em Cariacica. Ele afirmou que o caso “será acompanhado de perto e que, dentro de um laudo pericial irá apontar se houve negligência”.
Além das críticas à terceirização, os trabalhadores ressaltam a indignação da categoria com o que classificam como “desprezo institucional” por suas condições de trabalho. “Temos vários questionamentos sobre a precarização do serviço, a demora no atendimento e, principalmente, para onde seremos realocados. Isso nunca foi respondido”, acrescentam.
Os servidores avaliam que a decisão do Conselho Municipal de Saúde contraria os princípios que deveria defender. “Pareciam que eram pessoas leigas que estavam ali e não tinham noção daquilo que estavam fazendo ou votando”, enfatiza.
No último dia 15, o Conselho havia se reunido com objetivo de deliberar a proposta de terceirização, porém foi aprovado apenas um outro parecer, que apontava preocupações em relação aos impactos na qualidade do atendimento, às condições de trabalho dos profissionais e à gestão dos recursos públicos. O desfecho do encontro havia frustrado a expectativa de servidores e usuários, que esperavam a votação definitiva da medida, amplamente criticado nas últimas semanas, o que não aconteceu.
Diante das denúncias e da mobilização crescente de servidores e usuários, a vereadora Ana Paula afirmou que seu mandato vai “fazer de tudo para barrar essa precarização” e que a audiência pública, ainda sem data fechada, será um dos espaços de resistência. Ela aponta, ainda, que experiências anteriores com terceirizações na Capital e na Grande Vitória revelam impactos negativos na qualidade dos serviços. “A gente tem um histórico de terceirizações que precarizam o acesso à saúde. Isso porque aumenta a rotatividade, dificulta o entendimento do funcionamento do sistema e piora as condições de trabalho dos profissionais”, completa.

Violações e prejuízos
Elaborado pela conselheira Marta Priscila Dantas Macedo, representante do Conselho Regional de Enfermagem do Espírito Santo (Coren-ES) no Conselho Municipal de Saúde, o parecer é categórico ao apontar uma série de violações e prejuízos decorrentes da proposta de terceirização. Ela alerta que o modelo de terceirização proposto representaria uma ruptura drástica na continuidade e qualidade do atendimento prestado nas unidades de pronto atendimento, que operam em regime de porta aberta – ou seja, recebem qualquer cidadão, residente ou não da Capital, inclusive em situações de urgência.
A substituição de servidores experientes por uma equipe temporária contratada para um período experimental de 12 meses poderia, segundo o documento, “levar a erros médicos, atrasos no atendimento e aumento de óbitos evitáveis”. Os PAs de Vitória, apontam os dados apresentados, registram uma das menores taxas de mortalidade em atendimentos do país: cerca de 0,018% em 500 atendimentos diários.
O parecer rejeitado cita ainda mais de 50 dispositivos legais e alertava para o risco de substituição de servidores concursados por profissionais contratados por uma Organização Social (OS), sem garantias de qualificação equivalente. Entre os principais pontos, indicava a violação ao princípio da complementaridade do setor privado na saúde pública, conforme previsto no artigo 199, §1º da Constituição Federal.
Outro ponto crítico diz respeito à ausência de um estudo técnico que justificasse a decisão da prefeitura, bem como a falta de informações sobre a viabilidade financeira da medida. “Sem informações consistentes sobre os gastos atuais, a parcela já terceirizada dos serviços e os números reais de atendimento, não é possível deliberar de forma responsável”, afirma o documento.
A conselheira ressalta ainda que a retirada dos servidores dos PAs fere os princípios da estabilidade funcional e da continuidade do serviço público, podendo configurar desvio de finalidade – ou seja, a contratação de uma OS apenas para cortar custos, em detrimento da qualidade do atendimento.
De acordo com o documento, o Decreto nº 24.878/2025, que regulamenta a realocação dos servidores, não garante que todos encontrarão vagas compatíveis, o que gera insegurança funcional. Em sua conclusão, indica que “por decisão constitucional, a participação da iniciativa privada deve ser excepcional, perdendo legitimidade quando o Estado, capaz de oferecer o serviço diretamente, opta por transferi-lo a terceiros, mesmo que indiretamente”.