Conselheira destaca liminar que suspende terceirização de UPA da Serra
“O controle social do SUS [Sistema Único de Saúde] prevaleceu”, resume a representante do Conselho Municipal de Saúde da Serra, Meire Siqueira, ao comentar a decisão liminar da Justiça que suspendeu a terceirização da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da Serra Sede, conduzida pela prefeitura, sob gestão de Weverson Meirelles (PDT). Para ela, a medida reforça o papel participativo da população na formulação das políticas públicas de saúde e marca uma vitória da população e dos trabalhadores do SUS. “A decisão considerou o papel deliberativo do conselho, que representa todos os segmentos, afirmou.

A liminar foi concedida no âmbito de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES), que apontou vícios no processo de contratação de uma Organização Social (OS) para assumir a gestão da unidade. O principal deles foi a ausência de consulta e deliberação do Conselho Municipal de Saúde de Serra antes da publicação do edital – uma exigência expressa na legislação federal e municipal.
Na decisão, o juiz Rodrigo Ferreira Miranda, da 2ª Vara da Fazenda Pública Municipal e Estadual de Serra, determinou a imediata suspensão do do processo regido pelo Edital de Convocação Pública nº 001/2025, que previa a entrega da gestão da UPA à iniciativa privada, e destacou a deliberação do órgão colegiado, que se manifestou contrário à terceirização em reuniões realizadas nos dias 24 de fevereiro e 10 de março deste ano, por meio da Resolução nº 677/25. Segundo a conclusão do magistrado, “resta inegável que a análise da decisão quanto ao modelo de gestão aplicado à política pública municipal de saúde insere-se dentre as competências do Conselho Municipal de Saúde, exigindo-se, pois, a aprovação do referido órgão”.
De acordo com os autos, a prefeitura não submeteu previamente o processo de terceirização à análise e aprovação do conselho, contrariando o artigo 3º, inciso V, da Lei Municipal nº 5.715/23. A omissão fere a legislação que garante o caráter deliberativo do colegiado na formulação e execução da política municipal de saúde.
A decisão judicial também ressaltou a contradição da Secretaria Municipal de Saúde, que publicou o edital de convocação da Organização Social (OS) no mesmo dia em que homologou a decisão do conselho contrária à transferência da gestão. “Soa no mínimo estranho o fato de que a Secretaria Municipal de Saúde, por um lado, seja subscritora do Edital de Convocação Pública…e, por outro, tenha homologado a decisão do Conselho…no mesmo dia da última republicação do edital”, apontou o juiz. Ele também reconheceu que a medida colocava em risco a continuidade do serviço público municipal e poderia gerar danos irreversíveis.
“O usuário teve voz, o trabalhador teve voz, e a gestão também teve voz. Nós batalhamos muito, corremos muito atrás para provar a eficácia do atendimento, e a opinião da população foi válida nesse momento. Nós ficamos muito felizes com esse reconhecimento”, celebrou Meire.
Embora o município sustente que comunicou o conselho sobre a mudança de modelo de gestão, inclusive em nota enviada ao Século Diário na ocasião, a conselheira destaca que isso só ocorreu após a abertura do processo licitatório. “Eles abriram a licitação sem ter apresentado o projeto antes para o Conselho, passando por cima da instância de deliberação. Quando apresentaram, já estavam dizendo que era para visar lucro, sem respaldo sobre a qualidade do serviço ou o número de pessoas atendidas”, criticou.
Segundo o MPES, além de atropelar o conselho, a prefeitura sustentou a terceirização com base em dados incompletos, sem fonte oficial, o que impediu a devida checagem. O Ministério Público também argumentou que a UPA da Serra Sede – a única unidade que permanece sob gestão 100% municipal desde sua inauguração – é justamente a que apresenta os melhores indicadores de desempenho entre as unidades da cidade.
“O atendimento na Serra Sede é muito superior às outras unidades terceirizadas. Não vemos motivo para essa mudança. O município diz que a unidade gasta mais, mas é porque ela atende mais e com mais qualidade”, enfatizou Meire.
Ainda assim, a Prefeitura da Serra já informou que pretende recorrer da decisão. Apesar disso, a conselheira diz estar confiante na manutenção da liminar. “Estamos confiantes, porque o conselho é representativo. Se a população dissesse que a saúde está ruim, que está precário, talvez houvesse motivo. Mas os dados mostram um trabalho de excelência”, defendeu. Segundo ela, o movimento contra a terceirização envolveu representantes dos trabalhadores, usuários e até membros da própria gestão.
O processo de tentativa de terceirização da UPA da Serra Sede foi iniciado ainda em dezembro de 2024, nos últimos dias da gestão anterior, de Sergio Vidigal (PDT), aliado de Weverson. O edital foi publicado no dia 30 de dezembro e previa a contratação de uma OS para gerenciar a unidade, com base na justificativa de suposta economia e aumento na qualidade do atendimento. No entanto, os dados fornecidos pela própria prefeitura mostravam que a unidade municipal era mais eficiente do que as demais UPA’s geridas por OSs — como Castelândia e Carapina —, que apresentaram seguidas falhas no cumprimento de metas.
As gestões de Unidades de Pronto Atendimento (UPAs-24H) da Serra por organizações sociais (OS), desde o início, são criticadas por entidades sindicais e também já foram alvo de denúncias por funcionários, que relataram a precarização dos serviços após o processo de terceirização, o que tem provocado problemas como a falta de estrutura e de profissionais.
Para Meire, a tentativa de entrega à iniciativa privada revela uma lógica de governo que prioriza interesses financeiros em detrimento da população. “A prefeitura está visando só lucro. Não está preocupada com a qualidade do atendimento. E isso ficou claro quando tentaram forçar esse processo sem consultar ninguém”.
Com a decisão liminar em vigor, a gestão da UPA da Serra Sede permanece sob responsabilidade direta da administração pública municipal, como defendem o conselho e o Ministério Público. “Acreditamos que a Justiça vai continuar do lado da população”, enfatizo Meire.